olhando os prédios atrás dos prédios

dois policiais colocaram máscara quando suspeitaram do tabaquinho, uma mulher de avental e toca fortaleceu a brasa, o uber disse pra ficar ligeiro perto da cracolândia, o porteiro deu a letra de não vacilar na porta, pediram desculpa no mercado quando o carrinho deu no meu tornozelo, o caixa cobrou doze centavos por sacola, o cara mangueando na rua falou que conhecia meu pai, respondi Laroye. muita gente em situação de rua. muita. muita gente. do décimo primeiro andar do airbnb dava pra ver a ferrugem roendo a cúpula da igreja e domingo a Fernanda não acordou com os sinos. o check-in foi sábado à noite. ralamo terça cedo.

o centro histórico de sp é tipo um centro cívico no que diz respeito a ser mais comercial mas é como se tudo tivesse sido construído há mais tempo. até chegarmos na estação da luz contei papo de dezesseis pessoas adultas deitadas na calçada. nenhuma criança. criança dormindo na rua me arrebenta mais e pra muita coisa não faço questão de ser forte. fizemo questão de ir no museu da língua portuguesa, aí pastel e caldo de cana com caju na feira, uma caixinha de uva pra comer de noite na cama. dormíamos de janela aberta. andávamos o dia todo. na caminhada da feira até a avenida paulista, a gente passou pelo viaduto do clipe da Luedji Luna, pelas ruas das letras do Belchior, pelas crônicas do Adoniran Barbosa, do Rodrigo Ogi, pelos dramas dos Racionais. toda cidade tem sons. muitos dos de sp são do nordeste e do norte.

meiamo um taco na barraquinha da avenida paulista e entramo no masp de barriga cheia. Fernanda ficou emocionada vendo o trampo da Tarsila, eu fico emocionado quando o olho dela enche. três da tarde chegou voando vendo tanta parada massa e papo de quatro e vinte entramo na fila da Carolina Maria de Jesus. o instituto moreira salles foi o museu com mais gente preta vendo as exposições. nos outros também tinha só que mais trampando do que passeando. saí meio baqueado de lá. de cabeça erguida, mas baqueado. outra fita que me arrebenta são essas histórias de pessoas que comem o pão que o diabo amassou em vida e que depois, só depois da morte, têm seus trabalhos reconhecidos com seriedade. como dizia o letreiro neon na parede vermelha da instalação, UMA MULHER NEGRA FELIZ É UM ATO REVOLUCIONÁRIO. a exposição tem registros raros e/ou pouco divulgados da poeta, romancista e letrista mineira. em várias fotos Carolina aparece sorrindo.

aí segunda foi de boa. passamo pela 25 de março pra chegar no mercado municipal e lá uma bandejinha de fruta deu 189 conto. eu e a Fernanda se olhamo bem, viramo pro moço e negativo com a cabeça. não era o 1kg que custava vinte. era as cem gramas. meiamo um sandubão de mortadela no almoço (40 conto), canelamo até a estação são bento e de lá só duas paradas até chegar na liberdade. metro é daora demais. parece outro país. o japão só conheço por filme e pelos stories de um chegado que foi pra lá trampar. se pa naruto é pra galera millenium tipo o que pokemón foi pra nóis que é cringe. antes de se chamar liberdade, a região era conhecida como bairro da pólvora e lá ficava o cemitério de pessoas escravizadas, o pelourinho, a forca, a igreja dos aflitos. quando transferiram os enforcamentos, o local foi renomeado para largo da liberdade. a partir de 1912 que a maior comunidade japonesa fora do japão começou a ser formada. voltamo de lá meio correndo: o sandubão não me fez bem.

aí aeroporto, chegamo em baia, Fernanda passou café antes de entrar no trampo, eu tirei a calça, botei a berma, virei um copão d’água e entrei no fusca. por semana vou uma vez de bonde, duas de barca e três de bike. até o museu dá papo de 10 km. 40tão o estacionamento. negociei uma vaga de mensalista antes de ser transferido porque 80 + gasolina dá quase o que recebi de aumento. aumento é tipo olimpíadas de inverno: de quatro em quatro anos e o brasil não tem tradição. na esquina da sete de abril com a amintas de barros, um piá tava com as mãos nos joelhos equilibrando outro piá que fazia malabares com três bolas. quinze anos no máximo mas pareciam adultos. fortaleci com a grana que tinha. o sinal abriu. duas quadras pra baixo, a amintas de barros dá na reitoria. bacharéis em humanas saem dali.

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