Donos de restaurantes reclamam da falta de mão de obra, mas salários estão defasados

Baixa remuneração e trabalho pesado afugentaram cozinheiros, garçons e gerentes, e setor vive apagão

A volta ao normal após muitos meses de portas fechadas ou funcionando aos soluços, por causa da pandemia, escancarou uma dura realidade no setor da gastronomia. Donos de bares e restaurantes tem se deparado com um verdadeiro apagão de mão de obra. Anúncios de vagas se multiplicam nas portas dos estabelecimentos e nas redes sociais: faltam cozinheiros, auxiliares, garçons, sommeliers, bartenders e gerentes.

Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), há 5,3 milhões de pessoas empregadas em bares, restaurantes, empórios e hotéis, 700 mil a menos do que antes da pandemia.


Para Fábio Aguayo, presidente da Abrabar (Associação de Brasileira de Bares e Casas Noturnas de Curitiba, “parece surreal” não encontrar alguém disposto a trabalhar “em um pais com mais de 13 milhões desempregados”.

O empresário Gustavo Grassi, dono de unidades do Habib’s, em Curitiba, considera a situação “um absurdo”. “A rotatividade de funcionários está alta e muito difícil de completar a vaga”, afirma.

Como mostrado pelo Plural em abril, rotina exaustiva e salários cada vez mais desvalorizados empurraram funcionários de bares e restaurantes para outros setores ou a investir em negócios próprios como produção de comida em casa e venda pela internet, que permitem horários mais flexíveis.

A jornada nos restaurantes dura de oito a dez ou até doze horas por dia, seis dias por semana, festividades inclusas. Geralmente a folga é às segundas-feiras e um domingo por mês.

“Sinto que as pessoas querem empregos mais leves, com menos horas dedicadas, mais dias de folga. Portanto, trabalhar dentro de uma cozinha super quente, em um bar de garçom equilibrando bandejas, trabalhar aos sábados e domingos, em horários complexos, deixou de ser interessante. Mesmo com salários melhores e benefícios, as pessoas não querem mais se sujeitar”, avalia Gustavo Haas, do Grupo El Taco de Curitiba.

José Petri, presidente do Sindehotéis, entidade que reúne entre 25 e 30 mil trabalhadores em Curitiba e região metropolitana, destaca que os salários da categoria ficaram congelados por cinco anos, período em que perderam cerca de 25% do poder de compra por causa da inflação, que continua em alta.

No início de junho, a Convenção Coletiva de Trabalho concedeu aumento de 12,5% aos profissionais do setor, percentual abaixo da inflação medida pelo índice IPCA que entre março de 2021 e o mesmo mês deste ano acumulou 13,17%, em Curitiba.

Nos dois anos de pandemia, o único esforço da categoria foi a tentativa de manter os empregos, muitas vezes sem sucesso. O restaurante Zapata, em Curitiba, demitiu 70% do quadro de funcionários no pico da epidemia. A rede Madero dispensou 600 profissionais em abril de 2020.

O piso salarial no Paraná é de R$ 1.585 brutos por mês ou R$ 7,21 a hora: é o que ganham recepcionistas de hotéis, auxiliares de cozinha e garçons no começo da carreira. Nos restaurantes de alto padrão de Curitiba, garçons experientes ganham cerca de R$ 4 mil brutos por mês, cozinheiros R$ 3.500 e auxiliares de cozinha R$ 2.500.

“Vai ter que acabar dando um salário mais atraente, senão vamos continuar com esta dificuldade”,

admite Marcio Brasil, dono do Zapata.

Como a mão de obra qualificada é escassa, empresários disputam os melhores profissionais do mercado. A figura do gerente é particularmente cobiçada, o que explica a alta rotatividade destes funcionários. “Ao longo dos anos tem um restaurante que ‘roubou’ uns 15 funcionários meus”, diz um restaurateur que não quis se identificar.

Enquanto os empresários buscam soluções – a Abrasel, por exemplo, lançou cursos gratuitos de formação para jovens cozinheiros e garçons, com emprego garantido no final -, o mercado está se transformando e passa a observar a difusão de profissionais semiautonomos que preferem fazer “taxa” ao invés de terem um contrato regular. Um “taxa” ganha cerca de R$ 120 por turno, em Curitiba.

Embora seja permitida pela legislação, este tipo de contratação tem sua finalidade frequentemente desviada. “É bastante comum bares e restaurantes camuflarem esse vínculo de emprego com supostas prestações de serviço autônomas mediante pagamento de taxa. Por exemplo, um garçom que trabalha todo dia ou três vezes por semana num restaurante, e tem que ser ele, não pode ser outro, o dono diz que ele está fazendo taxa para não registrá-lo. Nestes casos é fraude à lei” explica o advogado Ricardo Mendonça.

O modelo de contratação CLT, que foi flexibilizado pela reforma trabalhista implementada no governo de Michel Temer, transformou muitos profissionais em MEI (Microempreendedor individual) que, apesar de terem menos direitos trabalhistas (como férias, FGTS, 13º salário), preferem sobreviver do próprio trabalho sem serem submetidos a hierarquias e dias e horários fixos nos estabelecimentos.

“Muita gente está abandonando aquele glamour de trabalhar em restaurante noturno e indo para um trabalho diurno, por exemplo, num bufê, ganhando menos, mas deixando a noite só para complementar a renda, ganhando melhor fazendo taxa”, explica um professor de uma escola de gastronomia de Curitiba, que pediu para não ser identificado.

Além da escassez, empresários do setor reclamam da qualidade da mão de obra, com frequência considerada pouco qualificada. Cursos na área, contudo, requerem investimentos elevados num cenário em que profissionais do setor, além de não terem reajustes reais, têm seus salários corroídos pela inflação há anos.

Os cursos de diferentes áreas da gastronomia (panificação, confeitaria, chef de cozinha, entre outras) custam de R$ 8 mil a R$ 30 mil no Centro Europeu, em Curitiba. No Senac-PR, o curso de tecnologia em gastronomia, com duração de dois anos, custa R$ 29.400.

Quem quiser aprender a fazer pão na filial curitibana de uma das escolas de panificação mais renomadas do mundo, o San Francisco Baking Institute, tem que desembolsar R$ 4.800 para o curso básico de cinco dias de duração e o mesmo valor caso queira se especializar no módulo avançado, que também tem cinco dias integrais de duração.

E se o Centro Europeu, que forma anualmente 600 alunos em média, diz que a demanda continua aquecida devido ao crescimento do segmento da alimentação, que projeta para 2022 aumento de aproximadamente 18%, a Abrasel tem dificuldades em fechar turmas apesar de oferecer cursos gratuitos com emprego garantido.

“A gente sentiu uma baixa bem significativa de alunos que buscam cursos profissionalizantes de cozinheiro. As faculdades de gastronomia a gente não considera como uma busca por quem realmente quer entrar no mercado: o perfil é de pessoas mais idosas ou jovens que meio que não sabem o que fazer da vida e estão na empolgação do MasterChef e que quando entram no mercado desanimam e vão fazer outra coisa”, diz o mesmo professor de gastronomia, sob condição de anonimato.

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5 comentários em “Donos de restaurantes reclamam da falta de mão de obra, mas salários estão defasados”

  1. Rodrigo Jagochitz

    Sou cozinheiro chefe de cozinha
    Hoje em 2023 vejo um grande desafio para os profissionais
    Chega ser até humilhante ver um anúncio destas empresas terceirizadas que cada ano que passa desvaloriza a classe da gastronomia
    Somos um gigante adormecido
    E devemos ser unidos

  2. _engraçado a reclamação do setor, pois se exige mão de obra qualificada, precisa investir nela, seja pagando uma remuneração adequada às necesidades, mas ao mesmo tempo não investe na constante atualização destes profissionais e até mesmo no próprio negócio.

  3. É isso mesmo. Sempre foi assim. Mesmo nos restaurantes estrelados das estrelas da tv, os estagiários e demais funcionários são explorados, sempre com a conivência da Lei, q aprova esse esquema de apenas uma folga na semana e um final de semana por mês. Não querem liberalismo e livre demanda? Sei que ra nem todos os negócios é fácil, mas se querem funcionários dedicados precisam no mínimo garantir condições de trabalho decentes.

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