Diretor que desviou verba de programa de proteção alega golpe do bilhete premiado

Advogado diz que ex-presidente da entidade estava ciente da movimentação irregular da verba

O ex-diretor-presidente da entidade responsável por colocar em prática as ações da política de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte no Paraná (PPCAAM) e apontado como o responsável pelo desvio de R$ 580 mil do caixa do programa alega que mexeu no dinheiro por ter sido vítima do golpe do bilhete premiado.

Ao Plural, o advogado de Marino Galvão, já desligado da Associação para Vida e Solidariedade (Avis), admitiu que seu cliente estava ciente do uso ilegal do dinheiro público, mas negou se tratar de um desfalque. A verba exclusiva do PPCAAM foi transferida por Galvão para a conta de um empresário de Contagem (MG) sem qualquer vínculo contratual com a organização e deixou o programa, estratégia essencial no combate à mortalidade infanto-juvenil, à beira da implosão, com apenas R$ 250 mil em caixa. O valor não é suficiente para cobrir nem dois meses da política, com trabalhos que beiram R$ 140 mil mensais. O rombo e a situação jurídica atrelada ao impasse já afetaram contratos de aluguel de carros e casas usadas para abrigo de vítimas. 

“Não se trata de um desfalque. O diretor da ONG foi vítima de um golpe, um golpe feito por uma quadrilha organizada”, disse Alexandre Loper defensor do ex-presidente da Avis. Segundo o advogado, Marino teria sido vítima do modus operandi clássico do golpe do bilhete premiado, tendo sido abordado na rua pela quadrilha e convencido a depositar o dinheiro com a promessa de receber um valor maior em troca.

“Não se trata de um desvio, ele foi vítima de um golpe, é um golpe que acontece todos os dias em Curitiba. A pessoa acaba envolvida numa situa e acaba não percebendo o problema que pode causar”, rebateu Loper. O advogado, contudo, reconheceu que seu cliente estava ciente do ato ilegal. “Sim [ele estava ciente], mas é porque ele achou, através desse golpe, que ele receberia de volta um valor maior na sequência e faria a reposição desse valor”.

O caso está sendo investigado pela Delegacia de Estelionato de Curitiba. O delegado-chefe da unidade, Emmanuel David, não quis conceder entrevista sob a justificativa de não atrapalhar as investigações. Por se tratar de movimentações irregulares com dinheiro da União – 80% da verba vem do Governo Federal – a Polícia Federal também foi notificada.

Apesar de mencionar que as apurações policiais estão avançadas, com os supostos membros da  quadrilha já identificados, o advogado não soube responder quanto dinheiro foi oferecido a Galvão, nem se ele tem condições patrimoniais de repor a verba desfalcada. Ele também não soube dizer se o receptor do dinheiro faz parte do grupo investigado.

Nos autos do processo que move contra seu ex-gestor, a Avis cita duas transferências seguidas, uma no valor de R$ 300 mil, em 19 de março, e outra de R$ 280 mil, em 23 de março. O empresário dono da conta para onde foi desviada a verba do PPCAAM opera investimentos na bolsa de valores e no mercado de criptomoedas. O negócio, registrado desde 2010 na Receita Federal, foi proibido em setembro do ano passado de administrar carteiras imobiliárias, em deliberação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia vinculada ao Ministério da Economia.

Em despacho publicado no último dia 14 de abril, o juiz Alexandre Della Coletta Scholz, da 5ª Vara Cível de Curitiba, determinou a inclusão do empresário no polo passivo da ação. Na terça-feira (27), o trader falou com a reportagem e afirmou que não tinha, até então, recebido nenhuma notificação para explicar a origem de depósitos recentes feitos em suas contas. Ele também disse não se lembrar dos depósitos questionados – que, segundo Loper, já estariam sendo rastreados pela polícia.

Sob sigilo

Trechos de conversas por Whatsapp mantidas entre Galvão e uma funcionária da Avis, anexados aos autos do processo instaurado pela entidade para reaver o dinheiro desviado, mostram que o ex-presidente pediu que a primeira transferência não fosse comunicada à coordenadora geral da equipe.

Mesmo assim, a movimentação foi relatada pela funcionária por e-mail no dia 22 de março, quando o segundo saque ainda não havia sido feito. Em resposta, a coordenadora afirmou que a operação não tinha “cabimento na rotina do Plano de Trabalho nem nos possíveis investimentos”.

No entanto, a Avis só informou ao Conselho Gestor do PPCAAM – formado por representantes de diferentes entidades, órgãos e instituições públicas, entre elas o Ministério Público do Paraná (MPPR), Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Cedca) e o próprio governo –, no dia 5 de abril.

O comunicado foi feito no mesmo dia em que Galvão assinou cata deixando a diretoria da associação. No documento, ele já alegava ter sido “vítima de um crime” e justificou sua saída como uma “medida recomendável para a melhor apuração dos fatos”.

A Avis ainda não se manifestou sobre o caso. No primeiro contato feito com a entidade, na terça-feira (27), a reportagem foi informada de que a associação entraria em contato caso julgasse necessário se pronunciar.

O convênio da execução do PPCAAM pela Avis venceu em dezembro e foi postergado até o próximo 11 de agosto. Mas as implicações do sumiço das verbas obrigaram o Executivo a assumir os trabalhos e as pendências financeiras da entidade.

Entre abril de 2017, data da última renovação, e maio do ano passado, o Governo Federal destinou R$ 4,1 milhões para a execução do programa no Paraná. Com a contrapartida de R$ 1,08 milhão do Executivo estadual, cerca de R$ 5,1 milhões entraram nos cofres da associação para atender crianças e adolescentes ameaçados de morte .

Somente no ano passado, a organização – que também executa programa de proteção de adultos vítimas de ameaça no Paraná, o Provita – recebeu 2,67 milhões da Sejuf. Este ano, já foram repassados 392 mil. A tabela dos pagamentos disponibilizada no Portal da Transparência não discrimina o destino final de cada montante.  

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1 comentário em “Diretor que desviou verba de programa de proteção alega golpe do bilhete premiado”

  1. Luiz Botelho Filho

    Esta alegação de que “caiu em um golpe” é história pra boi dormir. Um sujeito que preside uma entidade dessas, lida com altas somas, conhece administração, iria acreditar no “conto do bilhete premiado”? Ah, vá, conta outra, que adoro ser enganado. Algo de errado não está certo.

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