Rumo ao Alasca em um motorhome

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Por que eu comprei um motorhome nos Estados Unidos para ir até a Patagônia

A partir desta semana, a coluna muda de ares e de endereço. Estou em Phoenix, Arizona, e começo agora uma jornada que deve durar cerca de um ano. Comprei um motorhome nos Estados Unidos e pretendo viajar até o Alasca nos próximos meses. Depois, se tudo der certo, a viagem continua até a Patagônia.

Se antes a coluna tinha pretensões, digamos, mais ensaísticas, agora a ideia é relatar as histórias que vão acontecer nos próximos milhares de quilômetros. Montaigne vai continuar no banco de passageiro, mas mais quieto.

A ideia é de longa data – faz mais de uma década que sonhava com este projeto. Em parte, minha saída da vida acadêmica no ano passado era uma etapa necessária das muitas decisões que precisei tomar para que a jornada fosse possível. Houve também uma série de circunstâncias que facilitou a viabilidade econômica do que estou fazendo: algumas de muita sorte, outras de trabalho duro, outras que eu devo à Fran – minha companheira.

Posso dizer que tirei um “ano sabático”. Mas eu fico um tanto quanto constrangido em dizer que estou nesta história de “ano sabático”, porque sei bem que é uma situação de enorme privilégio. Venho de classe média, fui educado para o trabalho, tenho consciência das desigualdades do país – poder renunciar um emprego regular, na minha cabeça e nas minhas culpas, simplesmente parece algo errado.

Por outro lado, a ideia é que não seja exatamente um ano de férias. Quero aproveitar a viagem para fotografar – e a fotografia é o trabalho que pretendo seguir pelos próximos anos. Mas aviso desde já: não desejo virar influencer. Não vou montar canal do YouTube. Não vou listar dicas de lugares. Não vou postar freneticamente nas redes sociais. Nesta seara, a Internet já tem conteúdo de sobra, com gente mais talentosa do que eu. Mais importante do que isso: para a minha idade e o meu espírito – tímido e reservado – tentar virar influencer seria algo que seguramente iria arruinar a minha saúde mental. A viagem será contada com calma aqui no Plural. Algumas fotos e vídeos vou postar na minha conta do Instagram, você pode me seguir por lá também: @andretezzaconsentino

Motorhome

Mas vamos ao ponto: por que comprei um motorhome nos Estados Unidos? Não seria mais simples comprar no Brasil e ir até o Alasca, como fazem muitos aventureiros com canais no YouTube? Este também era o meu plano inicial. No segundo semestre de 2020, eu fiz a encomenda de um camper. Para quem não é habituado com o campismo, camper é uma espécie de motorhome portátil que é encaixado na caçamba de uma caminhonete. Parece um equipamento de improviso, mas há campers, como aquele que eu havia encomendado, com bastante conforto: energia elétrica, geladeira, banheiro com chuveiro e água quente, cama de casal e cozinha completa.

A entrega estava prevista para o final de 2020. Porém, com a pandemia, o construtor começou a alegar uma série de dificuldades: falta de peças, falta de mão de obra, aumento exponencial da demanda. Claro que inicialmente fui sensível ao problema e esperei para que a situação pudesse se normalizar. Enquanto eu esperava com gentileza, outros compradores ameaçavam entrar na justiça e conseguiam o equipamento.

Eu aguardei o camper com paciência durante dois longos anos. Neste tempo, perdi o planejamento das minhas férias, comprei em vão uma caminhonete e investi um valor considerável em pneus mais robustos para aguentar o peso do camper. Em uma fila que havia sido organizada por compradores, fiquei sabendo de mais de 50 pessoas que assinaram o contrato de compra depois de mim receberam o equipamento antes. Eu tentei ser gente boa – enquanto isso, aqueles que falavam mais grosso conseguiam o camper.

Após dois anos, desisti da compra e exigi o dinheiro que já havia investido – 2/3 do total. O fabricante alegou que não tinha o dinheiro em caixa. Foi o maior calote que já tomei na vida e só me restou entrar na justiça. A primeira audiência, a de conciliação, aconteceu algumas semanas atrás – e o fabricante não deu as caras. Como o processo ainda está na justiça – e deve durar ainda alguns anos -, acho prudente não divulgar o nome da empresa neste momento.

Ao longo de todo este traumático processo, aprendi algumas lições. A primeira e a mais importante: o que aconteceu comigo não é um caso isolado. Não quero ser injusto: sim, existem fabricantes de motorhome no país que são sérios, cumprem prazo e entregam produtos de qualidade. Mas não há muitos deles no mercado e os produtos e serviços de excelência normalmente não são baratos.

O que acontece no mercado de campismo é muito parecido com o que acontece, grosso modo, com a construção civil. Sabe aquele pesadelo que é construir ou reformar no Brasil? Os problemas no campismo são parecidos: incapacidade de fazer um orçamento detalhado, mão de obra desqualificada, incapacidade de cumprir prazos – em resumo, um grande improviso de gestão. Não sei quantificar qual o percentual das empresas que trabalha sem profissionalismo, mas, conversando com muita gente do setor, descobri que esta não é uma situação excepcional.

Outra lição que aprendi: se você quiser feedback do equipamento, tome cuidado com aquilo que os proprietários comentam. A razão é simples: a partir do momento que você é um proprietário, você se torna um fiel defensor da empresa, mesmo que tenha passado por problemas como os que eu passei. Por quê? Caso a empresa vá a falência, duas dificuldades vão acontecer: o equipamento vai se desvalorizar bastante e não será mais possível fazer a manutenção com o próprio fabricante. No grupo de WhatsApp dos proprietários de camper do construtor que levei calote, é expressamente proibido falar mal da empresa e por pouco não fui expulso do grupo simplesmente porque relatava os absurdos que estava passando no processo de espera do equipamento.

O meu motorhome

Vale a pena comprar um motorhome nos Estados Unidos, e eu vou explicar o porquê. Foto: André Tezza

Em 2021, Curitiba sediou a Expomotorhome, maior feira de motorhomes do país, que visitei mais de uma vez. Ali estavam alguns dos melhores fabricantes brasileiros. Mas estavam lá também alguns produtos importados – mesmo para quem não é um especialista no assunto, fica visível que, na média, existe uma diferença brutal de qualidade entre os equipamentos estrangeiros e os nacionais. É natural que isso aconteça: por mais que esteja florescendo novamente no Brasil, nossa indústria não tem nem a tradição nem o know how dos países desenvolvidos, que há décadas investem no segmento. Durante a Expomotorhome, ainda tinha a esperança de receber o meu camper – mas ali já havia percebido que comprar um equipamento estrangeiro não era uma má ideia, inclusive considerando o preço.

Um aspecto que pesou para escolher o produto estrangeiro foi a robustez. Se você tem interesse em um dia comprar o motorhome, preste atenção no custo de manutenção que os proprietários relatam. Assim como uma casa, o motorhome pode ter um design bonito e funcional, mas ser frágil. Cito um mantra que o pessoal do campismo repete à exaustão: motorhome é uma casa que passa por um terremoto todo dia. A qualidade dos materiais que não estão visíveis (elétrica e hidráulica, por exemplo) pode ser determinante para ter ou não muita dor de cabeça. E, finalmente, para quem vai viajar para países frios, é preciso levar em consideração que no Brasil não neva – não existe no país uma expertise para construir um motorhome que aguente temperaturas negativas.

No próximo texto, explico como é o processo de comprar um motorhome nos Estados Unidos e em quais circunstâncias vale muito a pena investir em equipamento estrangeiro.

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