A prefeitura de Curitiba coagiu servidores a doarem para a campanha de Eduardo Pimentel (PSD), candidato apoiado pelo prefeito Rafael Greca e pelo governador Ratinho Júnior. Áudios de uma reunião, obtidos pelo Plural, mostram o momento em que o superintendente de Tecnologia da Informação da Secretria da Adminitração, Antonio Carlos Pires Rebello, diz a servidores com cargos comissionados que eles precisam comprar cotas de R$ 750 a R$ 3 mil para um jantar de campanha de Pimentel, sob risco de perderem suas funções gratificadas.
Durante a reunião, Rebello diz que “recebeu uma incumbência” e cita o secretário municipal de Administração, Alexandre Jarschel de Oliveira, que teria recebido 150 cotas do jantar para arrecadar fundos. Rebello afirma que Oliveira recebeu “o pessoal da campanha do Eduardo” e chega a ameaçar de demissão um servidor que disse estar sem dinheiro e chorou durante a reunião. O superintendente estabelece três cotas, nos valores de R$ 750, R$ 1.500 e R$ 3 mil, de acordo com o cargo ocupado pelos servidores. O jantar de adesão à campanha de Pimentel foi realizado no dia 3 de setembro, no restaurante Madalosso.
O áudio em que Rebello pede a doação de R$ 3 mil foi publicado pelo jornalista Guilherme Amado, no jornal Metrópoles. No áudio completo, obtido pelo Plural, Rebello diz que ele e mais 11 servidores deveriam “doar” R$ 3 mil; outros cinco teriam que destinar R$ 1.500; e dois deveriam repassar R$ 750 para a campanha de Pimentel. Rebello diz ainda que as transferências não poderiam ser feitas por pix (o que poderia deixar rastros). “Detalhe: o nosso caso, quem tem FG5 e FG6, não pode fazer o pix direto. Tem que pedir por exemplo para alguém fazer, sua esposa”. Os cargos FG5 e FG6 são de confiança, com salários de R$ 12.071,07 e R$ 18.861,15, respectivamente.
“Recebi uma incumbência e não tem como não fazer. O Alexandre (Jarschel de Oliveira, secretário de Administração) recebeu o pessoal campanha do Eduardo e vai ter um jantar e todo mundo que pode colaborar com o jantar vai precisar fazer. Não é pouco, não é baixo, mas já veio determinado como vai ser. Não tem como negociar isso”.
Antonio Carlos Pires Rebello, superintendente de Tecnologia da Informação da prefeitura, em reunião com servidores.
“Tá muito descarado esse negócio”
Uma servidora que participou da reunião contestou a ordem e disse que se tratava de um ato ilegal. “Eu nunca vi isso em 30 anos de prefeitura. Eu nunca vi isso, ser obrigado a pagar. Ser obrigado a trabalhar, a questionarem cargo em comissão, isso e aquilo, tudo… Mas pagar, gente, está ficando muito descarado esse negócio. Deus que me perdoe, mas está ficando muito descarado, nunca tinha visto isso e sinceramente…” Um servidor brinca e diz que se tratava de um “convite para o jantar”. “É uma intimação”, responde outro comissionado.
Rebello responde então que a campanha de Pimentel optou por exigir as “doações” aos invés de fazer caixa dois. “Ou faz assim ou faz caixa dois”. Segundo ele, não seria um ato ilegal.
“Gente, isso aqui é muito sério. É sério porque tem um lado que eu concordo com o que ela falou, mas tem o outro lado que não somos nós que determinamos isso. Isso aqui sempre foi feito. Não que vocês pagassem, alguém pagando por vocês. Isso aqui é ajuda para a campanha, não tem jeito. Ou faz assim ou faz caixa dois, ou faz outras coisas. Ele achou melhor fazer pelo jeito mais certo, que é cada um ajudando”.
Antonio Carlos Pires Rebello, superintendente de Tecnologia da Informação da prefeitura, em reunião com servidores
A servidora que tinha se manifestado anteriormente contesta e diz que, se a doação fosse legal, poderia ser feita por eles mesmos via pix, sem precisar de outra pessoa. “É ilegal. É ilegal porque você está obrigando as pessoas a contribuírem, você não pode nem comprovar, ‘olha, eu contribuí de bom grado para a campanha de fulano de tal’. Se você pudesse contribuir de bom grado, você poderia fazer o pix”.
Na sequência, o superintendente diz que o secretério Alexandre Jarschel de Oliveira tinha recebido 150 convites para o jantar e repassado 100 para ele – o que abre a possibilidade para outros secretários municipais terem recebido ordem semelhante. “O Alexandre recebeu 150 convites para ele resolver. O que passou para mim, para a Alessandra e para a Luciana não dá 100. Então ele tem um problema maior para resolver. E não pode ser uma doação, o cara tira do bolso assim… isso aqui é registrado. Uma coisa pior ainda é que isso tem que ser pago até sexta-feira agora”, afirma Rebello. “Pelo menos cai o salário”, interrompe um dos participantes. “Esse é o lado bom”, responde o superintendente. No diálogo, ele se refere a Alessandra Paluski, superintendente de Administração da secretaria, e Luciana Varassin, superintendente de Gestão de Pessoal da pasta.
Choro e ameaça
Durante a reunião, os servidores vinculam a manutenção de seus cargos à vitória de Eduardo Pimentel nas eleições. “Se ele ganha nós estamos mantidos no cargo então”, diz um deles. “Não garante nada”, responde a servidora. “Isso ajuda a gente a continuar”, afirma Antonio Carlos Pires Rebello. No fim do encontro, um servidor diz que não terá condições de pagar, chora e é ameaçado de demissão. Confira o diálgo entre o servidor e Rebello:
Servidor – Não vai rolar não.
Rebello – O que não vai rolar?
Servidor – Não vou conseguir pagar. Não tem como pagar. Para qualquer coisinha muito menor do que isso eu estou buscando parcelar o meu cartão, você acha que tem condições? A prefeitura me deve há três anos por força de decreto que devia pagar e não paga.
Rebello – Esta postura é excelente. É excelente você colocar isso na mesa.
Servidor – Estou colocando a real.
Rebello – Então coloque e assuma.
Servidor – Estou assumindo. Se o próprio Alexandre (secretário), como você sabe, me puniu por estar (inaudível)…
Rebello – Eu não quero ouvir mais (…). Eu não quero ouvir. Eu não quero te ouvir mais.
Servidor – Eu estou me ferrando em casa.
Rebello – Cada um tem os seus problemas.
Servidor – Cada um tem os seus problemas, mas o que é por força de decreto (inaudível)…
Rebello – Que decreto, aquele negócio não vale aquilo que você está falando, ele deveria ser estudado…
Servidor – A gente fica sofrendo em casa com a família…
Rebello – Eu não vou discutir com você, porque se eu discutir com você eu vou te mandar embora.
Servidor (chorando) – Manda embora. Então manda. Palhaçada, a gente fica passando necessidade em casa e aí vêm querer cobrar R$ 700 da gente. Não pagam nem o que devem.
Rebello – Você quer colocar um problema seu, da vida tua agora nessa reunião. Você quer resolver o teu problema aqui nessa reunião.
Outro participante interrompe a discussão e tenta acalmar o servidor. “Fica tranquilo, cara. Toma uma água aí. Fica tranquilo, fica sossegado, calma. Não fica nervoso não, cara”, diz o servidor. “Está passando mal. Está quase desmaiando”.
Jantar de arrecadação
No início do mês passado, o site de campanha de Eduardo Pimentel admitiu que o jantar do dia 3 de setembro no restaurante Madalosso tinha como objetivo a arrecadação de fundos. O evento teria reunido mais de 2 mil pessoas, entre “empresários e as principais lideranças políticas do Paraná”. “O evento, que lotou o salão do tradicional restaurante Madalosso, em Santa Felicidade, contou com a presença de cerca de 2 mil pessoas”, diz o texto.
O jantar reuniu o governador Ratinho Júnior e o prefeito Rafael Greca, entre outras lideranças políticas. “No palco, ao lado de Eduardo, estavam sua esposa, Paula Mocellin, e figuras de destaque como o governador Carlos Massa Ratinho Junior e a primeira-dama do estado, Luciana Saito Massa, o vice-governador Darci Piana, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, o candidato a vice-prefeito Paulo Martins e o ex-governador do Paraná, Paulo Pimentel, avô de Eduardo, entre outras lideranças políticas”, afirma a campanha de Pimentel.
Superintendente é exonerado
Em nota, a prefeitura de Curitiba disse “repudiar” qualquer tipo de constrangimento a servidores e informou que Antonio Carlos Pires Rebello foi exonerado. Segundo a prefeitura, os fatos serão “apurados com o rigor necessário”. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria da Administração, Rebello agiu com base em seu “julgamento pessoal”. “A prefeitura esclarece ainda que a atitude do servidor em questão teve como base seu julgamento pessoal, sem orientação ou anuência da Secretaria de Administração, Gestão de Pessoal e Tecnologia da Informação, ou de outra instância da prefeitura”.