Pais de alunos aderem a protestos contra modelo terceirizado de aulas do ensino médio no Paraná

Governo admite problemas “pontuais” em aulas do novo Ensino Médio da rede estadual dadas pela Unicesumar

Ainda sem completar dois meses, o método de aulas incorporado ao novo Ensino Médio do Paraná já expõe rachaduras. Há duas semanas, mobilizações começaram a eclodir em escolas de diferentes regiões do estado, com um primeiro recuo da Secretaria de Estado da Educação (Seed). No epicentro dos protestos, em Cascavel, no Oeste, pais e alunos conseguiram tirar o Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto Neto (Ceep) da lista de escolas onde parte do currículo é ministrada por professores a distância, vinculados a uma instituição privada contratada pelo governo para um formato praticamente inédito no Brasil.

Com isso, são agora 445 colégios estaduais em que as disciplinas flexíveis, majoritariamente práticas, dos cursos técnicos em Administração, em Desenvolvimento de Sistemas e em Agronegócio são transmitidas online, sem professor em sala de aula.

Apesar de assumir problemas que chama de “pontuais” e da pressão – deputados e entidades prometem questionar o sistema na Justiça –, a pasta nega que esteja coordenando uma revisão no contrato que baliza o modelo, pelo qual o conteúdo alheio à Base Nacional Curricular Comum (BNCC) é repassado ao vivo de um estúdio, em Curitiba, por um docente da iniciativa privada para até 20 turmas ao mesmo tempo.

Os profissionais são vinculados ao Centro Superior de Ensino de Maringá (Unicesumar), vencedor da licitação aberta no ano passado pelo governo. No padrão adotado, a Unicesumar ganhou o direito de ministrar as aulas de acordo com a matriz de ensino da Seed por R$ 38,4 milhões em um contrato de três anos. Ainda que defenda que seja apenas uma configuração técnica, a pasta já chegou a afirmar que a instituição seria responsável pela aprendizagem dos alunos. Pelo edital, um docente pode dar aula para até 700 adolescentes ao mesmo tempo.

O que, segundo estudantes e seus familiares, vem se concretizando. Em mobilizações recentes, alunos apontam inconsistência do projeto idealizado pelo governo Ratinho Jr. Levantamento feito pelo sindicato que representa os professores da rede estadual, a APP-Sindicato, mostra que nos últimos dez dias foram pelo menos doze protestos em diferentes regiões do Paraná, um indício de que não se trata de problema localizado.

Além de Cascavel, também há registros de manifestações em Ponta Grossa, Corbélia, Medianeira, Francisco Beltrão, Pato Branco e Curitiba, por exemplo. Na capital, já foram feitos protestos por alunos das escolas Avelino Antônio Vieira, no Fazendzinha, e Pedro Macedo, no Portão. Em Dois Vizinhos, no Sudoeste, alunos do Colégio Estadual Leonardo Da Vinci protestaram com palavras de ordem e cartazes em frente à tela de televisão onde era transmitida a aula. “TV temos em casa, queremos professores”, dizia uma das faixas.

A manifestação foi no dia 22 de março. Na mesma tarde, o secretário de Educação, Renato Feder, esteve reunido com o Núcleo Regional de Educação do município, conforme consta em sua agenda oficial. Em uma nota divulgada nesta quarta-feira (30) à imprensa local, compartilhada pelo jornal Tribuna dos Lagos, o núcleo cita que está em diálogo com pais e alunos para responder aos questionamentos em torno da parceria com a Unicesumar.

Ao longo desta semana, apesar da continuidade das mobilizações, a agenda de Feder não teve compromissos, e, até o momento, nem o secretário nem o governador se manifestaram em público a respeito das críticas. Elas sustentam que o modelo sem interação professor-aluno dificulta a aprendizagem e não consegue manter o padrão mínimo previsto pela pasta, o que já era uma preocupação de especialistas.

Alunos do Ceep de Cascavel foram orientados por pais a não assistirem aulas a distância.

Há, conforme as denúncias, acúmulo de dúvidas diante do volume de alunos atendidos ao mesmo tempo e falta generalizada de monitores, que os são profissionais contratados para a operacionalização técnica do sistema, sem, necessariamente, formação específica. Na esteira das críticas, surgem também os primeiros relatos de evasão.

“Eu não estou apreendendo nada, é a mesma coisa de quando tínhamos as aulas online durante a pandemia. A gente podia falar que estava entendo alguma coisa, mas pode ter certeza que era tudo mentira”, relatou ao Plural Giovana Brasil, de 14 anos, aluna do Colégio Estadual Presidente Kennedy, em Ponta Grossa. “E tem muita gente saindo do técnico por conta de ser a distância”, complementa.

O perfil das reivindicações puxa também pais e mães para a frente das escolas. Muitos se dizem frustrados com o modelo adotado pelo governo Ratinho Jr., que não teria discutido às claras com a comunidade antes de sua implementação. A cessão de atividades do ensino público ao setor privado foi viabilizada pela lei do novo Ensino Médio, de 2017. A legislação deu nova redação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Além do Paraná, Rio de Janeiro também fechou contrato com entidade privada para a condução de disciplinas específicas de cursos técnicos.

Embora não seja uma decisão particular do Executivo paranaense, familiares dizem ter sido pegos de surpresa com a prática, implementada supostamente sem exposições suficientes para dar aos pais poder de escolha em relação à matrícula.

“É revoltante ter essas aulas EaD, que é uma coisa que não é para idade deles. E eles não deram nem opção aos pais de escolherem se queriam esse modelo ou não. Decidiram por eles mesmos. Até no momento da matrícula, ninguém sabia que ia ser um curso assim. O governo pelo menos deveria ter exposto que não seria presencial e aí os pais poderiam decidir”, questiona Fabiana Brasil, mãe da aluna Giovana Brasil, do Colégio Presidente Kennedy, de Ponta Grossa.

A escola é uma das que vem se manifestando contrariamente à implementação do novo modelo. Segundo Fabiana, há um sentimento generalizado de consternação, e mais escolas da cidade começam a se articular para aderir aos protestos. A ideia é unificar as queixas.

O governo não considera como um método a distância porque diz existir uma aproximação temporal com aluno e professor, ambos em atividade simultânea, o que não ocorre no ensino a distância tradicional. E defende a implementação da estrutura justificando a alta rotatividade de professores supostamente necessária para atender aos cursos, passíveis de variação curricular de tempo em tempo. Daí a alegada necessidade do convênio com uma instituição privada capaz de ceder a mão de obra docente. 

“Eu faço faculdade a distância e te digo que não e fácil. Tem que ter uma disciplina e uma maturidade que esses adolescentes de 14 anos ainda não têm. Já não aprenderam direito durante dois anos na pandemia, sem aula presencial, e agora vem um curso técnico a distância?”, questiona a mãe de Ponta Grossa.  

Aulas técnicas da Unicesumar em telão no Colégio Estadual Presidente Kennedy.

O acordo fechado entre a gestão de Ratinho Jr. e a Unicesumar foi homologado em Diário Oficial no dia 17 de novembro, uma semana antes da abertura das matrículas na rede estadual de ensino. Na Agência de Notícias do governo, a primeira publicação sobre o convênio – que o estado diz não ser terceirização, mas, sim, parcerização – saiu no dia 17 de dezembro.

A contestação de Fabiana faz coro junto a outros pais e mães mobilizados juntos aos filhos. No primeiro protesto do estado, em Cascavel, Celia Ianoski, mãe de uma estudante do Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto, conta que foram dias tensos até que finalmente a Seed decidiu voltar atrás e restituir o antigo modelo de ensino para matriculados nos técnicos. 

“O Ceep é um colégio histórico. Todas as crianças que querem um futuro batalham para conseguir entrar no Ensino Médio técnico lá, tem toda uma seleção para conseguir matrícula. Só que não foi passado nada para os pais que a partir deste ano seria esse modelo. Quase um mês depois, os filhos começam a dizer que não estavam tendo aula, reclamar em casa. Aí que nós começamos a estranhar e a direção nos informou o que estava acontecendo”, conta.

No Ceep de Cascavel, alunos foram orientados em casa a não assistirem às aulas online e a usar o tempo na escola para outros conteúdos e tarefas escolares. O boicote cresceu, e o grupo de adesão ao protesto juntou mais de 300 pais.

Sob pressão, representantes da Unicesumar e do Núcleo Regional de Educação fizeram uma primeira reunião com os responsáveis no dia 17 de março. Cinco dias depois, em um novo encontro, veio a proposta do estado de levar um coordenador para cada sala de aula. A sugestão acabou rejeitada, no mesmo dia em que a Comissão de Educação da Câmara de Vereadores de Cascavel aprovou o envio de dois requerimentos à Seed pedindo a revisão do modelo em prática no Ceep. Na mesma semana, com outros focos de protesto pelo o estado, a pasta cedeu e retirou as aulas em convênio com a instituição privada.

“Tinha um só monitor para ligar essa televisão nas salas de aula. Até a terceira aula ainda havia muita dificuldade para fazer funcionar o sistema que precisa se conectar com Curitiba. Uma das reclamações é que era impossível tirar dúvidas de todo mundo. Se um professor não dá conta de 30 estudantes, imagina de 700. O que a gente viu, infelizmente, era um modelo para dar o canudo sem qualificação”, acrescenta Celia.

Governo assume problemas “pontuais”

A União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (UPES) vê no passo atrás da Seed em Cascavel um precedente para reverter o modelo em outras instituições. Ao Plural, a presidenta Tais Carvalho disse que a entidade vem estudando possibilidades jurídicas.

Parlamentares também prometeram provocar a Justiça. O deputado professor Lemos (PT) disse que vai questionar juridicamente o contrato com a Unicesumar. A promessa foi feita durante audiência pública realizada nesta quinta-feira na Assembleia Legislativa para discutir os impactos das aulas da iniciativa privada nos cursos profissionalizantes da rede estadual.

Protesto de alunos no Colégio Estadual Presidente Kennedy, em Ponta Grossa.

Além de professores, estudantes e parlamentares, participaram da audiência pesquisadores e representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público Estadual, órgão que, segundo a APP-Sindicato já recebeu formalmente denúncias contra o novo modelo.

“Por que só para os filhos dos trabalhadores que se pode ofertar uma vergonheira dessas, de uma disciplina a distância, sem qualidade nenhuma, sem aprendizagem nenhuma?”, colocou a presidente da APP, Walkiria Mazeto. “Nós queremos que os cursos profissionalizantes possam ser ministrados pelos nossos professores da rede”, disse.

Recentemente, a deputada Luciana Rafagnin, também do PT, enviou requerimento ao secretário Renato Feder em que pede o fim da estrutura adotada em convênio com a Unicesumar. Mas ao Plural, a pasta afirmou que não estão em pauta discussões sobre o contrato.

“A Seed-PR não estuda uma revisão no contrato. A pasta continuará em diálogo com pais e alunos para entender as críticas e responder aos questionamentos sobre a parceria com a Unicesumar”, respondeu em nota.

Na mesma resposta, no entanto, admitiu problemas com os operadores técnicos, os chamados monitores, cuja contratação é de responsabilidade da Unicesumar. A Seed se referiu às acusações como “problemas pontuais” e disse que já está trabalhando para resolver o impasse.

“A parceria prevê duas funções para os monitores: fazer a gestão de sala de aula e mediar a relação entre alunos e professores, levando as questões e garantindo que elas serão respondidas. Qualquer atividade que fuja a esse padrão é inaceitável tanto para a secretaria quanto para a parceira. As duas organizações têm o compromisso de levar educação de qualidade para os estudantes da rede estadual”.

Quanto às queixas de alunos que ficam sem respostas aos questionamentos encaminhados aos docentes terceirizados, a pasta não negou que existam. Embora tenha restado que esses professores tenham a responsabilidade de responder aos questionamentos dos alunos durante o período de aulas, disse que o modelo ainda está em “constante aperfeiçoamento”.

A pasta disse não ter possíveis dados de evasão das turmas, “pois eles só são levantados no fim do ano letivo, uma vez que os alunos que não estão frequentando o curso neste momento ainda têm a possibilidade de retornar”.

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4 comentários em “Pais de alunos aderem a protestos contra modelo terceirizado de aulas do ensino médio no Paraná”

  1. Uma vergonha, aumenta a escravidao, eles oferecem R$300,00 por 10 horas semanais mais um curso a distancia.
    Onde esta a dignidade disto?
    Os alunos precisam entender que estaram sendo prejudicados futuramente.

  2. Tem sido muito ruim mesmo esse modelo de aula, colocaram um estagiário pra tirar dúvidas, mas até eles não aguentam o modelo de aula e dormem.
    Tem também o problema de cair a Internet, ou não funcionar a TV, a imagem não é clara, os alunos precisam tirar fotos para depois copiar, pra ver se assim entendem alguma coisa, e agora querem aplicar prova e estão exigindo que tirem acima da média, vamos ver se com esses resultados ( que com certeza será ruim), tenha uma mudança pra melhorar o aprendizado.
    Lembrando que em nem um momento foi informado aos pais que o ensino seria desse jeito.

  3. Unicesumar foi vendida para a Uniasselvi, que tem o poder de ser pior em questao de qualidade.
    Imaginem entao o quanto os filhos do Parana vao aprender com essas aulas televisionadas.
    É preciso ver esses contratos porque alguem esta ganhando muito dinheiro com tudo isso

  4. Ainda faltou ir a fundo na questão do fornecimento dos aparelhos e TVs, já que o secretário de educação tem participação numa empresa de produtos de informática.

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