Dez anos depois, MP recorre para levar Carli Filho a primeiro dia na cadeia

Ex-deputado, que matou duas pessoas no trânsito em 2009, segue em liberdade. Promotores recorrem ao STJ

Às vésperas de completar dez anos, um dos casos mais célebres de morte no trânsito no Brasil volta a ser discutido na Justiça sem que o responsável tenha cumprido até agora um único dia de punição. O Ministério Público do Paraná pede que a pena de Luiz Fernando Ribas Carli Filho, considerado autor de duplo homicídio com dolo eventual na noite de 7 de maio de 2009, seja aumentada. Caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negue o recurso, o caso ainda pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Até aqui, nem mesmo tornozeleira o ex-deputado estadual usa.

Carli Filho, levado a júri popular em 2018, foi condenado inicialmente a nove anos de prisão, o que o levaria a começar a cumprir a pena em regime fechado, em um presídio. Mas o ex-deputado recorreu  teve a pena reduzida em dois anos pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), permitindo o regime semiaberto – o que, no Paraná, em função da superlotação das unidades, pode ser trocado pelo uso da tornozeleira eletrônica.

Com o embargo negado, o MP entrou, em 29 de março, com recurso especial. “Pedimos que o STJ aumente a pena ao acusado e fixe o regime fechado de cumprimento”, afirma o promotor o promotor Rodrigo Leite Ferreira Cabral, da Coordenadoria de Recursos Criminais do MP.

“Queremos que as circunstâncias que não foram consideradas como negativas ao acusado sejam consideradas na fixação da pena, como a personalidade dele, as consequências do crime, as circunstancias em que ele aconteceu e também que seja afastada a atenuante da confissão espontânea, pois para nós não houve confissão”, diz o promotor.

Carlos Murilo de Almeida, um dos mortos na tragédia.

Para Rodrigo Cabral, o caso, da maneira como está, pode trazer uma sensação de impunidade. “A condenação a uma pena em regime semiaberto para duas mortes dolosas parece que deixa uma certa sensação de impunidade ou de punição insuficiente.”

Na visão da vice-presidente da Advocacia Criminal da OAB-PR, Débora Normanton Sombrio, a culpa da demora de um encerramento do caso não pode ser colocada na defesa do ex-deputado. “A defesa se manifestou rigorosamente nos prazos declinados e evidentemente não pode ser reputada a ela esse transcurso de 10 anos para tramitação do processo”, avalia.

Enquanto o processo transcorre, Carli Filho segue em liberdade na cidade de Guarapuava. Procurado pelo Plural, o advogado de defesa Roberto Brzezinski Neto disse que não irá se manifestar sobre o assunto.

O acidente

Na noite do acidente, Carli Filho dirigia embriagado seu Passat Variant, falava ao celular, trafegava possivelmente a 170 km/h e estava com a carteira de habilitação cassada. Ele ficou em coma e passou por várias cirurgias. No outro veículo, morreram instantaneamente Carlos Murilo de Almeida, 20 anos, e Gilmar Rafael Souza Yared, 26, filho da atual deputada federal Christiane Yared.

“Após 10 anos da morte brutal do nosso filho, a certeza da impunidade que reina em nosso país deixa um gosto amargo na boca daqueles que gritam por justiça. Não que as leis não sejam boas, elas são. Se existe um culpado em todas estas histórias de dores, dos infindáveis recursos e brechas, não é a lei, é o Judiciário. Justiça permissiva, justiça tardia, justiça que não pune”, desabafa a deputada.

Gilmar Yared: morto por ex-deputado que dirigia embriagado.

“Um circo montado desde o júri popular, no qual a sentença que deveria ser cumprida após ser dada se arrastou até o Tribunal de Justiça para então os amigos da corte terem a pena reduzida. Uma vergonha nacional! A morte dos filhos, que se fossem dos senhores desembargadores teria um outro peso”, acredita.

Mortes no trânsito

O Brasil é o quinto país com mais mortes no trânsito, aponta relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Estamos atrás apenas de Índia, China, Estados Unidos e Rússia. Por aqui, acidentes em rodovias federais são considerados uma das principais causas de morte. Segundo estudo do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação, 53,7% dos acidentes são causados pelo “fator humano”, isto é, pela negligência ou imprudência dos motoristas, seja por desrespeito às leis de trânsito (30,3%) ou falta de atenção do condutor (23,4%).

O levantamento apontou que, entre 2007 e 2016, aproximadamente 23 mil pessoas (30% dos óbitos) perderam a vida no Brasil por causa do desrespeito. Outros 15 mil morreram em decorrência da falta de atenção e 276 mil ficaram feridos pelo mesmo motivo, no mesmo período.

Em Curitiba, o Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) registrou 5.680 acidentes no ano passado, com 47 mortes apenas nos locais das ocorrências. O número de pessoas feridas nestes mesmos registros foi de 4.684.

Christiane Yared: eleita deputada, mãe de vítima trabalha com leis de trânsito.

No Paraná, em 2017, foram 2.535 mortes no trânsito, segundo o Ministério da Saúde. Ainda não há dados atualizados de 2018. A assessoria de imprensa do TJ-PR disse não ser possível informar quantos processos por crimes relacionados ao trânsito estão em andamento no estado.

Segundo a Agência Brasil, mais de 60% dos leitos hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) são ocupados por vítimas de acidente de trânsito. Nos centros cirúrgicos do país, 50% das vagas também são ocupadas por vítimas de acidentes rodoviários.

Lei Seca

Com a morte do filho, Yared encontrou forças para lutar por outras famílias que passaram pelo mesmo trauma. Criou o Instituto “Paz no Trânsito” e acabou entrando para a política, na qual atua fortemente em projetos voltados ao trânsito. Um deles foi aprovar o uso do celular ao volante como infração gravíssima, com multa de R$ 293 e sete pontos na carteira.

Em 2017, a nova Lei de Trânsito Brasileira modificou 30 artigos e adicionou mais seis, entre eles, a multa e a pena por dirigir embriagado. A chamada Lei Seca trouxe tolerância zero ao uso de bebidas alcoólicas ao volante. Hoje, qualquer quantidade de álcool diagnosticado no condutor do veículo resulta em multa gravíssima no valor de R$2.934 e suspensão da CNH por um ano. O valor pode dobrar se houver reincidência dentro de um ano e, neste caso, a carteira de habilitação será cassada.

Mesmo que o condutor se recuse a fazer o teste do bafômetro, ele pode sofrer as mesmas penalidades de um condutor bêbado.

Em 2018, começou a vigorar a lei que prevê punição maior para o motorista embriagado que se envolver em acidente com mortes. O acusado de homicídio no trânsito, que antes conseguia responder em liberdade, agora pode receber penas que variam de cinco a oito anos de prisão.

“Se beber não dirija, pois sempre terá alguém que dividirá com você o espaço em comum da vida”, alerta Yared.

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