Nego Miranda, fotógrafo da vida no Paraná, morre aos 75

Natural de Curitiba, foi responsável por um dos mais importantes acervos de imagem da história e da realidade do Estado

Morreu nesta segunda-feira (3), vítima de uma doença degenerativa, aos 75 anos, o fotógrafo curitibano Carlos Alberto Xavier de Miranda, o Nego Miranda. Com passagens pelo cinema e pela publicidade, construiu um dos mais importantes acervos imagéticos de resgate da história e da realidade do Paraná.

Em suas próprias palavras, teve um caminho “tortuoso” até se posicionar atrás das câmeras, pelas quais se encantou ainda pequeno. A sedução não se limitou à curiosidade e o levou a trabalhar, no Rio de Janeiro, como assistente de Pedro Pablo Lazzarini, premiado diretor de fotografia argentino radicado no Brasil.

Com experiência, de volta a Curitiba, entrou para a equipe de um estúdio de fotografia publicitária. “Na prática, aprendi a dominar a técnica, mas foi na produção de livros de fotografia documental que encontrei a linguagem”, relatou em entrevista de 2014 à R.Nott Magazine.

Não por menos, é da fase documental de Miranda que ficam uns dos seus principais legados. Em parceria com a jornalista e escritora Teresa Urban, falecida em 2013, publicou Engenhos e Barbaquás, em 1998, com um olhar para o ciclo do mate no Paraná. As fotos foram selecionadas em curadoria precisa de um arquivo de mais de 5 mil imagens armazenadas por quase duas décadas. Ainda ao lado de Urban, publicou Morretes, Meu Pé de Serra (2007), e Puxando o Fio: histórias de armarinhos (2013), empreitada estimulada pela jornalista e que provocou o anonimato atrás dos balcões do comércio curitibano.

“O que se destaca [do trabalho de Nego Miranda] é seu trabalho documental, voltado para as questões do Paraná. Era claro que ele usava a fotografia como uma forma de expressão mesmo, para trabalhar esses temas”, salienta o fotógrafo João Urban, irmão de Teresa e com quem Miranda manteve um estúdio de fotografia publicitária em Curitiba da década de 1990 até o início dos anos 2000.

Também deixou seu nome no ponto em que se cruzam a arquitetura e a história. Com a arquiteta Maria Cristina Wolff de Carvalho, lançou Paraná de Madeira (2005), uma coletânea de fotos sobre construções de madeira espalhadas pelo estado. No mesmo ano, assinaram juntos o Igrejas de Madeira do Paraná.

Em 2010, revelou parte do mergulho na Curitiba de Dalton Trevisan. A eterna solidão do Vampiro percorre cenários de trânsito dos personagens eternizados no coração noturno e avesso da capital paranaense e, mais do que técnica, chama a atenção pela fidelidade da ambientação.

A dicotomia entre o simples e o grandioso das terras paranaenses capturada pelas lentes de Nego Miranda não era só uma homenagem ao lugar onde o fotógrafo nasceu e cresceu. A disposição também era uma tentativa de buscar a entender a própria vida, questionamentos latentes desde que decidiu deixar para trás o curso de Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Leitor voraz, empolgava-se a discutir a vida e obra do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que influenciou seu conceito profissional. Também dominava temas voltados a estudos ameríndios. Foi atraído pela causa indígena desde jovem e acompanhou parte dos conflitos que acabaram, 41 anos atrás, no assassinato do líder Kaingang Ângelo Kretã, no Sudoeste do Paraná. Fotografou Kretã ainda em vivo e mantinha o retrato como um dos principais de sua carreira.

“Ele mostrava um vínculo muito forte [com o Paraná], mas que ao mesmo tempo não era ufanista. Era um interesse sincero pelas coisas que o cercavam”, relembra o poeta Guilherme Gontijo Flores, professor da UFPR e amigo de Miranda. “Ele gostava muito Nietzsche, que trata  da afirmação da vida. Quando chamavam ele para fotografar casas, ele queria ver as casas antes, entender as casas como vida. Era preciso, então, encontrar um olhar para estas casas e não simplesmente montá-las”, coloca o poeta.

João Urban e Nego Miranda, na década de 1980: dupla gostava de se divertir em corredeiras

Técnica

Miranda refletiu e também ousou. Na década de 1980, trabalhou em uma técnica própria que deu origem à sua primeira exposição, a Nuvimento, junção das palavras nu e movimento. A obra se autoexplica: nasce de uma movimentação conjunta, em baixa velocidade, entre a câmera e a modelo, matizando um efeito névoa sob o corpo impreciso mas não disforme.

Apesar do apego ao Paraná, não se fechou em limites. Em 1993, foi para o Amazonas retratar o cotidiano de uma indústria madeireira, e em 1995, à Cuba para capturar detalhes da produção de charutos, em um trabalho paralelo à produção de erva-mate no Sul do Brasil.   

Mas as câmeras não eram sua única paixão. Torcedor inveterado, não fazia questão de esconder o entusiasmo pelo Athletico. Nos jogos, se entregava, e não abria mão de participar ativamente do dia a dia do clube.

“Às vezes, durante as reformas do estádio, ele desaparecia do estúdio. Uma vez tive que ir a um cliente perto dali e ele fez questão de ir junto. Disse que não era necessário, mas ele insistiu e eu concordei. Quando terminou a reunião, ele disse que queria dar uma “passadinha” no estádio e fez uma verdadeira inspeção. Conferiu tudo que estava sendo feito e se estava bem feito, só aí entendi os seus misteriosos sumiços”, conta o colega de profissão.

Espiritualmente, o fotógrafo dedicava-se à Umbanda, religião em que encontrou a mediunidade. Já o afeto à natureza o levou a passar seus últimos anos em Morretes, no Litoral, município pelo qual nutria fascínio. Além da esposa, deixa dois filhos, duas filhas, dois netos e uma neta.

Na lista de prêmios, ficam, entre outros, os da Fundação Conrado Wessel (2011); Porto Seguro (2010); do 2º Salão Internacional de Fotografia em Havana (1994); do 2º Concurso Ilford/Micro de Fotografia P&B; e da Bienal de Fotografia Ecológica de Porto Alegre (1992).

Hoje, o nome do fotógrafo também entrou para o rol dos homenageados pelo “Coestelário”, projeto lançado no ano passado por Guilherme Flores e pelo ilustrador Daniel Kondo que reproduz o conceito das estelas funerárias – monolíticos usados na cobertura de tumbas – para honrar a memória de personalidades que morreram.  

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