Conheça a corrente de leitura antirracista

Em Curitiba, projeto passa de 'mãos em mãos' e usa literatura e solidariedade para combater o racismo

“A luta antirracista não é uma luta que vai ser realizada apenas pelo povo negro. Precisa existir um esforço de toda a população, até porque o racismo é uma questão estrutural a qual todos estamos condicionados”. Foi a partir desse pensamento que a professora de inglês Maria Frigotto decidiu criar o Mãos em Mãos, uma corrente de leitura antirracista. 

Já faz alguns anos que Maria costuma se manifestar nas redes sociais no Dia da Consciência Negra. No ano passado, motivada pelos protestos que surgiram por conta do crime cometido contra George Floyd, nos Estados Unidos, Maria resolveu tentar mostrar às pessoas que o racismo é um problema coletivo.

“Eu comecei a pensar em um jeito de influenciar as pessoas que trouxesse esse incentivo de elas continuarem falando sobre a causa e não esperar sempre acontecer uma tragédia ou o Dia da Consciência Negra para isso”, afirma a idealizadora do projeto. 

Ela conta que, inicialmente, era para ser apenas uma ação em seu perfil pessoal no Instagram, mas, com a ajuda de um amigo publicitário, o projeto se ampliou e em 20 de novembro de 2020 nasceu, oficialmente, o ‘Mãos em Mãos’

A iniciativa, que segue a ideia de uma corrente de leitura, tem uma única condição: para receber o livro é preciso se comprometer a passá-lo para frente. “O objetivo é que as pessoas leiam esse material e escolham, a partir do critério delas, a próxima pessoa para ler. Atrás [do livro] existe um espaço para assinaturas e a gente pede sempre para que na hora do repasse as pessoas tirem uma foto entregando o livro nas mãos de outra, para mostrar como a corrente segue”, explica a professora.

Foto: Arquivo pessoal

Na primeira ação do projeto, em novembro de 2020, foram distribuídos 22 exemplares do Pequeno Manual Antirracista, da filósofa Djamila Ribeiro – todos comprados pela educadora e o amigo. 

Segundo Maria, a escolha da obra de Djamila partiu do fato de muitas pessoas ficarem confusas a respeito do lugar delas na luta antirracista. “Às vezes, as pessoas não sabem como se posicionar, não sabem como participar da luta que é de outro, porque elas não têm aquela vivência, não faz parte dos problemas delas”, explica.

Ela destaca que é comum o uso equivocado do termo ‘lugar de fala’, o que acaba causando a confusão. “A própria autora do termo, a Djamila Ribeiro, já explicou que todos nós temos um lugar de fala, todo mundo fala de um lugar, todas as pessoas podem falar sobre racismo a partir de experiências e perspectivas diferentes”, afirma.

O projeto não para por aí. Sobre o futuro do ‘Mãos em Mãos’, Maria diz que pretende distribuir uma nova leva de livros em março deste ano e que está pensando em uma maneira das pessoas contribuírem financeiramente para que sejam arrecadados cada vez mais livros.

“A gente acredita que deve ser um conhecimento levado para todas as pessoas, mas além de só se beneficiar para ajudar com esse conhecimento, tem pessoas que podem se empoderar dele também. É um desejo nosso levar para pessoas negras, para que elas possam compreender o racismo e poder se defender dele”, explica.

Foto: Arquivo pessoal

Para Maria, além de gerar debate em torno da discriminação racial, um dos objetivos do projeto é difundir a compreensão do racismo como um problema estrutural e não apenas individual. “Às vezes você aponta que uma pessoa está sendo racista e ela tem uma resistência muito grande para aceitar isso porque ela leva como se fosse uma ofensa, como se fosse uma coisa sobre ela. Mas eu acho que quando as pessoas entendem que é estrutural e que precisa de uma descolonização do conhecimento, de uma desconstrução de mentes e de um esforço para mudar questões objetivas dentro do nosso emprego, dentro do nosso vocabulário, dentro do conteúdo que a gente consome, começa a surtir um efeito”, conclui.   

Laura Luzzi, de 23 anos, conta que decidiu participar do ‘Mãos em Mãos’ porque viu no projeto uma oportunidade de poder entender melhor a discriminação racial e passar o conhecimento adiante. “Eu, como uma pessoa branca, entendo e reconheço que eu faço parte [da cultura racista]. A gente cresce sendo racista e só quando reconhecemos isso é que podemos começar a mudar”, afirma. 

A educadora física, que já repassou o Pequeno Manual para uma amiga, também vê a iniciativa como uma maneira de estimular as pessoas a lerem autores(as) negros(as). “Eu entendo que eu preciso ouvir essas pessoas, o que elas sofrem, o que elas passam, mas também consumir a arte delas pela arte, não necessariamente sobre racismo”.

Foto: Arquivo pessoal

Maria Vitoria Vidal, de 20 anos, relata que quis conhecer mais sobre o racismo depois que o movimento internacional do Black Lives Matter reivindicou o espaço central nas discussões sociais no ano passado. “Acho o projeto mega importante porque cumpre duas funções que, pra mim, são essenciais: conscientizar a população a respeito das pautas e lutas dos grupos oprimidos e também incentivar a leitura como meio de acesso à informação”, afirma. Segundo ela, o livro está passando por todas as mãos da casa antes de chegar a uma amiga que se interessou pelo projeto.

Transformando a experiência solitária de ler um livro em uma ação coletiva, o ‘Mãos em Mãos’ é uma forma de unir diferentes pessoas para lutar uma luta que é de todos. 

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

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