Secretaria da Educação encurta fluxo de apuração e punição de casos de violência sexual em escolas da rede estadual

Novo sistema criado pela Seed reduz tempo de trâmites administrativos. Modelo vale para profissionais cívicos e militares

A rede estadual de ensino do Paraná vai ser submetida a um sistema padrão para tratar denúncias de violência contra estudantes, inclusive episódios de violência sexual. O novo mecanismo acelera os trâmites de apuração e de punição dos casos e estreita um canal de diálogo com outros órgãos, como Defensoria Pública (DPPR)e Ministério Público (MPRR), como promessa de mais agilidade aos procedimentos e mais segurança às vítimas.

As alterações foram anunciadas nesta quarta (18), dia Nacional de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.

Juridicamente, a proposta adequa os procedimentos da Secretaria de Estado da Educação (Seed) à lei federal de 2017 criada para aumentar a proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência – norma regulamentada no Paraná em julho do ano passado.

A Seed, onde o projeto foi gestado, nega que as novas medidas sejam consequência de um aumento de casos internos na rede ou que estejam relacionadas a fatos específicos.

Segundo a pasta, a decisão é um aperfeiçoamento dos processos internos e entrou em discussão com o retorno presencial às aulas, após um ano e meio de escolas fechadas por causa da pandemia do coronavírus. Diferentes estados do país relataram aumento em situações de violência após a volta para as salas de aula.

Na fase inicial de implantação, a meta do programa projetado pela Seed é dar novo status às situações de violência e, em casos envolvendo servidores – professores, principalmente, sem excluir policiais atuantes no modelo das cívico-militares –, descolar a condução das investigações das regras comuns aplicadas ao descumprimento dos deveres dos funcionários públicos, geralmente mais morosas.

Com isso, as ferramentas jurídicas ganham menos brechas. O ato interinstitucional que estabelece o novo padrão dentro da secretaria reduz o tempo das etapas de tramitação do Processo Administrativo Disciplinar (PAD). O afastamento de professores, em caso de indícios de materialidade da denúncia, cai de meses para até 48 horas, e a conclusão do processo – cujo desfecho pode levar à demissão – pode ocorrer em até 30 dias.

“A gente entendeu que, nesses casos, eu preciso dar uma proteção à vítima e uma resposta rápida à sociedade. Não dá para eu virar para um pai e dizer que daqui seis meses eu dou uma resposta”, explica Vinicius Mendonça Neiva, diretor-geral da Seed.

A adesão de órgãos externos ao programa fortalece ainda outras frentes legais de punição aos considerados culpados. Além da Defensoria e do MPRR, o Tribunal de Justiça e a Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) também entram como signatários do ato. O documento deve ser assinado em breve.

Para o governo, a rede intensifica a proteção dos jovens alunos porque cria ainda um comprometimento da Secretaria de Educação na identificação de possíveis casos de abuso contra os matriculados mesmo que fora da escola.

“De nada adiantava se eu punisse um funcionário e isso não tivesse nenhuma repercussão penal. A gente tentou olhar para um espectro mais amplo e de forma que a gente desse essa segurança jurídica, com troca de provas, de elementos, e permitindo que o processo fosse mais robusto tanto administrativamente quanto na esfera penal”, explica Vinicius Mendonça Neiva, diretor-geral da Seed.

A Defensoria Pública do Paraná entra como uma das instituições mediadoras do processo. Fernando Redede, coordenador do Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NUDIJ) da DPPR, avalia que a medida da Seed instrumentaliza o que deve ser feito em situações de denúncias de violência contra alunos e alunas e se aproxima, assim, assim de determinações já previstas em lei.  

Um dos marcos citados pelo defensor é a Lei Federal 13.431 de 2017, que criou um novo sistema de garantias nos inquéritos e no curso dos processos relacionados a menores de idade vítimas ou testemunhas de violência.

Uma das maiores mudanças trazidas pelo texto foi a garantia da chamada escuta especializada. O procedimento prevê a preservação máxima da vítima e estabelece, com base nisso, que depoimentos só podem ser realizados junto a órgão de rede de proteção e de maneira limitada. Em episódios de violência sexual, por exemplo, um novo depoimento somente pode ser exigido se considerado imprescindível pela autoridade competente. No âmbito das escolas, o estudante deixa de ter de fazer o mesmo relato denuncioso à todas as instâncias hierárquicas da administração.

“Com isso, a gente coloca em prática como vai agir no processo para escutar essa criança, esse adolescente. É uma forma para organizar a escuta dessa criança de maneira menos sofrida e mais protegida. Pelo Código de Processo Penal, não há diferença entre a esculta de um adolescente e de um adulto”, explica Redede.

Educação sexual, por ora, não

Vista por especialistas como uma política essencial ao combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, a inclusão da educação sexual ao currículo pedagógico ficou de fora do debate.

“Não estava dentro do nosso prospecto rever a questão da grade. Se, porventura, a gente identificar que é necessário, é possível que a gente encaminhe. Mas, por enquanto, isso não está dentro do radar”, afirma o gestor.

Discutida entre 2017 e 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que conduz a educação básica no país, não contempla disciplinas de educação sexual. Por isso, não há obrigatoriedade.

Embora não seja consenso por estar atrelada ao que uma parte dos políticos e da sociedade conservadora acusa ser “ideologia de gênero”, atores tanto da área da educação como da área da saúde destacam a importância da educação sexual para a melhor compreensão das situações de abuso, e, consequentemente, a melhores práticas de prevenção e reporte dos casos, até mesmo no ambiente escolar.

Quanto à conscientização dos alunos e alunas, a Seed justifica que campanhas sobre o assédio já começaram a ganhar força nas escolas da rede, mas que projetos mais específicos para tratar do tema com alunos e alunos devem ficar para uma terceira etapa do projeto.

O motivo, diz o diretor, é que este primeiro momento prioriza respostas pragmáticas aos casos, conforme demanda da própria sociedade – uma forma de trazer mais confiança e engajamento ao modelo também, diz ele.

“A gente acredita que essa resposta imediata vai construir dentro da comunidade uma confiança. É um tipo de coisa com a qual estamos realmente preocupados, e estamos tentando garantir esse retorno. Primeiro treinando toda a minha equipe para ser rápida, segundo treinando para fazer a escuta ativa e, em terceiro lugar, chegar nas crianças trabalhando uma conscientização do que é assédio ou que não é”.

Menos autonomia da escolas

Outra alteração administrativa que passa a valer com o novo sistema de acompanhamento de denúncias dentro da Secretaria da Educação reduz a autonomia das escolas no processo de investigação das denúncias. Pelo novo fluxo, a partir de agora as denúncias caem diretamente no colo de uma comissão formada por profissionais deslocados especificamente para atuar nas investigações, divididos entre a ouvidoria e a área jurídica da pasta.

Todas as escolas da rede já começaram a receber peças publicitárias direcionadas ao público adolescente com informações sobre o caminho da denúncias. Os cerca de 2 mil diretores da rede também já passaram por orientações sobre os novos procedimentos, e devem seguir em treinamento nos próximos meses.

A Seed disse não ter evidências se existem práticas de acobertamento de violência contra alunos, até mesmo violência sexual, nas escolas estaduais, mas que há “a percepção” desse tipo de conduta.

“Não tenho como afirmar com evidências de que isso acontecia, mas resolvi assumir que não deixarei o corporativismo acoberte esse tipo de caso”, afirma o diretor.  

As medidas anunciadas pelo governo não preservam policiais militares incorporados às escolas do programa cívico-militar. No entanto, militares denunciados não serão investigados pela Seed, e, sim, pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).

Desde que o modelo das escolas cívico-militares começou a funcionar no Paraná, em 2021, já houve relatos de abusos sexuais e violência moral e física cometidos, em tese, por PMs nestas unidades.  

Em janeiro deste ano, MPPR abriu investigação para apurar a suspeita assédio sexual por um PM contra alunas em um colégio militar de Paranavaí. Em agosto do ano passado, um policial militar da reserva que integrava a equipe de uma escola cívico-militar em Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, chegou a ser preso sob suspeita de abusar de alunas. Semanas depois, o MPPR também encaminhou denúncia à Justiça contra dois policiais militares que teriam socado e ameaçado matar um aluno em uma escola em Imbituva, depois que o aluno desenhou uma folha de maconha na carteira da sala de aula.

A Seed, no entanto, descarta que uma suposta falta de controle sobre esses casos tenha dado gás à implementação do novo modelo de apuração e punição da pasta.

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