Duas mil torres de energia ou quatro mil araucárias?

Justiça suspende autorização para o corte de árvore-símbolo do PR, liberada pelo governo estadual, que vai recorrer

Por enquanto são as araucárias, mas cabe recurso, e os envolvidos já avisaram que devem recorrer. Isso porque a Justiça Federal do Paraná (JFPR) suspendeu as licenças de instalação de 2,2 mil torres de energia concedidas pelo governo do Estado à empresa Engie. As obras visam construir 15 linhas de transmissão e vêm sendo executadas desde setembro de 2019, a um custo total de R$ 2 bilhões. Para serem instaladas, no entanto, precisam ocupar o espaço de 4,2 mil araucárias – árvore-símbolo do Paraná, que corre risco de extinção.

De acordo com a decisão, na forma como foram embasadas, “as autorizações para supressão da vegetação jamais poderiam ter sido concedidas”. O despacho é desta segunda-feira (5) e acata pedidos de uma ação civil pública protocolada por institutos e organizações ambientais. No entendimento da juíza federal Silvia Regina Salau Brollo, “a urgência na concessão decorre do corte iminente de 100 hectares de floresta nativa do Bioma Mata Atlântica”.

Na ação, os autores do processo – entre ele o Observatório de Justiça e Conservação (OJC) e os Ministérios Públicos Estadual (MPPR) e Federal (MPF) – denunciam inconsistências e insuficiências dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) que embasaram a autorização concedida pelo Instituto Água e Terra (IAT) à empresa, como já mostrou o Plural.

Conforme a OJC, estão em jogo, direta ou indiretamente, 2.484,15 hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs), de Reserva Legal e Unidades de Conservação. Além do descumprimento de diretrizes previstas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), o consórcio Gralha Azul – nome de uma ave típica do Paraná usada para batizar o projeto – também teria fatiado o empreendimento para se esquivar de licenciamentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Divisão de lotes

Embora as obras se concentrem apenas em território paranaense, o Ibama precisa autorizar projetos que demandem a supressão, de forma isolada ou cumulativa, de 50 ou mais hectares de vegetação primária ou secundária, em estágio médio ou avançado de regeneração.

Em mecanismo que chamou atenção da Justiça, a Engie dividiu a extensão a ser desmatada em dois procedimentos administrativos diferentes, chegando a lotes de menor área. Assim, o grupo 1, entre Ivaiporã e Ponta Grossa, ficou com 49,67 hectares; e o segundo, entre Ponta Grossa e Bateias, com 44,24 hectares; ambos fora, portanto, dos critérios para anuência fundamental do Ibama.

O artifício, no entanto, foi apontado pela magistrada como a parte mais “controversa” do processo e correu de forma contrária às normas previstas. “Conforme se observa do quadro resumo inserido no contrato de concessão, as linhas de transmissão Ivaiporã – Ponta Grossa e Ponta Grossa – Bateias formam uma mesma parte do empreendimento. Conclui-se, portanto, que o fatiamento/fragmentação do licenciamento ambiental foi indevido. Consequentemente, o Ibama deveria ter sido formalmente ouvido no procedimento administrativo conduzido pelo IAT e as autorizações para supressão da vegetação jamais poderiam ter sido concedidas”, argumentou a juíza.

Além disso, a Justiça também considerou a falta de anuência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão de unidades federais de conservação. O trecho de aproximadamente mil quilômetros de extensão, previsto para receber 2,2 mil torres de transmissão passa por 27 municípios paranaenses (entre eles, a Região Metropolitana de Curitiba) e corta, ao menos,  duas unidades de conservação federal muito próximas: o Parque Nacional dos Campos Gerais (Ponta Grossa) e a Floresta Nacional de Assungui (Campo Largo).

Araucárias ao chão

No último mês de maio, 90 araucárias vieram ao chão durante execução de parte das obras já iniciadas. Os flagras foram em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, que é um dos extremos do mapa do projeto. Como mostrou o Plural, as árvores foram derrubadas em período de produção, ação proibida por lei.

Pelos estudos da Engie, os dois lotes juntos somam a derrubada de, pelo menos, 4.248 araucárias, sem contar centenas de outras espécies pertencentes à região. Mas órgãos ambientais preveem que o percurso possa concentrar cerca de 10 mil exemplares da árvore-símbolo do Paraná. A mata de Araucárias, que originalmente ocupava cerca de 200 mil Km², hoje não chega a 2% da extensão original.

Engie

Parcialmente controlada pelo governo francês, a Engie conquistou por leilão federal o direito de instalar o Sistema de Transmissão Gralha Azul no Paraná. A previsão era de que o empreendimento fosse concluído em 2021, com a implantação de 15 linhas de transmissão, construção de cinco novas subestações de energia e cinco ampliações de subestações já existentes – a um investimento total de R$ 2 bilhões.

Em nota, a Engie declarou não ter sido intimada da decisão e que, “tão logo ocorra, oportunamente, se pronunciará sobre os fatos”.

O IAT também disse que ainda não está oficialmente ciente da liminar, “mas que irá recorrer da decisão analisando os critérios com suporte técnico e jurídico, para fins de demonstrar a regularidade do licenciamento”.

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