E se houvesse um teleférico no Pico Paraná?

Vista noturna do Pico Paraná. Foto: André Tezza

Nesta semana, depois de 25 anos, voltei a acampar. Aluguei equipamentos de camping (há um excelente artigo da Rosiane Freitas, aqui no Plural, sobre as empresas que prestam o serviço em Curitiba) e parti para a Serra do Ibitiraquiri, onde fica o ponto culminante do sul do Brasil, o Pico Paraná, com 1.877 metros.

Acampei sozinho no Pico Caratuva, 1.860 metros, segunda maior montanha do sul, com uma vista espetacular do Pico Paraná, e que demanda uma escalaminhada que pode durar mais de quatro horas. Eu estava pesado, levando além do material de camping, vários equipamentos de fotografia. Demorei seis horas para chegar no cume, um tempo ruim, mas considerando minha idade (estou próximo dos 50 anos) e o peso da mochila, estava dentro das minhas expectativas.

A experiência foi deslumbrante. Ficar sozinho sob um céu estrelado, somente ouvindo os barulhos da natureza, não é algo trivial no nosso mundo. É um encontro consigo mesmo – uma forma de despressurização que sempre me fez gostar de ir para o mato.

Mas é também uma atividade de exaustão. Mesmo estando bem condicionado, cheguei ao cume próximo do meu limite físico. Ainda que tecnicamente o Caratuva não exija nada complicado, não é difícil se perder na trilha – eu mesmo já me perdi algumas vezes nas trilhas da Mata Atlântica. A subida durante muitas horas entre galhos, raízes e barro também vai fazer com que você provavelmente chegue imundo ao cume. E o cume não tem nenhuma estrutura – não há um refúgio, um ponto de água ou um banheiro. O sinal de celular é bem fraco e funciona de modo imprevisível em um cantinho muito específico. A serra do Ibitiraquiri fica no Parque Estadual Pico Paraná – mas, apesar de ser um parque, a infraestrutura disponível é quase zero.

Em resumo, a atividade nas montanhas brasileiras é uma atividade para poucos. É preciso preparo físico e mental, levar equipamentos que não são baratos e ter o gosto pelo mato e pela aventura – gosto que a grande maioria das pessoas não tem. Eu estava em um dos lugares mais extraordinários do Brasil – mas completamente sozinho. Será justo isso?

Na minha juventude, eu responderia que sim – para preservar, é preciso deixar o acesso difícil ou negá-lo. É um argumento parecido, por exemplo, que justifica impedir o asfaltamento até Guaraqueçaba. Mas descobri que este argumento tem um problema: o resto do mundo funciona de outro modo. Hoje estou convencido de que a solução precisa ser diferente.



Dolomitas, região dos alpes italianos que é Patrimônio Mundial da Unesco

No século XIX, quando os Parques Nacionais foram inventados nos Estados Unidos, havia dois objetivos muito claros. Um objetivo, sim, era a preservação. A ideia era impedir que santuários ecológicos fossem destruídos pela urbanização e pela industrialização. Mas havia também um outro objetivo: o parque era, como o próprio nome diz, um parque público, um lugar de visitação. E isto significa providenciar uma infraestrutura mínima para que a visita seja possível.

Hoje, quem visita um Parque Nacional nos Estados Unidos conta com uma infraestrutura que não tem paralelo com os parques brasileiros. Há áreas de camping, de hotelaria, locais de comércio e asfalto – tudo planejado com a preocupação da sustentabilidade, procurando resolver o delicado equilíbrio entre o turismo e a preservação. Sim, é um equilíbrio difícil, mas antes a busca deste equilíbrio do que simplesmente impossibilitar que as pessoas possam desfrutar do encontro com a natureza. Até porque este encontro facilita, e muito, convencer a população de que a preservação é importante.

Para não ficar somente em exemplos americanos, chilenos e argentinos também buscam este equilíbrio. Quem visita os parques da Patagônia terá opções distintas de visitação – há desde hotéis de luxo até os acampamentos nas trilhas de trekkings. Mas o trekking é muito mais bem servido do que aqui: há refúgios, sinalização e informação melhores, áreas de camping com infraestrutura para banho e cozinha.

Na Europa, a região dos Alpes pode ser uma região de escalada – aliás, esta é a origem da palavra alpinismo. Mas é também uma região de uma cultura própria, que nunca negou o turismo. Nas Dolomitas, alpes italianos que fazem parte do Patrimônio Mundial da Unesco, é possível conhecer as montanhas escalando. Mas é também possível subir de teleférico – há tantos teleféricos por lá que você pode até comprar um passe universal de vários dias. No alto das montanhas costuma ter refúgios, restaurantes e banheiros. E então acontece algo que é inimaginável nas montanhas brasileiras: as Dolomitas permitem a inclusão. Casais com carrinhos de bebê, crianças, gente com dificuldades de locomoção, pessoas mais idosas, o povo urbano que não gosta de aventura – todos podem contemplar o espetáculo de um dos lugares mais extraordinários do mundo.

Se eu estivesse na minha juventude e lesse este texto, provavelmente eu iria cancelar o autor. Hoje, cada vez mais tenho desconfiança de planos para o mundo que partam do princípio em que a única solução é odiar a humanidade.

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