O chimarrão que você toma é doce ou mais amargo? E o sabor é herbáceo ou terroso? Qual o perfume: floral ou especiado? Talvez você nunca tenha parado para refletir sobre as características sensoriais do chá-mate, simplesmente sempre sorveu a bebida por hábito e prazer.
Mas talvez você tenha reparado que a sua marca favorita de erva-mate às vezes tem gosto diferente. Isso ocorre porque a falta de padronização na indústria ervateira é comum, o que resulta em produtos finais com características sensoriais alteradas.
Agora, um estudo inédito desenvolvido por Rossana Catie Bueno de Godoy pesquisadora da Embrapa Florestas, em Colombo, na região metropolitana de Curitiba, pretende melhorar a cadeia produtiva e a experiência do consumidor trazendo informações precisas sobre sabor e aroma do chá-mate.
Por falta de infraestrutura no Brasil, a pesquisa foi realizada no Sensory and Consumer Research Center da Universidade do Estado do Kansas, nos Estados Unidos, centro de pesquisas especializado nesse tipo de análises sensoriais.
Um painel de julgadores experientes e treinados avaliou 18 amostras de chá-mate comercializadas em várias regiões do Brasil, incluindo marcas famosas, regionais, produtos orgânicos e amostras provenientes do programa de melhoramento genético da Embrapa Florestas.
O resultado foi a elaboração de um dicionário com 39 atributos que definem todas as características sensoriais do chá-mate, como cor, aroma e sabor. Ou seja, pela primeira vez, a bebida ganhou léxico próprio, assim como já ocorre no mundo do vinho, café e cerveja.
“O desenvolvimento de um léxico representa um dos primeiros passos para a melhoria da classificação do chá-mate, e de sua padronização no mercado, ações que irão se refletir na fidelização dos consumidores, que terão condições de escolher produtos de acordo com sua preferência,” explica a cientista.
O chá mate, de maneira geral, foi percebido como um produto de aroma e cheiro amadeirado, sabor adstringente (que amarra a boca), amargo, adocicado com notas de especiarias (cravo da índia) e ervas verdes. Veja no final do texto a descrição de todos os 39 atributos.
O impacto na cadeia da erva-mate
A expectativa dos pesquisadores é que o léxico do chá-mate revitalize toda a cadeia produtiva da erva-mate. A indústria, por exemplo, vai poder se beneficiar com a reclassificação de seus produtos.
Cultivadores da erva-mate poderão produzir o chá tendo como alvo as características desejadas para a bebida. Já os fabricantes poderão empregar os atributos para diferenciar produtos, categorizar a matéria-prima, otimizar processos e desenvolver novos produtos.
“Na elaboração do chá-mate, a temperatura e o tempo utilizados na etapa de tostagem são de suma importância na formação de aromas, como ocorre no café. Tudo isso vai se refletir no perfil sensorial do produto final. A variabilidade, ainda, gera dificuldade para fidelizar o consumidor, implantar sistemas de rastreamento e para obter selos de certificação, que agregam maior valor ao produto e criam uma identidade específica”, diz Rossana.
Por fim, os consumidores poderão encontrar no mercado embalagens que trazem as características daquela erva-mate: se é mais ou menos floral, tem toque defumado, se é doce, amarga e por aí vai.
“A ideia é usar todas essas informações para ajudar a organizar o setor ervateiro, uma vez que a heterogeneidade dos produtos finais sempre foi um gargalo nessa cadeia produtiva. Muitos problemas de diferenças de lotes acontecem por falta da classificação sensorial dos produtos e para isso é necessário o léxico”, completa a pesquisadora.
Confira o dicionário da erva-mate*
Aparência
Brilho: indica a pureza da cor e varia de opaco e turvo a puro e cor brilhante.
Cor: avaliação visual que vai do claro ao escuro
Aroma/atributos
Cinzas: aroma seco, empoeirado e sujo associado a fumaça e resíduos de queimado
Papelão: aroma de papelão ou embalagem de papel.
Verde escuro: aroma e sabor fortes e pungentes associados ao frescor de plantas verde e vegetais como salsinha, espinafre e ervilha
Floral: perfume doce, leve e sutil de flores
Verde: aroma fresco, sutil e doce de grama cortada
Mofado/terroso: aroma doce e mofado geralmente associado a solo úmido e/ou húmus
Semelhante ao petróleo: aroma químico de petróleo e produtos derivados
Defumado: aroma agudo e pungente produzido pela combustão de madeira, folhas ou outros produtos
Especiarias escuras: mistura de aromas de especiarias escuras, doces e levemente picantes
Palha: aroma seco e levemente empoeirado como de caules secos, caracterizado pela ausência de verde
Doce: aroma associados a substâncias doces
Amadeirado: aromas escuros, mofados e doces associados à casca das árvores
Gostos básicos
Amargo
Doce
Sabores/atributos
Cinzas: sabor seco, empoeirado e sujo de defumado associado a gosto residual de produtos queimados
Papelão: sabor associado a papelão ou papel de embalagem
Verde escuro: aromas e sabores fortes e pungentes associados a plantas e vegetais verdes como salsinha, espinafre e ervilha
Floral: toque levemente perfumado e doce que remete a flores
Verde: aroma levemente adocicado de grama cortada
Mofado/terroso: sabor doce e mofado como de terra úmida e húmus
Mofado/empoeirado: sabor de sujeira associado à terra seca
Semelhante ao petróleo: aroma químico associado a petróleo e derivados
Defumado: aroma agudo e pungente produzido pela combustão de madeira, folhas ou outros produtos
Especiarias escuras: mistura de aromas de especiarias escuras, doces e levemente picantes
Palha: aroma seco e levemente empoeirado como de caules secos, caracterizado pela ausência de verde
Doce: aroma associados a substâncias doces
Amadeirado: aromas escuros, mofados, doces associados à casca das árvores
Sabor/sensação trigeminal**
Adstringente: sensação de boca e língua secas e amarradas
Metálico: sensação leve de metal oxidado como ferro, cobre ou prata
Gosto residual: o que permanece na boca
Amargor: associado a substâncias amargas
Verde escuro: aroma e sabor forte e pungente associado ao frescor de plantas verde e vegetais como salsinha, espinafre e ervilha
Verde: aroma levemente adocicado associado a grama cortada
Defumado; aroma agudo e pungente produzido pela combustão de madeira, folhas ou outros produtos
Especiarias escuras: mistura de aromas de especiarias escuras, doces e levemente picantes
Doce
Textura
Sensação de boca, língua e garganta adormecidas
*Fonte: Development of a preliminary sensory lexicon for mate tea, de Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas, Edgar Chambers e Gongshun Yang, do Center for Sensory Analysis and Consumer da Universidade estadual de Kansas.
** Sensações trigeminais não são classificadas como sabores propriamente ditos e também não são sensações táteis. Um exemplo é o picante, sensação captada pelo nervo trigêmeo. O picante, portanto, não é um sabor, e sim uma sensação trigeminal.
Bem interessante. Só não entendi (mesmo!) porque foram fazer avaliação de mate em outro país, sendo que somos não só os maiores produtores, mas os maiores tomadores e de todos os jeitos possíveis, desde sempre e de antes de sermos Brasil, e tendo aqui os sistemas, estrutura e pessoal treinado para avaliações desse tipo reconhecidos mundialmente (veja por exemplo as avaliações de café, vinhos, destilados e outros, para os quais o Brasil é referência reconhecida mundialmente). Será que os gringos são melhores que nós, ou nós que temos complexo de inferioridade ? (Ou é falta de competência e visão estratégica para avaliar o que é realmente importante antes de fazer um trabalho desses?)
Como expliquei no texto, de acordo com as informações que a própria Embrapa forneceu: “Por falta de infraestrutura no Brasil, a pesquisa foi realizada no Sensory and Consumer Research Center da Universidade do Estado do Kansas, nos Estados Unidos, centro de pesquisas especializado nesse tipo de análises sensoriais”.
Boa noite! Este dicionário já foi publicado? Onde posso conseguir para repassar aos produtores de erva da região.
Olá Daniele, o estudo foi publicado na revista da Universidade de Kansas, mas não pode ser baixado livremente: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/joss.12570
Sugiro que você entre em contato com a Embrapa que participou do estudo.
Obrigada pelo retorno Andrea!