Mural de Poty sob o risco de ser demolido ganhou restauro profissional em 2017

Mural “Lendas Brasileiras”, pintado por Poty em uma casa do Batel, passou por restauração profissional com todos os cuidados técnicos

Há duas semanas, o Plural revelou que um mural do artista Poty Lazzarotto faz parte de uma casa prestes a ser demolida no bairro do Batel, em Curitiba. Especialistas ouvidos pela reportagem observaram que o painel de 3,6 metros por 2,4 metros havia sido retocado. E era preciso saber detalhes a respeito da restauração para avaliar a integridade da obra. No entanto, a autenticidade do painel não estava em questão: trata-se de uma obra feita por Poty (1924–1998).

Após a publicação da matéria no dia 20 de abril, profissionais responsáveis pelo restauro entraram em contato com o Plural. Para começar, o mural tem um nome: “Lendas brasileiras”.

Ele fica numa parede estrutural da casa que pertencia à dona Eunice da Paz. Para alguém que nasceu em 1972, o mural exibe um viço invejável. O tempo teria sido estranhamente generoso ao manter quase intactas as cores e os contrastes da pintura, feita no subsolo da construção. O espaço onde ficam as “Lendas Brasileiras” sempre esteve sujeito aos usos cotidianos de uma casa, que abrigou primeiro uma família e depois uma empresa.

Amadeu Colombo Cavalcanti tinha comprado o imóvel de Dona Eunice e o transformou na sede do Grupo Jufap, que atua nos segmentos de telecomunicações, produtos asfálticos e agropecuária. A empresa possui até uma usina solar, de acordo com informações de seu site oficial. Assim, o ambiente onde estava o painel de Poty passou a ser utilizado para treinamentos e reuniões. Com isso, ganhava “novos traços” assinados por esbarrões da mobília e limpezas bem intencionadas (mas nem sempre bem orientadas).

A restauração

Pontos restaurados do Mural de Poty
Áreas do Mural com perda de cor, com tamanhos entre 5 e 15 centímetros. (Foto: Ana Eliza Caniatti Rodrigues)

Foi o Grupo Jufap que contratou, para avaliar o estado e recuperar o mural, em 2017, a Caniatti Conservação e Restauro. O ateliê tem um portfólio de respeito, com restaurações em pinturas de Miguel Bakun, um dos pioneiros da arte moderna no Paraná; em telas de Guido Viaro, artista ítalo-brasileiro; e em murais e estuques da Igreja Matriz de Nossa Senhora Imaculada Conceição em Videira, Santa Catarina, assinados pelo pintor imigrante italiano Gildo Scaranari.

Após o mapeamento dos danos existentes, as profissionais Carolina Burigo de Mendonça e Ana Eliza Caniatti Rodrigues (que faz parte da Arco.it, a Associação de Restauradores e Conservadores de Bens Culturais) iniciaram a restauração propriamente dita. “Os danos se localizavam nas extremidades da pintura, onde era possível visualizar a perda da camada pictórica em pequenas áreas”, diz Rodrigues. Era onde o mural estava mais danificado: na base azul, e não nos desenhos em branco. “No restante, a obra apresentava pequenas manchas amarelecidas quem eram superficiais e puderam ser removidas com a higienização química da obra.”

Onde existia perda da camada de tinta, as restauradoras fizeram a proteção das bordas e o nivelamento e reintegração da cor com pigmentos minerais em resina. Todo o processo se deu conforme técnicas e produtos consagrados no segmento de restauração, com intervenções mínimas e, importante, todas elas reversíveis. “Esses produtos podem ser removidos sem que a obra sofra danos, isto é, o restauro não prejudica a integridade da obra”, diz Rodrigues. Tudo foi documentado e fotografado para compor o relatório técnico do processo, que ainda apresentou instruções para a preservação futura da obra.

Integridade da obra

Segundo o advogado Luiz Gustavo Vidal Pinto (ou Vidal, diretor do Museu Alfredo Andersen), a integridade da obra é respeitada quando se busca um restaurador competente e profissional. “Ninguém faz restauração para modificar a obra. Ao contrário, faz-se a restauração para buscar que ela [obra] volte ao seu estado original”, diz. Questionado sobre a interferência de um restauro nos direitos autorais, Vidal explica: “Não é preciso chamar a cada restauração o detentor do direito para dizer ‘sua obra está sendo restaurada’. Você pode chamar por uma questão ética.”

Estudo posterior

A autenticidade da obra nunca foi questionada por Rodrigues. “Não houve motivos para afirmar que a obra não tenha sido realizada pelo artista Poty Lazzarotto”, diz. Além disso, após a restauração, ela e o historiador Leonardo Matuchaki foram contratados pela Jufap para desenvolver um estudo sobre o mural, que envolveu pesquisas e entrevistas.

Agora, o mural “Lendas brasileiras” tem um futuro incerto porque o terreno onde está a casa é propriedade da construtora Porto Camargo e servirá de base para um prédio. A remoção da parede é uma possibilidade, mas trata-se de um procedimento caro e arriscado.

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