Trunfo de “1917” é também seu maior ponto fraco

Filme do diretor Sam Mendes usa um longo plano-sequência para narrar a história de dois soldados com uma missão na Primeira Guerra Mundial

O diretor Sam Mendes dedica “1917” à memória de seu avô, Alfred, que lutou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O filme não é baseado em uma história real, mas em episódios que o velho Alfred contava para o neto. A história que Sam escolheu contar é extremamente simples: dois soldados, Blake e Schofield, recebem a missão de avisar um pelotão inglês sobre uma emboscada alemã na cidade francesa de Écoust-Saint-Mein. Se eles, por qualquer motivo, não cumprirem a missão, é certo que 1.600 homens morrerão. Entre eles, o irmão de Blake.

Dá para dizer que “1917” é sobre esse “qualquer motivo” que pode impedi-los de avisar os militares: uma série de barbaridades que ocorre pelo caminho, cruzando o espaço considerado terra de ninguém (a distância entre as duas frentes de batalha), passando por uma cidade-fantasma, percorrendo uma trincheira interminável etc. É quase uma missão suicida. E ninguém parece botar muita fé de que eles vão mesmo dar conta da tarefa.

Talvez ciente de que a história seria simples demais, Sam Mendes escolheu um jeito complicado de contá-la. O filme foi criado como um longo plano-sequência que acompanha os soldados, às vezes se revezando entre um e outro. Antigamente, o limite de duração de um plano-sequência era mais ou menos os dez minutos de uma lata de filme. Quando Alfred Hitchcock dirigiu “Festim diabólico” (1948), ele trocava o filme mirando a câmera nas costas de um personagem. Em “1917”, Mendes não tem essa limitação (uma vantagem das câmeras digitais) e há cortes, mas eles são sutis ou imperceptíveis. Ainda assim, é uma proeza para os atores (Dean-Charles Chapman e George MacKay, nos papéis principais) e para toda a equipe técnica atrás das câmeras (a fotografia de Roger Deakins é espetacular).

O problema é que o plano-sequência chama atenção demais. Optar por fazer o filme sem cortes foi como escolher contar uma história com um ponto de vista único, fazendo um percurso do ponto A ao ponto B. Então esse ponto de vista e esse percurso precisam ser bons. E a impressão é de que a história não ajuda.

Para começar, personagens mal falam entre si e você não chega a se interessar o bastante por nenhum deles. O roteiro de Mendes com Krysty Wilson-Cairns tenta acrescentar alguma profundidade à trama, criando episódios que poderiam iluminar os personagens ou a história, mas eles parecem forçados e lembram mais as fases de um jogo de videogame: nada é mais importante que o destino final. Os soldados entram em casas que não precisam entrar, desperdiçam um tempo valioso e tomam decisões ruins demais até para os padrões de um filme americano.

Existem momentos grandiosos em “1917”, mas que, ao mesmo tempo, são curiosamente vazios de emoção. E tudo fica meio sem sentido. Um pouco como o esforço dos dois soldados.

Serviço

“1917” estreia nesta quinta-feira (23) em várias salas de exibição. Consulte a programação de seu cinema preferido.

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