Carta de um professor esperançoso

Esta é a carta de um professor que acredita na educação e, principalmente, que acredita que só a educação pode transformar este país

Passadas as eleições, me coloquei a refletir sobre a quantidade de pessoas manifestando suas opiniões nas redes e nas urnas, acreditando defender interesses a favor da liberdade, da família e de valores que consideram importantes. A constatação mais imediata é de que falta para grande parte das pessoas o conhecimento do que é política e, mais fundamental ainda, o entendimento do que esquerda e direita representam.

Tendo estudado e lecionado pelo menos nos últimos 15 anos a história das doutrinas econômicas, tenho a impressão de que as pessoas desconhecem as bases que fundamentam o liberalismo e o capitalismo moderno, as causas do nosso subdesenvolvimento e a história política deste país. Não se trata de questionar as pessoas que, fundamentalmente, associam seus valores à direita ou à esquerda, mas da constatação de que as pessoas desconhecem realmente aquilo que estão defendendo.

Tenho amigos, alunos e ex-alunos que realmente detêm um percentual considerável da riqueza do estado. Para esses, sim, seria incoerência não votar naqueles que defendem seus interesses. Mas conheço muitas pessoas votando a favor da “liberdade” que não têm noção de que o voto na direita se trata de tudo, menos de liberdade. O surgimento do liberalismo pós Revolução Industrial serviu aos interesses de uma classe – burguesia – que só passou a existir porque se associou ao Estado (mercantilismo), enquanto este servia aos seus interesses. Pelo mesmo motivo, depois de ter enriquecido, a burguesia financiou uma Revolução Industrial sob a falácia da “liberdade, igualdade e fraternidade”, lema apropriado da Revolução Francesa.

Há 240 anos, isso fez sentido para muita gente, pois o aumento da produtividade parecia uma boa chance para melhorar a vida das pessoas neste planeta. Mas, não muito menos do que 240 anos atrás, os resultados dessa falácia começaram a aparecer na forma de concentração de capital, proletarização do trabalho assalariado e aumento da desigualdade, aspectos muito estudados desde então. Hoje, é praticamente, um consenso: o capitalismo leva naturalmente à concentração e desigualdade (interessados podem ler Thomas Piketty) e, portanto, uma forma melhor de capitalismo seria se atentar à compensação dessa desigualdade e concentração, por natureza, injustas.

É nesse contexto que surgem socialismo, marxismo e comunismo, como tentativas de contornar esse sistema que não deu certo. No entanto, essas foram formas igualmente ou até mais falhas. Portanto, a chance de que haja um partido político tentando implantar o comunismo no Brasil é tão verdadeira quanto as evidências de que a terra é plana. Se você trabalha e recebe um salário por isso – e se, sem esse salário, você não consegue sobreviver por muito tempo -, você não é um capitalista e não será beneficiado pelos interesses dos capitalistas. Liberdade mesmo é não impor um modelo de vida às pessoas, de modo que elas possam transcender como acharem correto, desde que não interfiram na liberdade dos outros. E não há liberdade num sistema em que a ideia de renda mínima só passa a ser defendida depois que é percebida como geradora de votos.

Não existe hoje um partido sério que defenda o aborto, mas sim a sua legalização. Assim, nenhum pobre terá que morrer enquanto ricos fazem o mesmo procedimento no conforto e segurança garantidos por seu dinheiro. Não existe partido sério que defenda a legalização das drogas, mas pode haver a discussão dos prós e contras da regulamentação da cannabis, cientificamente associada a remédios promissores e potencial geradora de renda. Não existe partido que queira influenciar pessoas a serem homossexuais. Se essa “influência” fosse possível, pessoas não se suicidariam por ver sua sexualidade em desconformidade com a religião e a família. O sistema capitalista é o pior e o melhor sistema implementado em larga escala até hoje. Até mesmo os países reconhecidamente comunistas evoluíram para um sistema que aceita e assume algumas características eficientes do capitalismo, o que os levou ao crescimento e, em alguns casos, ao desenvolvimento econômico.

O que nós trabalhadores precisamos defender é que esse mesmo sistema gere equidade e possibilidade de mobilidade social para todos que trabalharem duro, e não um sistema em que os privilégios econômicos determinam os vencedores muito antes deles nascerem. Não pretendo realizar conversões, não pretendo convencer divergentes. Esta é a carta de um professor que acredita na educação e, principalmente, que acredita que só a educação pode transformar este país. Consciência política se constrói e este pode ser um pequeno primeiro passo. Interessados, posso recomendar livros e materiais de estudo.

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3 comentários em “Carta de um professor esperançoso”

  1. Walcir Soares Junior (Dabliu)

    Prezados, obrigado pelos comentários… Para quem quiser, recomendo os livros “O capital no século XXI” do francês Thomas Piketty, “Desigualdade, o que pode ser feito?” do britânico Atkinson, “As veias abertas da América Latina” do uruguaio Eduardo Galeano e “História das doutrinas econômicas” do Paul Hugon.

  2. Acredito na direita, mas tb concordo com você quando diz ser injusto um sistema em que os privilégios econômicos determinam os vencedores muito antes deles nascerem, precisamos de um governo que governe para todos, mas que carregue os princípios que nos trouxeram até aqui, Deus abençoe!

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