Tem criança na sala de concerto

Meu desejo é que tenhamos concertos para crianças todos os meses, repertório não vai faltar

Fui uma criança que não ia com frequência a concertos. Mas as vezes que fui me marcaram, especialmente quanto ao repertório. Lembro com clareza do meu encantamento ao conhecer A bela adormecida de Tchaikovsky, Ma mère l’oye de Ravel e Pedro e o lobo de Prokofiev.

Foi só depois dos meus 16 anos que os concertos viraram rotina. Eu já estava decidida a estudar música, então comecei a frequentar o máximo de concertos que eu conseguia. Procurei entender a etiqueta do evento, o momento das palmas, a roupa considerada adequada e todos os outros costumes ao redor da ocasião musical. E então, comecei a observar uma situação curiosa: uma quantidade enorme de músicas sinfônicas tem inspiração na literatura infantil, mas crianças são escassas nos concertos.

O ambiente da música de concerto reserva uma austeridade no que diz respeito ao silêncio na plateia. Todo pequeno som ganha proporções imensas nos ouvidos atentos. É preferível evitar se mexer, tossir, espirrar, falar. Tentar acender uma luz para ler o programa ou bater palma entre movimentos são gafes. O melhor é que você se controle e tenha apenas os ouvidos funcionando. 

Por todo esse controle comportamental requisitado, adultos preferem não levar crianças aos concertos. E, quando levam, estão dispostos a encarar olhares desaprovadores, caso a criança chore, precise ir ao banheiro ou tenha qualquer outra necessidade. É como se nenhum outro som pudesse existir, apenas a música. Mas então, chega outubro e muitas programações infantis acontecem.

Felizmente há esse período do ano em que concertos se tornam lúdicos, acessíveis e educativos, mesmo que todo concerto tenha esse potencial. A música sempre esteve conectada à contação de histórias e a uma magia que altera o estado neutro da existência. Mas, na sala de concertos os encantamentos precisam ser contidos, educados, civilizados, moralizados e adultos. Perdemos a possibilidade de fantasiar fisicamente. 

Com isso não estou dizendo que os concertos deveriam virar festas, mas acho que alguns concertos poderiam. Desritualizar o concerto aproximaria não só as crianças, mas várias outras pessoas que acham essa prática formal demais.

O que quero dizer é: talvez valesse a pena variar o modus operandi do fazer musical. Possibilitar outros formatos, outros espaços, outras vestimentas, outras temporalidades, para acessar outras pessoas.

Agradeço às crianças por ainda aguçarem a criatividade dos corpos artísticos da música de concerto e nos mostrarem que há muita diversão nesse musicar. Meu desejo é que tenhamos concertos para crianças todos os meses, repertório não vai faltar!

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