Setembro amarelo: tratamento com canabidiol é cada vez mais procurado por curitibanos

Uso da cannabis medicinal ainda precisa de autorização da Anvisa, até mesmo para tratar maior parte das doenças ligadas a suicídios

Enquanto o Projeto de Lei que poderia facilitar o acesso às terapias à base de cannabis medicinal não é votado na Assembleia Legislativa do Paraná, pessoas em todo o estado continuam recorrendo à Justiça para ter os tratamentos custeados pelo governo. E aqueles que têm recursos bancam as terapias em clínicas especializadas. O tema volta a chamar a atenção devido ao “Setembro Amarelo”, campanha anti-estigma iniciada 2014 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), cujo lema deste ano é “A vida é a melhor escolha!”.

De acordo com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que divulgou em setembro do ano passado o Boletim Epidemiológico nº 33, “entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para 13.523 em 2019. Análise das taxas de mortalidade ajustadas no período demonstrou aumento do risco de morte por suicídio em todas as regiões do Brasil”, disse o boletim.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), apontam que mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente, em todo o mundo, sendo a quarta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos. A OMS também aponta que uma em cada 100 mortes é causada por suicídio. No Brasil, a cada 42 minutos, uma pessoa põe fim à própria vida. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, 96,8% desses casos estão associados a um histórico de doenças mentais tratáveis com métodos humanizados, redes de apoio, mais informações sobre tratamentos indicados e sobre os sinais de alertas. Se os números de suicídios – em que as pessoas conseguem dar fim à vida assustam, a quantidade de tentativas é ainda maior, chegando a cerca de 10 vezes mais.

Caminho da desmistificação

Além da medicina tradicional, e das terapias regulamentadas para o tratamento de distúrbios mentais, uma das vertentes que vem crescendo e acumulando decisões favoráveis na Justiça é o uso da cannabis medicinal, em função de um dos seus componentes, o canabidiol (CBD). Em Curitiba, para a médica Marina Montibeller, da Clínica Gravital, rede de clínicas focada em cannabis medicinal, o transtorno mental é um fator de risco que pode passar despercebido pelas famílias, sendo identificado, muitas vezes, por meio da tentativa de suicídio.

“É preciso fortalecer as campanhas de prevenção ao suicídio como a identificação dos fatores de risco e mitigação de tabus, dessa forma é possível fazer intervenções prévias. O estabelecimento de ações adequadas psicoeducam e facilitam o acesso ao tratamento de transtornos mentais, estes identificáveis por estudos em grande parte dos suicídios consumados. Ferramentas de apoio que ajudem as pessoas próximas a identificar comportamentos – lembrando que nem sempre é fácil reconhecer os sintomas, devem ser a prioridade. A discussão e quebra de tabu também é de suma importância para que exista possibilidade de sucesso no tratamento. Intervenções sociais, terapêuticas e medicamentosas são usadas e influenciam no desfecho a médio e longo prazo”, disse a médica que gerencia a unidade curitibana desde a inauguração, em maio do ano passado.

Acesso judicial x custos

Não existe a informação sobre número de total de ações ajuizadas contra o Estado do Paraná com solicitação para o fornecimento de medicamentos à base de cannabis. Mas os processos deferidos encaminhados ao Cemepar pela Procuradoria de Saúde/Procuradoria Geral do Estado (PRS/PGE) dão conta que, de 1º de janeiro de 2017 a 16 de agosto de 2021, foram cadastrados 196 novos pacientes que ganharam na justiça o direito de receber do estado os medicamentos à base de cannabis.

“Considerando apenas as aquisições realizadas pelo Cemepar para o cumprimento destas ações, foram gastos R$ 3.443.426,43, nesse período”, detalhou o documento. O valor não inclui as quantias despendidas com sequestros judiciais, realizadas para cumprimento dos prazos processuais, quando há determinação para o fornecimento de produtos importados, devido a normas específicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA/MS), como apresentação de receituário atualizado e autorização nominal para importação, informação que só poderia ser fornecida pelo Fundo Estadual de Saúde.

Já na clínica particular, o atendimento é uma consulta médica tradicional. “O médico entende o histórico do paciente, sua queixa principal, sua eventual medicação em uso e outros aspectos importantes para determinar sua conduta. A consulta tem duração de 1h e o preço é de R$ 500,00. Com a prescrição médica, é solicitado à Anvisa uma autorização para importar o produto à base de cannabis. Essa autorização costuma sair no mesmo dia do pedido. O processo de importação demora entre 25 e 30 dias. O custo mensal com o produto, que é adquirido de fornecedores homologados pela Gravital, fica em torno de R$250 a R$350. A Gravital conta com uma central de atendimento no qual auxilia os pacientes com todas as dúvidas, antes, durante e depois do início do tratamento”, detalhou Marina Montibeller.

A médica também explicou que a rede conta com diversas especialidades como psiquiatria, neurologia, clínica geral, geriatria, endocrinologia, otorrinolaringologia e nutrólogo. Além de Curitiba, as consultas presenciais podem ser realizadas nas unidades do Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Sorocaba (SP, Natal (RN), Porto Alegre (RS) e Itajaí (SC), ou por meio da telemedicina.

“A clínica, como qualquer outra clínica legalizada, obtém as autorizações junto às prefeituras locais e perante os conselhos regionais de medicina. De modo geral, quem procura atendimento já tem um grau básico de conhecimento sobre cannabis medicinal e o médico preenche as lacunas desse conhecimento, além de trazer todo a experiência da medicina tradicional para o tratamento do paciente. Sempre restam dúvidas a serem esclarecidas”, disse Montibeller.

Tratamento

Para iniciar o tratamento à base de cannabis é necessário primeiro uma prescrição médica e, com ela, solicitar a autorização de importação na Anvisa, ou então adquirido diretamente nas farmácias. No primeiro caso a receita médica tem validade de 6 meses. Já no segundo caso trata-se de uma de uma receita tipo B ou azul, com validade de 60 dias, são as receitas de controle especial e ainda pouco utilizadas devido à pouca oferta de produtos nas farmácias e seus custos ainda elevados.

“Os benefícios do tratamento são percebidos em tempo diferentes. Muitas vezes, quando a gente inicia um tratamento com cannabis medicinal, a titulação da dose tem que ser delicada, para que possamos observar efeitos colaterais e efeitos positivos”, afirmou Montibeller.

“Geralmente inicia-se com uma dose baixa, mínima necessária para o paciente ter o benefício do tratamento. Em determinadas condições clínicas, podemos perceber uma melhora rápida, sentida, muitas vezes, logo na primeira semana, com uma dose que nem chega a ser a dose preconizada. Tem pacientes que demoram dois, três meses, usando continuamente o medicamento. Tudo isso está relacionado com a concentração necessária para o transtorno e o perfil de metabolização do paciente – alguns precisam de mais, outros precisam de menos. Algumas vezes é necessário fazer a troca do óleo, ajustando para uma concentração mais adequada ao perfil do paciente, uma vez que os óleos são muito diferentes uns dos outros. É algo complicado de se estimar”, explicou a médica.

Duração do tratamento

A especialista também afirmou que o período do tratamento, depende do diagnóstico.
“Um episódio depressivo isolado, por exemplo, exige um tratamento tanto com medicação alopática, quanto com uma medicação com CBD, que passa a ser um auxiliar no tratamento. Nesses casos, geralmente, são feitos tratamentos de um ano, um ano e meio e, passado esse tempo, pode-se fazer uma retirada gradual. Já outros transtornos crônicos, exigem tratamento de uso contínuo, mas vai depender muito do sintoma que se quer controlar”. Já sobre a forma com que o CBD atua no organismo, Marina Montibeller explicou que a substância pode atuar de forma preventiva nos casos de suicídios.

“Sabe-se que a grande maioria dos suicídios consumados e as tentativas de suicídio são relacionadas a transtornos mentais, sendo que entre eles, o alcoolismo, transtornos de humor (principalmente depressão unipolar, transtorno bipolar) e até esquizofrenia são fatores de risco importantes. Existe potencial terapêutico para a cannabis medicinal em todas essas condições, apresentado em relatos de casos e em estudos cada vez mais robustos, apesar do proibicionismo. A forma de atuação do CBD e de outros canabinóides depende de cada transtorno, porém sabe-se que essas moléculas estão envolvidas com a regulação de neurotransmissores intimamente ligados a cada um desses transtornos, como a dopamina, serotonina e noradrenalina. Cada vez mais pessoas estão buscando o tratamento com a cannabis medicinal e tendo resultados positivos no tratamento das condições depressivas”, finalizou a médica da clínica que já atendeu mais de três mil pacientes, desde a abertura da primeira unidade da rede, há três anos.

À espera de votação

O Plural também conversou com o deputado Goura (PDT), coautor do PL 0962/2019. Segundo o parlamentar, o texto já tramitou e recebeu parecer favorável pelas comissões necessárias, mas falta ser votado em plenário.

“O PL foi criado para facilitar o acesso a cannabis medicinal, a Lei Pétala, como a gente está chamando, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça”, disse Goura. “Então, a gente fez essa costura política para ampliar o leque de apoios e eu já falei com o presidente da ALEP, deputado Ademar Traiano, para que logo que voltarem os trabalhos presenciais, após o recesso, o projeto seja colocado em pauta. Pelas conversas que eu estou tendo com vários parlamentares a perspectiva é sim da sua aprovação”.

Antes da regulamentação nacional

Ainda de acordo com o parlamentar, o projeto tem um caráter simbólico por ser o primeiro sobre o tema da cannabis que tramita na Alep. “O PL pode ser aprovado e ser a primeira lei do Paraná sobre a cannabis. A gente entende que, obviamente, numa discussão sobre o sistema de saúde brasileiro, é necessária uma regulamentação nacional. Por isso a importância da aprovação em Brasília do PL 399 [PL 399/2015, que ainda tramita no Congresso Nacional], que versa sobre o uso medicinal para que os medicamentos possam estar acessíveis diretamente pelo SUS, com mais facilidade”, disse.

Segundo ele, atualmente as pessoas precisam desses medicamentos pelo SUS e só estão conseguindo através de ações judiciais. “E o Paraná já fornece pelos dados que a gente teve acesso a quase duzentos pacientes a um custo de mais de três milhões de reais por ano. Tendo a regulamentação federal a gente vai facilitar esse uso, a Lei Pétala sendo aprovada vai favorecer e ajudar nas decisões judiciais porque ela coloca explicitamente que o Paraná é o estado que não criará dificuldades, que justamente facilitará esse acesso”, explicou.

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2 comentários em “Setembro amarelo: tratamento com canabidiol é cada vez mais procurado por curitibanos”

  1. Maria Emília Loyola Ponestk

    Otimo artigo, bem informativo. Não sabia que ja temos clinicas especializadas cuidando do tema. Urge solucionar essa questão!

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