Athena traz tragédia grega para o cinema social

Filme de Romain Gavras, filho do célebre Costa-Gavras, espetaculariza conflitos sociais como denúncia acerca das violências presentes na França e no mundo de hoje.

Desde a Revolução Francesa, passando por Maio de 68, os grandes protestos que acontecem na França são conhecidos por serem violentos. Há anos que, por exemplo, virou tradição queimar carros no país, obrigando o poder público a deslocar mais e mais policiais em datas específicas.

Paris possui uma grande periferia tomada por conjuntos habitacionais e por uma população majotariamente empobrecida. Vira e mexe a região é tema de algum filme, vide O Ódio (1995), de Mathieu Kassovitz, ou Os Miseráveis (2019), de Ladj Ly. É notório que há uma tensão crescente entre essa população e o símbolo Cidade Luz, com suas lojas caras, seus turistas de todo o mundo e sua culinária chique. Athena é mais um desses filmes, mas, ao mesmo tempo, é um tipo de obra nunca vista antes dado a sua espetacularidade.

Athena foi dirigido por Romain Gavras (ele é filho de Costa-Gravas, conhecido autor político de longas como Z e O Corte) e conta a história de uma grande revolta em um fictício condomínio periférico de Paris. A polícia é acusado de ter matado uma criança e antes mesmo que sejam apuradas as evidências, o rastilho de pólvora é aceso com um coquetel molotov dentro de uma delegacia.

Os quinze primeiro minutos de Athena estarão marcados para sempre como uma das aberturas mais impressionantes da história do cinema. É uma grande cena de ação em que a câmera – em um aparente plano sequência – atravessa multidões em conflito, entra em corredores incendiados, toma carona em uma moto e em uma van e ainda sobrevoa as ruas por onde o conflito se estende.

Cenas hiperbólicas de ação são algo cada vez mais corriqueiro no cinema industrial, mas tem algo no novo filme de Romain Gavras, algo na sua textura, que coloca o espectador em um lugar antes não experimentado. Talvez porque toda a peripécia técnica ali mostrada, não envolve computação gráfica, ao menos não telas verdes e efeitos mais pesados. Talvez também porque o drama apresentado é mais palpável para o público do que os tantos heróis que pululam nas telas de Hollywood. Lembra um tanto o outro espetacular e clássico Soy Cuba, dirigido pelo soviético Mikhail Kalatozov, ainda em 1964, sobre a revolução cubana.

A protagonização do filme é dividida pelos três irmãos mais velhos da vítima: um adolescente, que é o líder da revolta, um soldado da polícia e um traficante de drogas. Athena é o conjunto habitacional onde os revoltosos se abrigam e enfrentam a polícia. Como a corporação está sendo acusada de um assassinato, eles estão temerosos com a escalada de violência. Pelo outro lado, os jovens vão se tornando cada vez mais agressivos.

O título e a estrutura do filme logo deixam claro que se trata de uma tragédia, algo nos moldes gregos, tal qual os mitos que o cineasta passou a infância ouvindo da boca de seus pais. As tragédias gregas envolvem a morte de famílias inteiras, geralmente por ousarem enfrentar os deuses ou o destino que lhes foi assegurado, basta olhar para a história de Édipo Rei.

Athena é um filme de tensão constante, construído para colar os olhos do público na tela e, com isso, sensibilizá-lo para as questões sociais apresentadas. De quebra faz uma radiografia de nossas democracias ocidentais, com seus grupos extremistas e com a violência que emerge ou pode emergir das redes sociais. Hoje vivemos em uma corda bamba entre a barbárie e a civilidade. Isso acontece na França, nos Estados Unidos e no Brasil, bem sabemos.

Disponível para assinantes na Netflix.
Athena – FIC, COR, 99min.

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