Abandonado num sebo

A troca de – correspondências – cartas entre intelectuais e mesmo pessoas comuns – no passado – acabou por gerar uma série de documentos que possibilitou desvendar e documentar vários temas em vários períodos históricos. Essas cartas após pesquisas geraram muitos livros. Dois exemplos: a correspondência entre Marx e Engels e a entre os intelectuais Ángel Rama e Antônio Cândido, sobre cultura e sociedade latino americana, entre 1960 e 1983.

Não sei se mais alguém tem, mas tenho a impressão que hoje, ao não se trocar mais cartas, ficará comprometida a literatura e a pesquisa de períodos históricos.

Quem vai guardar e-mails e mensagens feitas através dos aplicativos?

Tenho a impressão que só salvará este tipo de mensagens aquelas pessoas que têm interesse pessoal em fazer chantagem a alguém ou guardar como prova para se defender de algum ataque criminoso.

Assim como não há mais trocas de correspondências também não há cartas, ou diminuição das mesmas para as redações de jornais e revistas, até porque estão desaparecendo.

Como tenho recebido algumas mensagens ‘privadas’, via WhatsApp, comentando as crônicas aqui publicadas, acho por bem, mesmo com críticas domésticas, após autorização, claro, torná-las públicas. Só não decidi se intercalarei uma – crônica – sobre as ‘cartas’ entre duas sobre dedicatórias ou farei em ritmo de bolero: dois pra lá dois pra cá, ou seja, duas comentando dedicatórias e duas sobre as mensagens.

Me esforçarei para decidir antes da próxima crônica e, se não decidir, na prática você constatará.

Vamos para as ‘cartas’.

A Ellen Rinaldi escreveu: Gostei Dr Rosinha tb acho q não escrever dedicatórias é uma boa saída para não sermos abandonados em um sebo (digo os livros).

Mas eu gosto tanto de fazer dedicatória…kkkkkk.

Se abandonado num sebo, com banheiro a disposição e com liberdade de ler, até suportaria um dia, depois dependendo do ambiente seria sufocado pelos fungos. Eles adoram sebos.

Quanto ao risco de ter uma dedicatória minha a alguém abandonada num sebo é fatal que isso, se já não ocorreu, venha a ocorrer: já fiz muitas dedicatórias e, sinceramente, algumas piegas e outras, imagino, horríveis.

Em correspondência, ainda, pela primeira crônica – Dedicatórias – aqui publicada, recebi [18/06/2020] do Vanderlei Sartori.

Amigo Rosinha:

Fazer uma dedicatória é entregar-se sem medo ao sentimento que se vive no exato momento que ela é escrita. Há dedicatórias que são, inclusive, puxões de orelha, recados, declarações de amor, etc…

Quando se trata dessa última realmente compreendo a sua incompreensão/insatisfação com o abandono ou o desapego do presenteado. É mesmo como se fosse a declaração do fim do amor, às vezes até dito eterno. Para esse seu sentimento e para tentar convencê-lo a continuar fazendo suas dedicatórias e, por assim dizer, continuar entregando-se, sem medo das prateleiras dos sebos, aos “amores eternos”, recomendo-lhe um poema do Vinícius que ao falar do amor diz o seguinte:

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento.

Reproduz o soneto todo e termina com um

Abraço

O Fernando Tozi ao tomar conhecimento da minha iniciativa: escrever crônicas sobre dedicatórias mandou um recado curto:

Queria mesmo que estivesse inaugurando o Governo do Estado. Que falta faz um médico.

No momento em que o Covid-19 matou mais de 100 mil pessoas no nosso país, não só médicos/as estão fazendo falta, mas fundamentalmente faz falta governantes comprometidos com o povo pobre e trabalhador. Governantes que respeitem a ciência e a vida. Estão fazendo falta a solidariedade e o sentimento de humanismo.

Mas volto às dúvidas iniciais: será que no futuro teremos livros com o título Troca de e-mails entre fulano e sicrano?

Já que as pessoas, hoje, não escrevem mais cartas me pergunto: será que as dedicatórias, no futuro, servirão para algum tipo de pesquisa histórica ou literária para medir os sentimentos humanos deste período?

Pergunto por que me parece que sentimentos estão deixando de existir.

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