Desenhista Robson Vilalba constrói relato em quadrinhos sobre a queda de Dilma Rousseff

"Um Grande Acordo Nacional", publicado pela editora Elefante, mostra um processo que o autor não hesita em chamar golpe

O desenhista Robson Vilalba trabalhava como diagramador de jornal, mas sempre deu um jeito de ir além do desenho da página. Mineiro de Itabira e curitibano desde 2008, ele começou a fazer ilustrações, animações de vídeo e logo passou a vender umas ideias novas para seus editores: queria fazer jornalismo em quadrinhos. A ideia pegou e logo ele começou a fazer reportagens completas, principalmente ligadas à política e à história.

No ano passado, o projeto culminou com o lançamento de um livro sobre o processo que levou à queda de Dilma Rousseff. “Um Grande Acordo Nacional”, lançado pela editora Elefante, mostra um processo que Vilalba não pensa duas vezes antes de classificar como golpe. Diz que nem consegue conceber de outro modo: para ele, chamar aquilo de impeachment seria como não usar a palavra “Golpe” para definir o que ocorreu em 1964.

Leia a seguir, a entrevista que ele concedeu ao Plural.

Você está faz um tempo produzindo jornalismo em quadrinhos, algo não muito comum no Brasil. Quem foram suas inspirações?
Hoje já existem no Brasil alguns trabalhos bem consolidados e, entre eles, o da Carol Ito, que tem um trabalho fantástico; tem o Alexandre de Maio; e tem outros outros quadrinistas com um trabalho mais de crônica. E claro que tem também os cânones, tipo o Joe Sacco.

Por que você escolheu o tema do impeachment?
Comecei o trabalho de pesquisa ainda na época que eu trabalhava na “Gazeta do Povo”. E o fato de estar no interior de uma redação de jornal me ajudou muito porque eu fazia uma espécie de clipping diário dos acontecimentos relacionados ao processo do impeachment. E, ao mesmo tempo, ia entrevistando pessoas, entrevistando cientistas políticos, jornalistas, advogados… Falei com pessoas de várias áreas que me ajudaram a recortar os fatos que são retratados nos quadrinhos. Elas me ajudaram a perceber qual era a sequência de eventos que acabou culminando no afastamento da presidente Dilma.

O teu livro assume uma posição. Ele tem um lado. Fica claro já no título, “Um grande acordo nacional”. Por que você preferiu assim?
Engraçado quando você me diz que o livro tem um lado. Seria mais ou menos como se eu tivesse feito um livro sobre o golpe de 1964 e você me dissesse que eu tive um lado ao entender que o evento de 1964 foi um golpe e não uma contrarrevolução, ou qualquer coisa. Prefiro assim. O livro não tem o intuito de provar que foi um golpe, mas ele persegue os fatos de uma forma que, se você não conclui que é um golpe, no mínimo, conclui que forçaram a mão para haver um impeachment. E aí tendo em vista um processo tão delicado e tão dramático para a democracia como esse, é importante a gente discutir quais são os limites de uma ruptura democrática. A pergunta que mais ou menos fica é: o vice-presidente se aliar ao presidente da Câmara, a algumas lideranças de setores econômicos da sociedade e achar uma forma de tirar a presidente é democrático? Isso se chama impeachment? Hoje, é possível usar as ferramentas [democráticas] para deslegitimar um presidente eleito por voto popular da pior maneira possível. E quando a gente chama isso de impeachment, a gente legitima esse tipo de processo.

Como são esses trechos inéditos que estão saindo agora?
O livro teve um levantamento muito grande, inclusive uma série de entrevistas que eu cheguei a desenhar. O livro chegou a umas 250 páginas desenhadas. Só que o livro foi feito no calor do momento. Eu acabei organizando as coisas como elas apareceram para mim. Não havia uma trama, uma estrutura que amarrasse aqueles fatos. Depois que eu estava com esse material pronto, ele passou por uma série de decisões. Eu achei que seria melhor cortar umas partes para que o livro tivesse uma unidade. Alguns capítulos ficaram de fora porque não encaixavam naquela organização da narrativa e esses são os capítulos que agora estão entrando no site da editora Elefante.

Na sua opinião, até que ponto aquele momento de 2016 afeta o cenário que temos hoje, com Bolsonaro no poder e Lula no horizonte?
Acho que as consequências do processo que se iniciou ali foram o crescimento e a sustentação de uma extrema-direita – e uma extrema-direita que viu que era possível agir da maneira mais inescrupulosa possível sem que houvesse questionamentos de setores da sociedade. E houve um encadeamento de lideranças políticas que foram sucedendo uns aos outros. Começa com Aécio, passa pelo Temer, pelo Cunha e oportunamente cai na mão do Bolsonaro. O Bolsonaro foi uma opção que, naquele momento, era demandada, que era uma opção de completa ruptura do que existia. O que tudo indica é que essa ruptura fracassou e a opção que parece ganhar mais horizonte é uma opção conservadora, ou seja, aquele que foi o regime mais seguro que eu tive nos últimos anos, aquele que teve menos oscilações, mais estabilidade e aparece como opção.

HQs

“Um Grande Acordo Nacional”, de Robson Vilalba. Editora Elefante, 176 páginas, R$ 59,90. Ele está à venda no site da editora e, em Curitiba, na Itiban.

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