Pescadores e pesquisadores tentam impedir explosão de pedra pelo Porto de Paranaguá

Comunidades tradicionais do entorno fecham o canal e exigem participação no processo, como previsto em lei

Pescadores artesanais e pesquisadores do litoral do Paraná tentam impedir o processo de derrocagem de parte da pedra de Palangana, obra do Porto de Paranaguá que tem o objetivo de aumentar a profundidade do canal da Galheta. O grupo exige que mais informações sobre as consequências da ação antes de sua execução. Segundo eles, a direção do Porto de Paranaguá estaria tentando pular etapas relacionadas à avaliação do impacto que a ação traria ao meio ambiente às comunidades tradicionais do entorno. Na tarde da última quinta-feira (24), pescadores fecharam o canal em manifestação contra a obra. A explosão subaquática, que estava prevista para esta sexta-feira (25), deve acontecer nas próximas semanas, a depender de fatores climáticos.

Pesquisadores também se posicionam contra a execução imediata do procedimento, alegando falta de informações acerca dos impactos ambientais em uma região considerada berçário de vida marinha, importante para a reprodução de espécies que são recurso pesqueiro, para a alimentação de tartarugas-verde juvenis e populações de boto cinza. A área é reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente como de extrema importância para a conservação da biodiversidade.

Já Luiz Fernando Garcia, diretor-presidente da Portos do Paraná, afirma que estão sendo feitos todos os esforços no sentido de que o crescimento da atividade portuária aconteça de maneira sustentável. “O Porto, para se manter competitivo e manter estes postos de trabalho, precisa realizar obras — seguindo rigorosamente as recomendações dos órgãos ambientais, com programas de mitigação dos impactos e total transparência com a comunidade.”

De acordo com o governo do estado, a derrocagem é “uma das obras mais aguardadas pela comunidade portuária”, pois dará “mais segurança para a navegação e para o meio ambiente”. Com a retirada de parte do maciço de rochas, a profundidade do trecho passa de 12 para 14,6 metros, reduzindo o risco de encalhe de navios e consequentes desastres ambientais. 

O procedimento foi inserido no licenciamento das obras de dragagem, emitido pelo IBAMA em 2016, sendo entendido pelo órgão como atividade semelhante, já que ambas tratam de retirada de sedimento, um deles mais consolidado que o outro. A bióloga e coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação/UFPR, Camila Domit, discorda: “Apesar de ser sedimento formando rochas, a tecnologia, a técnica, a atividade necessária para tirar esse sedimento consolidado, significa, no caso do empreendimento em questão, o uso de explosivo subaquático.”

Ela questiona, ainda, o caráter emergencial da obra, já que se tem informação dos maciços rochosos desde a década de 1990. Há diversos estudos sobre a região e, em 2001, um navio se acidentou nessa área, atestando a existência das rochas. Ademais, a discussão sobre a dragagem acontece desde 2009. 

“Colocar uma atividade como emergencial gera uma série de fragilidades dentro do processo do licenciamento, porque ela pode ser executada sem estudos mais aprofundados, específicos sobre a obra. É preciso entender que derrocagem não é uma continuidade da dragagem, e sim uma obra bastante específica, que pela literatura científica traz uma série de restrições maiores, de preocupações maiores e que a gente precisa ter esse olhar numa região tão sensível e de tamanha importância para biodiversidade marinha, como é o caso do Paranaguá”, afirma a bióloga. 

Questionada sobre o assunto, a Portos do Paraná informou que “a derrocagem consta como emergencial, pois é para retirar as partes mais altas de um complexo rochoso com mais de 200 mil metros cúbicos” e que “todos os passos para a obra foram rigorosamente cumpridos, incluindo as audiências públicas e programas de comunicação social. A Portos do Paraná reforça que cumpre as exigências do IBAMA e as medidas de mitigação que estão em andamento”.

Impacto

De acordo com Camila, a obra implica em riscos à fauna marinha. As ondas sonoras e de pressão causadas pelas explosões podem causar danos físicos, fisiológicos e comportamentais nos animais, podendo ou não levá-los à morte. Dependendo da onda de choque, os órgãos ocos, como os intestinos e pulmões, se rompem. Também estão descritos na literatura danos na região auditiva de golfinhos e tartarugas. Ao tentar fugir de um barulho muito intenso, mergulhando profundamente muito rápido e retornando à superfície para respirar, podem sofrer barotrauma — a doença do mergulhador. Nem tudo dá para prevenir, mas muito dá para remediar, se houver clareza sobre as áreas diretamente afetadas, as de influências direta e de influência indireta, o que permitirá a avaliação dos impactos reais e potenciais da obra.

O grande problema, segundo a bióloga, é a ausência de dados: “Quais são essas três áreas? Qual é a emissão de ondas sonoras em termos de frequência, de energia dissipada? E qual é a modelagem de propagação desse som para o ecossistema da Baía de Paranaguá? A partir disso, a gente pode avaliar se as bolhas são uma técnica mitigadora. Na literatura, tem locais em que reduziu em 30%, locais em que reduziu em 90%. Qual vai ser a realidade pro litoral do Paraná? Reduzir a propagação sonora a partir de quanto? Qual é a taxa de origem dessa propagação? A gente precisa saber essas informações.”

Comunidade impede o trânsito de navios no Canal da Galheta. Foto: Mopear

As comunidades caiçaras, nesse período, vivenciam a entrada da tainha, um dos principais recursos dos pescadores artesanais do litoral. “Até andar na praia é ruído suficiente para que as tainhas se afastem da zona costeira. Então, imagine uma explosão subaquática. Sem saber por onde e como essas ondas vão se propagar, como a gente pode prever que esse recurso pesqueiro não vai ser drasticamente afetado?”, questiona Camila.

Redução de danos

O governo do estado, em publicação na página oficial, coloca dentre as ações mitigatórias (de redução de danos) o uso de dispositivos acústicos para repelir golfinhos e botos do local, e a instalação de uma cortina de bolhas, que reduz o impacto da explosão e impede a reaproximação dos animais e a presença de mergulhadores. Quatro observadores de bordo farão o avistamento de botos e golfinhos antes e durante as obras. Se um animal se aproximar a uma distância inferior a 1.000 metros da obra, ela será paralisada.

Para a bióloga, o problema não é a derrocagem, mas o fato de os empreendedores e licenciadores terem acesso ao conhecimento e às tecnologias pra reduzir os impactos e não os usarem. Ela questiona, por exemplo, a capacidade de detecção dos observadores de bordo: “Eu, trabalhando com mamíferos marinhos, sei que a capacidade de detecção do olho humano cai drasticamente a partir de trezentos metros de distância. E mesmo que a gente use ótimos binóculos, os binóculos restringem a amplitude da visão. Então, o ideal era usar outras tecnologias. existe monitoramento acústico passivo, existem os drones que podem ser uma ótima fonte também de informação.” 

Há, ainda, a questão de que o que está proposto no licenciamento não foi testado para o litoral do Paraná e para as espécies locais. Não há evidências, segundo Camila, de que as ações propostas serão efetivas para avaliar, monitorar e mitigar o impacto de uma explosão subaquática. Tampouco se sabe o quão eficaz será a retirada dos 12% do maciço previstos no projeto, ou se serão necessárias outras derrocagens futuras. Inclusive a palavra derrocagem não figurava no estudo de dragagem.

A discussão envolve, também, a escolha do melhor momento para a execução do projeto – a chamada janela ambiental –, que não seria agora. No inverno, diversas espécies usam o estuário para reprodução, e espécies ectotérmicas, que dependem da temperatura do ambiente para suas reações comportamentais, estão mais vulneráveis, com menor capacidade de deslocamento de fuga, porque estarão com baixas temperaturas.

Comunidades

Apesar da existência de comunidades indígenas no entorno da pedra, a FUNAI não teria sido acionada no processo. “As comunidades indígenas do entorno não têm sequer clareza de onde, exatamente, vão explodir, o que e quando vão explodir; se é explodir ou implodir, como é a técnica, o que pode acontecer, o que não pode acontecer. Se nada vai acontecer nas áreas das terras indígenas, ótimo, mas eles precisam saber, porque é uma área muito próxima à região deles”, diz Camila.

As cerca de 25 comunidades envolvidas não se opõem à derrocagem, mas à falta de transparência dos empreendedores e de participação dos moradores em um processo que os afeta diretamente. “Ninguém é ingênuo a ponto de imaginar que a gente vai segurar o progresso de um porto chinês, que é o Porto de Paranaguá. Mas a gente quer que eles garantam que a gente vai ser consultado antes de eles mexerem, se aproximarem, fazerem dragagem muito perto das comunidades”, afirma o líder comunitário Renato Caiçara.

Foi o que exigiu, na última quarta-feira, (23), o coordenador do Grupo de Trabalho de Comunidades Tradicionais da Defensoria Pública da União, João Juliano Josué Francisco. Em documento oficial, ele pediu a “postergação da atividade para após a verificação da viabilidade da perspectiva dos impactos no modo de vida da comunidade”, já que “a que a fauna marinha, a aldeia indígena Takuaty e os territórios utilizados por pescadores artesanais serão incontestavelmente afetados”.

Além do impacto na fauna marinha, essencial para a provisão e subsistência das comunidades tradicionais, o processo de dragagem e derrocagem causa redução de seus territórios. Renato explica que, quando se retiram sedimentos para deixar o canal mais profundo, a areia das praias é levada para o canal pela atividade das marés e correntes em uma busca por equilíbrio, causando erosão. Os pescadores são obrigados, assim, a deixar suas casas e a se instalarem em locais mais afastados do mar.

Manifestação

Na tarde da última quinta-feira (24), cerca de 150 pessoas, a bordo de 50 embarcações, fecharam o canal, impedindo o trânsito de navios das 12h às 18h. Os pescadores reivindicam que a direção do porto assine um documento se comprometendo a consultar as comunidades antes da execução de qualquer empreendimento de grande porte que venha a impactar a pesca ou a vida na região. Trata-se de um protocolo de consulta elaborado há mais de 20 anos pelo Movimento dos Pescadores Artesanais (Mopear) em conjunto com a comunidade.

Embora tenham sido realizadas audiências públicas, as comunidades não foram verdadeiramente contempladas, como coloca Renato Caiçara, líder comunitário: “O porto, quando ele veio com esse projeto de expansão e tudo, ele fez algumas audiências públicas, mas que não explicou direito pras comunidades, não foi numa linguagem que a comunidade pôde entender. E algumas comunidades não foram nem sequer reunidas e consultadas. Essa pedra que o porto quer explodir vai afetar muito a vida dos pescadores, de quem vive da natureza, já que a gente está acostumado a lidar com ela.”

Indígenas e caiçaras demandam ser consultados antes da implementação de obras de grande impacto na região do porto. Vídeo: Mopear

Em conversa por telefone com os manifestantes, dirigentes do porto garantiram que a explosão não será realizada nesta sexta-feira e que as comunidades serão convidadas a debater. No entanto, não assinaram o documento escrito pelos moradores, que já agendaram nova manifestação para a próxima terça-feira (29). “Vamos pra lá e vamos fechar o canal o dia inteiro de novo, até que o diretor do Porto venha e assine essa documentação. A gente também não aceitou que a conversa fosse em cada comunidade sozinha. A gente quer que essas audiências sejam acompanhadas pelo Ministério Público e pelo Mopear, para que a gente tenha segurança de que não vai ser ludibriado”, diz o líder comunitário.

Embora a tentativa de executar a derrocagem tenha causado tensão, Camila acredita que este pode ser o início de uma nova forma de construção nos processos de licenciamento no Paraná, com mais diálogo, discussão, aproximação entre as demandas da sociedade, o conhecimento científico, as demandas dos empreendimentos e do desenvolvimento social, econômico e ambiental do litoral. “Façamos desse processo um processo de catalisação de energia para que as coisas mais positivas aconteçam e que os bens coletivos sejam melhor avaliados quanto ao seu uso”, conclui a bióloga.

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5 comentários em “Pescadores e pesquisadores tentam impedir explosão de pedra pelo Porto de Paranaguá”

  1. Valter Felicio Fernandes

    Os danos causados por uma obra deste porte, são pequenos e infímos, se considerarmos e compararmos com aos dano causado por um encalhe ou naufrágio de um navio de grande porte, onde o impacto ambiental nestes casos, é longo exponencialmente muito maior que uma obra controlada. O porto precisa continuar suas melhorias para ser competitivo economicamente e estruturalmente. Estes pesquisadores e manifestantes, infelizmente querem continuar na idade da pedra, ocorrendo o mesmo com Guaraqueçaba, cidade que tem um potencial turístico, de pesca, de educação ambiental, de acesso a biodiversidade enorme, mas tem que ficar recluso, parada no tempo,por não quererem a pavimentação da PR-405. É necessário haver um convívio entre evolução e preservação, para não ficarmos parados no tempo e na pobreza eterna, economicamente e culturalmente. E como citado acima, com isto os portos de Itajaí, São Francisco, Santos, e Rio Grande, etc., agradecem os manifestantes.

  2. Os danos causados por uma obra deste porte, são pequenos e infímos, se considerarmos e compraramos com os dano causado por um encalhe ou naufrágio de um navio de rgande porte, onde o impacto ambientar neste caso, é longo exponencialmente maior que uma obra controla. O porto precisa continuar suas melhorias para ser competitivo economicamente e estrutralmente. Estes pesquisadores e manifestantes, infelizmente querem continuar na idade da pedra, ocorrendo o mesmo com Guaraqueçaba, cidade que tem um potencial turístico, de pesca, de educação ambiental, de acesso a biodiversidade enorme, mas tem que ficar recluso, pois não querem o asfaltamento da PR-405. É necessário haver um convívio entre evolução e preservação, para não ficarmos parados no tempo e na pobreza. E como citado acima, com isto o Porto de Itajaí, São Francisco, Santos, e Rio Grande, agradecem os manifestantes.

  3. O homem realmente ainda não entendeu que alterar a dinâmica da natureza não é um bom negócio. Mesmo que se façam centenas de estudos nunca saberemos exatamente o impacto que essa explosão pode causar. É uma agressão. Espero que pensem em outra forma.

  4. Paulo José Soavinsky

    A suposta confusão entre sedimento e rocha, por parte dos responsáveis, só evidencia que faltam estudos e a escolha do método explosivo indica pressa.

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