Após 20 anos, maior vazamento de óleo da Repar ainda corre na Justiça

Petrobras recorre da multa de R$ 610 milhões. Umas das maiores tragédias ambientais do PR, rompimento de oleoduto afetou os rios Barigui e Iguaçu

Há 20 anos, o Paraná registrava um dos maiores desastres ambientais de sua história. O rompimento do Oleoduto Santa Catarina–Paraná (OSPAR), duto ligado à Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), da Petrobras, em Araucária, causou o vazamento de uma enorme quantidade de petróleo, contaminando a bacia do Arroio Saldanha e os rios Barigui e Iguaçu. Mesmo após duas décadas, o caso ainda corre na Justiça.

Os quatro milhões de litros de óleo cru, que correspondem a 35 mil barris, se espalharam por quase 100 quilômetros, atingindo uma vasta Área de Preservação Permanente (APP) do Bioma da Mata Atlântica e causando prejuízos à flora, à fauna e à qualidade da água e do ar. 

De acordo com Roni Barbosa, membro da Comissão de Investigação do Acidente, do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro), após 20 anos, as consequências do vazamento ainda podem ser percebidas: “Ainda hoje tem petróleo brotando do solo no terreno da refinaria. Os danos são quase que permanentes.”

Para o professor do Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Lana, que participou do monitoramento de fauna na região, é difícil falar de impactos ainda presentes após tanto tempo, especialmente em uma região tão degradada que sofreu e ainda sofre tantas intervenções. “Os efeitos do óleo costumam ser agudos, as consequências são bastante perceptíveis dias, semanas ou até poucos meses após o vazamento. Vinte anos depois, é difícil discriminar o que é efeito do óleo e o que advém de outras fontes.” 

Sentença de R$ 610 milhões

Em outubro do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou condenação da Petrobras pelo vazamento de óleo cru ocorrido em 16 de julho de 2000. A sentença, resultante da ação conjunta proposta pelo Ministério Público do Paraná e pelo Ministério Público Federal, em parceria com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), condenou a petrolífera a reparar os danos ambientais e a pagar pelo menos R$ 610 milhões – valor a ser corrigido – em indenizações pelos prejuízos causados ao Meio Ambiente. 

O cálculo final dos valores será realizado na fase de execução da sentença, mas o Sindipetro prevê uma multa bilionária. Ainda cabe recurso da decisão aos tribunais superiores. De acordo com o Ministério Público (MP-PR), o montante deverá ser recolhido ao Fundo Estadual do Meio Ambiente e aplicado em ações de reparo dos danos e Educação Ambiental.

A sentença também incluiu o Município de Araucária como parte interessada na ação. Segundo Roni, a cidade “está tentando bloquear o terreno da refinaria para fazer a garantia dessa ação bilionária”.

O procurador-geral do município de Araucária, Simon Quadros, acompanha o caso e conta que o vazamento foi um grande trauma na cidade. “A refinaria da Petrobras é a maior empresa do Sul, e sempre representou um risco ambiental e de poluição na cidade. Curiosamente, em 2000 paramos de receber royalties de petróleo, estamos até hoje com uma ação no STJ, que seriam as compensações desses riscos. Veio o vazamento e o município não recebeu valores diretamente, apenas uma parte da multa ambiental.”

Simon considera boa a relação entre o município e a empresa. “Ela contribui com muito ICMS ao Estado. Araucária incorporou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no ordenamento jurídico local e a gestão foca fortemente num equilíbrio entre desenvolvimento econômico, ambiental e social. Sabemos que Petrobras também está alinhada aos ODS. Talvez isso estimule a um pagamento voluntário, sem precisar esperar uma ordem judicial. É uma expectativa.”

Vítimas humanas

O rompimento do oleoduto também fez vítimas humanas. De acordo com o Sindipetro, um funcionário que atuou na limpeza dos rios, apresentou uma série de enfermidades após o ocorrido e veio a falecer em outubro de 2010 em decorrência das doenças desenvolvidas pelo contato com hidrocarbonetos.

Outro trabalhador também teve complicações de saúde enquanto atuava na contenção e remoção do petróleo nos rios e ficou paraplégico. A Justiça reconheceu o nexo-causal em 2007. “Dez anos depois, após esgotados os recursos possíveis no processo, a Petrobrás implantou em folha de pagamento a pensão mensal vitalícia”, aponta o sindicato.

O Sindipetro acusa os gestores da Petrobras de “isenção em todos os aspectos, desde o tratamento aos terceirizados que atuaram na limpeza do óleo até a versão sobre as causas do acidente”.

Segundo os representantes dos petroleiros, a Comissão de Sindicância Interna formada pela Repar declarou que vazamento foi “decorrente da ruptura da junta de expansão localizada a jusante de uma das válvulas do sistema de controle de fluxo na área do ‘scraper trap’’. O “acidente foi produzido por falha humana” e a “extensão do vazamento foi decorrente da inobservância de procedimentos operacionais”. 

Já o relatório da Comissão Mista do CREA (Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado Paraná) nomeada para analisar o caso, diz o Sinpetro, contesta essa versão.

“A empresa pretende, mais uma vez, explicar evento de tal magnitude como mera consequência de erro humano e falha pontual de equipamento, quando salta aos olhos que há um processo de falhas e/ou fragilidades estruturais e organizacionais, o que inclui as decisões gerenciais, que explicam não somente este acidente, mas, com efeito, todos os demais ocorridos na Petrobrás nos últimos anos”. 

Para o Sindicato, o acidente evidenciou “o processo de sucateamento pelo qual a empresa passou ao longo dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, cuja intenção era privatizar a maior empresa brasileira”.

Alerta  

Fábrica da Repar, em Araucária. Foto: Petrobras

Duas décadas depois, a Repar ainda é motivo de preocupação. Para o Sindicato, o atual cenário é muito semelhante ao do início dos anos 2000. “A redução acentuada de verbas para manutenção industrial e a diminuição de postos de trabalho nas áreas operacionais são erros do passado que a gestão da empresa repete sistematicamente. O plano político de entregar à Petrobras para o mercado privado voltou com a eleição de Bolsanaro.”

O relatório anual de sustentabilidade da Petrobrás informa que os vazamentos de óleo e derivados saltaram de 18,4 m³ em 2018 para 415,3 m³ em 2019. Trata-se de um aumento de 2157%. Ainda de acordo com o Sindipetro, é o pior índice dos últimos dez anos da empresa.

“Para piorar, os números revertem uma tendência de queda que vinha acontecendo entre 2015 a 2018, quando os vazamentos caíram 74%. Mesmo assim, a gestão da petrolífera reduz bruscamente os recursos voltados à proteção ambiental.”

Petrobrás

A empresa afirma que, “imediatamente após o evento em 2000, a Petrobras iniciou voluntariamente as ações de recuperação ambiental, utilizando-se de técnica e profissionais de referência internacional. Tais ações vêm sendo implementadas nos últimos 19 anos sob a supervisão do IAP”. Também foram “implementados diversos programas com o objetivo de aumentar a segurança operacional do transporte por dutos, os quais colocaram a Petrobras como referência mundial nesse quesito, eliminando consideravelmente as chances de ocorrência de situações semelhantes.”

Sobre os aumento na quantidade de óleo vazado no país em 2019, a empresa explica que “as ocorrências na P-58 e na P-53, em fevereiro e março de 2019, respectivamente, são responsáveis pela maior parte do volume de vazamento observado no ano passado.” Nos dois casos, as ações de controle, que contam com operações de recolhimento, contenção e dispersão do óleo vazado, foram adotadas pela Petrobras e acompanhadas pela Marinha do Brasil, IBAMA, ICMBIO e pela ANP. 

A empresa informa que, após os incidentes ocorridos no início de 2019, instituiu o programa Operação Mar Azul, com o objetivo de evitar vazamentos de óleo com impacto ao Meio Ambiente. “O programa visa a aprimorar o acompanhamento das condições de integridade de todas as unidades marítimas de exploração e produção da companhia.”

A Petrobras diz adotar “as melhores práticas de gestão ambiental no exercício regular das suas atividades e tem como um de seus valores o respeito à vida, às pessoas e ao Meio Ambiente. Apesar de todas as medidas preventivas, caso ocorram incidentes, de imediato são verificadas as causas e utilizados todos os recursos disponíveis para a mitigação de possíveis impactos.”

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