Imersão em Van Gogh? Que nada, isso é só um circo “instagramável”

A exposição pouco tem a ver com o artista. É muito mais um circo do que uma mostra do que ele fez

Aí a gente foi à exposição com o nome do Artista. Pagamos caro, teve muita espera, criamos uma expectativa enorme.

Ok, chegamos ao shopping, esse templo da cultura. Fila para validar o ingresso comprado na Internet, fila para o elevador, enfim.

Paredes plotadas na entrada. Incrível, pensei, gastaram aqui com a decoração, hein. Maravilha, vamos entrar.

Havia um corredor, na entrada, chamado “corredor instagramável”. Ali, as pessoas tiravam fotos e faziam vídeos na frente daquelas plotagens temáticas. A gente se olhou, deu de ombros e chegamos a comentar “eu acho que há gosto para tudo”, citando um antigo desenho animado que, felizmente, não passa mais.

A gente comentou que as próximas paredes também eram plotadas e muito bonitas. Havia, nelas, uma lista de músicas e ambientes. Eu cheguei a pensar que essa tinta colorida sai fácil da pilotagem, mas quem iria querer encostar nisso, certo? Bonito, bonito.

Em seguida, flashes da vida do artista estavam embaralhados em colunas plotadas (claro), e você precisava ficar se acotovelando com outras pessoas que, irritadas, reclamavam com cara feia pelo fato de você estar ali, parado, lendo o que estava escrito, atrapalhando a passagem.

Ainda lembro que a gente interpretou aquilo como uma metáfora da vida conturbada do artista. Se foi isso, foi bem pensado, porque, afinal, quem não gosta de cronologia embaralhada, não é mesmo?

Próxima sala: um galpão (nesse aqui, a plotagem ia do piso até do teto, muito alto). Ali havia o que, umas duas centenas de pessoas, talvez. Difícil dizer, estavam todos meio embaralhados, uma parte em pé, uma parte sentada no chão, uma parte andando a esmo, mas a maioria tirando fotos e fazendo vídeos. Quatro paredes pequenas formavam uma super coluna (plotada) no meio do galpão, impedindo ver que… era um galpão.

Essa sala era realmente uma maravilha tecnológica. Uma tecnologia chamada DATA SHOW, ao que parece, tinha o objetivo de criar tanta poluição visual que deixaria as pessoas desorientadas a respeito de onde estavam, do que era exibido, do que era Instagram e do que era Twitter.

O som era péssimo, pouco se entendia do que se falou em um dado momento. Tocaram muitas músicas, sem qualquer referência. Foram projetadas construções artísticas feitas por alguém (não sabemos quem) usando elementos de algumas obras do Artista, e de alguns outros. Nenhuma informação sistemática. Nenhuma legenda maior do que os nomes de algumas obras (desconstruídas – eram obras de outros artistas, claro, mas isso importa?).

E aquele espetáculo de imersão na obra desse (s) artista (s) desconhecido (s) que se apropriou (aram) a seu bel prazer de elementos da estética das obras do Artista não chegou a terminar. Quando percebemos que ele recomeçou (uma moça que dançava balé enquanto outra a filmava, permeada pelo DATA SHOW nem se deu conta e continuou sua dança – a coisa mais original da noite).

Voltamos para a sala dos nomes das músicas, porque uma delas me fez lembrar de um jogo eletrônico dos anos 90, e vou pesquisar sobre isso (provavelmente para descobrir de onde a tal música do tal jogo foi descaradamente copiada).

A cópia é o tema da exposição. Uma coisa bem desonesta mesmo, você ficar vendo animações feitas por alguém que não recebe o crédito ali, na hora. Você ir a uma exposição com o nome do Artista, com obras de outros artistas (digitais e contemporâneos) anônimos. É praticamente uma exposição com o nome do Artista, sem obras do Artista que você possa apreciar. Podiam ser reproduções, a gente sabe que não mora em Nova Iorque.

O evento poderia se chamar “local plotado inspirado no Artista, para você fazer fotos instagramáveis”. Seria mais honesto. Levamos dali uma memória física do quanto é doloroso ficar sentado no chão, sem apoiar as costas (como uma solícita funcionária nos lembrou, ao pedir que desencostássemos da parede plotada), pagando caro e não aprendendo, rigorosamente, nada.

A não ser que é desnecessário criticar o corredor instagramável, o espetáculo DATA SHOW, o balé no galpão e o chão duro e frio. É mais produtivo ir pra casa e voltar aos livros, artigos, teses e dissertações. Quem quer aprender (e ensinar), que aprenda.

Quem quer tirar fotos legais, que tire, ué. Mas botar o nome do Artista nesse circo (com todo o respeito e admiração pela arte circense!), isso eu acho desonesto. Podia falar que é um circo, vender pipoca e colocar bancos, almofadas, textos…

Aí a gente não teria ido. Então é isso: inventaram um circo ao qual você vai sem saber que é um circo, no qual nem imagino quem sejam os palhaços… mas tudo bem, ninguém está rindo mesmo. A não ser quem vende os ingressos pra isso.

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