Sistema de Justiça pelos Direitos Humanos

Somos juízes, juízas, defensores e defensoras públicas, promotores e promotoras que acreditamos que é preciso lutar pelo direitos humanos e debater esse tema com a sociedade

Num país marcado pelas desigualdades e pela invisibilidade histórica de diversos grupos de indivíduos, falar sobre direitos humanos soa como um (necessário) desafio. É certo que muitas conquistas podem ser observadas na marcha rumo à consolidação dos direitos humanos. Todavia, na contramão desse caminhar, o tema é ainda objeto de constante disputa jurídica, política e ideológica, abrindo espaço para a propagação de discursos de ódio, medo e desinformação, que, na era da internet, ganham dimensões ainda mais preocupantes.

Diante desse cenário, é preciso sair do lugar. Falar. Tomar posição. Desmistificar e popularizar os direitos humanos através da criação de pontes de diálogo, e não de muros de soberba. Desconstruir estigmas, elucidar equívocos e desmascarar manipulações por meio da educação e da conscientização histórica. Já diria Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a realidade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Nessa luta constante, dentre tantas frentes necessárias e urgentes, é fundamental que o sistema de justiça também assuma sua trincheira na contramão do retrocesso. A falta de uma cultura de direitos humanos consolidada também reflete nesses espaços e tem como resultado a naturalização de um cenário de violação institucionalizada de direitos de grupos historicamente vulnerabilizados, devendo assim ser combatida por aqueles a quem é delegado o dever de fazer valer a Constituição Federal.

A propósito, o texto constitucional é inaugurado, em seu artigo 1º, com a previsão da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, não fazendo qualquer tipo de distinção entre indivíduos. Noutras palavras, a dignidade não depende de ato de terceiro, não é dada ou ofertada, mas característica intrínseca do ser, sendo tarefa máxima dos órgãos que compõem o sistema de justiça garantir sua prevalência.

Feita essa introdução, escrevemos este texto para dizer que foi a partir da constatação de que os atores do sistema de justiça devem reconhecer sua responsabilidade perante as rotineiras e sistemáticas violações de direitos humanos no Brasil e, a partir disso, situarem-se como defensores intransigentes da Constituição Federal para além da atuação profissional, que nasceu a ideia da coluna. Somos magistrados/as, defensores/as e promotores/as do Paraná com a finalidade de partilhar, de forma acessível e distante do linguajar formal e técnico, nossas visões, inquietações e aspirações em torno dos direitos humanos.

Há no meio jurídico uma equivocada noção de que aqueles que atuam no sistema de justiça não devem se posicionar diante de temas “polêmicos”, preservando uma espécie de isenção ou neutralidade para não prejudicar a atuação profissional em casos concretos. Todavia, em tempos de propagação de discursos que propõem o desmonte de conquistas civilizatórias da sociedade brasileira, emerge como cada vez mais necessária a iniciativa daqueles que têm justamente o dever institucional e constitucional de impedir esse retrocesso.

É preciso, assim, desconstruir narrativas que pregam a temática dos direitos humanos de forma pejorativa, propondo que seriam destinados apenas à proteção de “bandidos”. Bordões como “direitos dos manos”, “direitos humanos para humanos direitos” ou “bandido bom é bandido morto” ignoram que direitos humanos são os direitos básicos de todos os seres humanos, como, simplesmente, o direito à vida, à moradia, à saúde, ao trabalho digno, à liberdade, à educação e ao meio ambiente equilibrado. A democracia só se consolida quando o cidadão tem seus direitos resguardados; a ausência desses direitos afeta a todos, não fazendo sentido almejá-la.

Mais que isso, supor que a sociedade seria dividida entre “cidadãos de bem” e “bandidos”, e que somente os primeiros deveriam ser titulares de direitos, atenta contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 no contexto histórico das Grandes Guerras e das atrocidades observadas no período, como o Holocausto do povo judeu e as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Segundo a Declaração, todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, deles tendo capacidade de gozar sem distinção de raça, cor, gênero, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Assim, buscando contribuir para o debate público e a consolidação de uma educação em direitos humanos, estreamos com muita alegria esta coluna no Plural. Com textos semanais sobre os mais diversos temas do nosso cotidiano, procuramos criar um espaço democrático de troca, diálogo e fortalecimento da cidadania.

Entendemos, ainda, muito saudável a aproximação daqueles que fazem parte do sistema de justiça das discussões que permeiam a sociedade, desconstruindo a concepção (muitas vezes verdadeira) de que vivem trancafiados em seus gabinetes, alheios à realidade e problemas da comunidade. Queremos um espaço para furarmos a bolha, um ambiente de tolerância e sobretudo de aprendizado, onde apenas uma regra será seguida: a do respeito incondicional aos direitos humanos.

Fica aqui o agradecimento ao Plural pelo espaço e o convite à leitura das nossas publicações. Este é o início de um projeto coletivo que envolve muita autocrítica e reflexão, mas também muito idealismo e esperança. Citando mais uma vez Paulo Freire, “Enquanto eu luto, sou movido pela esperança; e se eu lutar com esperança, posso esperar”.

Sigamos lutando com os pés no chão sem perder a esperança.

Até o próximo texto!

Ana Carolina Bartolamei Ramos, Juíza de Direito
Ana Caroline Monteiro de Moraes, Promotora de Justiça
Antônio Vitor Barbosa de Almeida, Defensor Púbico
Diego Paolo Barausse, Juiz de Direito
Fernanda Orsomarzo, Juíza de Direito
Fernando Antônio Prazeres, Desembargador
Franciele Pereira do Nascimento, Juíza de Direito
Henrique Camargo Cardoso, Defensor Público
Rafael Machado Moura, Promotor de Justiça

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