Bolsonaro e o fim das universidades federais brasileiras

Os ataques não se resumem à difamação abjeta, absurda e delirante, mas também à própria viabilidade financeira destas instituições

Embora o título deste texto tenha um quê de hiperbólico, de fato, não estamos tão distantes de uma extinção das universidades federais. Talvez não por um decreto isolado, mas sim por uma sucessão de ações orquestradas que bloqueiam e retiram os orçamentos destas instituições. O último golpe foi desferido no calor da eleição em primeiro turno, o governo federal aproveitou a oportunidade e passou mais uma boiada por meio do Decreto 11.216, alterando o Decreto nº 10.961, de 11/02/2022, que se refere à execução do orçamento de 2022. Este ato, sozinho, foi capaz de bloquear 5,8% do orçamento das universidades federais, se traduzindo em perdas que somam R$ 328,5 milhões de reais.

Olhando o panorama orçamentário do ano todo, verifica-se que as perdas para as universidades chegam a R$ 763 milhões, perfazendo um corte de 3 bilhões de reais no Ministério da Educação, pasta mais afetada (política e financeiramente) pelo governo Bolsonarista. Estendendo a análise para o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, pilar para as atividades de pesquisa e formação de recursos humanos, verifica-se ter havido um corte de R$ 1,72 bilhões de reais na pasta. Portanto, considerando que a soma dos bloqueios, em todos os ministérios, foi de R$ 10 bilhões de reais, pode-se concluir que 45% deles (R$ 4,72 bilhões) afetam diretamente as ações de ensino, pesquisa e extensão das universidades federais. 

Frente a este cenário amplamente restritivo e opressor é comum assistirmos pessoas menos simpáticas às universidades públicas, via de regra defensoras ferrenhas de um liberalismo econômico radical, vociferarem que estas instituições deveriam buscar recursos por meios de captação própria, portanto através de convênios com empresas ou por projetos financiados por outras esferas governamentais. Pois bem, as universidades federais já fazem isso com muita frequência e competência, principalmente após a Lei No. 13243/2016 que regulamenta o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, amparando e normatizando estes tipos de parcerias.

Entretanto, todos os cortes sofridos também impõem um igual bloqueio na capacidade de empenho de recursos oriundos destes tipos de captação externa. Isso significa que se uma empresa que possui um convênio de prestação de serviços com uma universidade federal, ao receber pelo serviço prestado, esta universidade não poderá utilizar o recurso recebido, pois não haverá saldo orçamentário disponível para tal, inviabilizando a aquisição de insumos, equipamentos ou pagamento de bolsas referentes àquele convênio. Em suma, impossibilitando a própria continuidade daquela parceria.   

 Em nota publicada em 06 de outubro, o Ministério da Educação chamou a sua ação de “ajuste no limite de empenho”, afirmando que “não prejudicará as atividades das universidades e institutos federais”. Mas o barulho não ficou apenas do lado do governo. A Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), presidida pelo reitor da UFPR (Prof. Ricardo Marcelo Fonseca), prontamente reunião os dirigentes das universidades e institutos federais para rechaçar a manobra originada no Ministério da Economia.

Rapidamente as manifestações de desagravo ao governo ganharam destaque na imprensa, tamanha a incoerência entre o ato de restrição orçamentária face ao discurso eleitoral que apregoa plena recuperação econômica do país. Não é absurdo especular que as ações de antecipação de pagamento do Auxílio Brasil, em outubro, exigiram do governo uma dotação orçamentária a ser obtida por meio do enxugamento de orçamentos de determinados ministérios, no caso em particular, do Ministério da Educação. Portanto, possivelmente a infame ação deva ter sido produto de uma motivação político-eleitoral a ser colhida na forma de votos no segundo turno.

Mas, após toda a comoção social, vista e noticiada, já na sexta-feira (7), o ministro da Educação, Victor Godoy, anunciou o recuo, confirmado no mesmo dia, em edição extra do Diário Oficial da União (No.192-B). Para o governo, que rapidamente voltou atrás, toda a retórica que explica o caso poderá ser facilmente vendida como um factoide. Porém, o desfecho dessa queda de braço deixa absolutamente clara a preocupação eleitoral de um governo que, por hora, tenta não se vincular a com ações pouco populares como é um corte de recursos que tornaria inviável custear, minimamente, o funcionamento das universidades federais.

Entretanto, tamanha “preocupação” não foi, nem de longe, uma constante ao longo destes últimos quatro anos. O que de fato saltou aos nossos olhos, para além dos cortes, foram as ações de detração, menosprezo e ignorância do governo federal para com a natureza e complexidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão conduzidas nas universidades. É concebível que uma parcela da população apresente este nível de desconhecimento e descaso, mas não é tolerável que tal conduta interessadamente negligente se mantenha, ano após ano, ato após ato, como vemos no governo Bolsonaro. 

Fazer ciência no Brasil é uma arte de produzir muito com pouquíssimos recursos, de fato! Prova disso, é que com enorme frequência nossos cientistas tiram dinheiro do próprio bolso para garantirem as condições materiais mínimas aos seus laboratórios, devido a uma escassez absoluta de chamadas públicas, robustas e frequentes, por parte das agências de fomento (federais e estaduais), somado às dificuldades históricas em dispormos de verbas institucionais que deveriam garantir tais condições. Ou seja, a pesquisa neste Brasil “acima de todos”, cada vez mais, é um verdadeiro ato de altruísmo que contrasta, fortemente, com a política de destruição da ciência que se infiltrou nos mais altos escalões responsáveis por zelar por ela.

Para além das consequências destes atos administrativos, é mais flagrante ainda a intenção destrutiva de desacreditação e difamação das mais conhecidas demonstrações sociais da ciência, como é o conhecido caso das vacinas, particularmente contra a COVID-19, que foram, e são, “questionadas” por Bolsonaro e seus fiéis. Sem medo de errar, podemos concluir, por qualquer ângulo de análise, que as universidades federais, e tudo o que elas produzem e representam, estão sob o maior nível de ataque já conhecido.

Estes ataques não se resumem à difamação abjeta, absurda e delirante, mas também à própria viabilidade financeira destas instituições, colocando em risco o futuro de milhões de jovens, de nossa soberania científica e tecnológica e, principalmente,  de nossa existência como nação pensante e independente. Bolsonaro é incompatível com todos os valores de pluralidade, diversidade, questionamento e livre pensamento que são, diariamente, cultivados e exercitados no seio das universidades federais brasileiras. Bolsonaro é incapaz de rever posturas, de refletir ou corrigir suas ações. Portanto, Bolsonaro é incompatível com o Brasil.

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1 comentário em “Bolsonaro e o fim das universidades federais brasileiras”

  1. Fernando W Mendonca

    Infelizmente é a mesma lógica colocada pelo Governo do Paraná. Estancar até a gangrena.
    O tempo cobrará tamanha irresponsabilidade dos governantes.

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