O poder público e suas duas Curitibas

A Curitiba que o prefeito Rafael Greca exalta não é a mesma que eu vejo no dia a dia

O ano de 2024 começou oficialmente nesta segunda-feira com a volta das sessões plenárias na Câmara Municipal de Curitiba. Eu e mais 37 vereadores retomamos as sessões parlamentares em um ano eleitoral, e o que vi na reinauguração dos trabalhos foi a diferença gritante de visão sobre a cidade que existe de verdade.

Existem pelo menos duas Curitibas para descobrir. A primeira delas é comemorada em letras garrafais nos anúncios de jornal de bairro e outdoors espalhados pelas ruas. Já a segunda quase nunca aparece, mas está estampada nos olhos de quem sai do Centro e percorre as ruas periféricas da cidade.

Durante seu discurso na sessão plenária, o Prefeito Rafael Greca (PSD) celebrou a primeira Curitiba, enaltecendo as soluções inovadoras que sua gestão tem promovido. Mas, enquanto eu ouvia o discurso do Prefeito, só conseguia lembrar da segunda Curitiba, refletindo sobre o quanto essas tais soluções sequer chegam para a população preta e periférica da capital.

Enquanto vi comemorarem os sistemas intermodais de transporte coletivo e os 70 novos ônibus elétricos que estão prestes a compor a frota da cidade, só pensava no desafio que temos pela frente para baixar uma das tarifas mais caras do Brasil – e no quanto esses 70 ônibus são provavelmente insuficientes para desafogar o aperto dos trabalhadores que dependem do busão.

Enquanto ouvia elogios pomposos sobre os investimentos na cultura, só pensava na dificuldade dos artistas pretos desta cidade de serem contemplados, e da resistência que os jovens das batalhas de rima enfrentam sobretudo quando são impedidos pela força policial de recitarem sua arte de protesto de forma livre e segura.

Enquanto o Prefeito falava sobre os prismas solares, áreas verdes e usinas fotovoltaicas, como provas cabais da existência de uma cidade sustentável, eu só pensava nas centenas de famílias de catadores de materiais recicláveis, que não têm respeitado seu trabalho como agentes ambientais, sem o qual não existe futuro.

Enquanto elogiavam a primeira Curitiba, que quer oferecer aulas de robótica na rede municipal de ensino, eu só lembrava da fila quilométrica de famílias que aguardam sem sucesso uma vaga na creche – e na falta de apoio que as mães-solo enfrentam para criar seus filhos dentro de seus barracos.

Enquanto os discursos bonitos eram realizados dentro do Plenário, lá fora víamos dezenas de servidores clamando por mais respeito e dignidade nas suas aposentadorias. É só mais um retrato que compõe o cenário da Curitiba real, que ainda têm ambulantes sem direito a trabalhar no Carnaval, uma população em situação de rua cada vez maior e com menos assistência, e alagamentos como os que ocorreram no último fim de semana, que destroem as casas dos mais pobres sempre que uma chuva cai.

Sim, existem pelo menos duas Curitibas. E nesta abertura dos trabalhos oficiais da Câmara, reforço meu compromisso de ocupar esse espaço para lutar pela Curitiba que alguns insistem em não ver.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “O poder público e suas duas Curitibas”

  1. Vereadora, e qual a sua proposta para tantos problemas? Eu vejo muita coisa boa pública funcionando em Curitiba, mas também muito espaço para cooperativas dos catadores e conselhos tutelares ocuparem e se omitirem.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima