Esta semana estive acompanhando o processo de ensaio da Camerata Antiqua de Curitiba, que está trabalhando intensamente para o concerto de encerramento da 39ª Oficina de Música da cidade. Conduzida, neste programa, pelo maestro Abel Rocha, a orquestra está desenvolvendo um repertório que dialoga com o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, trazendo ao repertório obras dos brasileiros Roberto Macedo, Henrique Oswald e André Mehmari.
Para mim é uma alegria acompanhar a construção de obras brasileiras. Nos séculos XVII, XVIII e XVX o continente europeu desenvolveu e aperfeiçoou a escrita musical. Então, criou-se uma tradição de como escrever, tocar e ouvir essa música, que hoje entendemos como clássica, mas que em sua época era contemporânea e inovadora.
As tradições demandam tempo, repetição e afirmação social. É preciso que um coletivo de pessoas considere algo importante para que isso se torne tradicional e seja cultivado por seu povo. Ver um concerto tão cheio de música feita por brasileiros me faz perceber que nossa tradição de música de concerto ainda está em criação. Torná-la frequente nos programas reforça esse processo de afirmação de música para orquestra que é pensada, tocada e ouvida por nós. E tocar uma música que tenha um sentido coletivo é muito importante.
Essa música, que podemos chamar de nossa, conta uma história de diversidade. Não é de hoje que a música de concerto se dispõe a documentar de alguma forma algo que é tradicionalmente popular. Diversos são os compositores que emprestam de suas culturas melodias folclóricas e as registram e criam a partir desse patrimônio imaterial.
Música muito antes de ser escrita é cantada e tocada, e escrevê-la é uma tentativa de passá-la adiante, registrá-la fisicamente, o papel pautado foi uma tecnologia inovadora e nos faz útil até hoje quando queremos tocar uma nova peça escrita formalmente.
Hoje, 9 de julho de 2022, às 19h na Capela Santa Maria, teremos a estreia mundial de uma peça encomendada para este concerto. Uma obra composta por Mehmari especialmente para a ocasião, que registra a mistura de ideias que o modernismo nos trouxe 100 anos atrás e que transforma em música essa história de diversidade cultural que vivemos. Se te despertou curiosidade, apareça por lá!
Sobre o/a autor/a
Ingrid Stein Fernández
Latina, feminista e musicista. Atua como regente e compositora e atualmente é mestranda em música. Se reconhece no ensaio dos sons, das palavras e dos gestos.