Proibir a circulação ou a leitura de livros é uma prática que carrega consigo o peso de uma história sombria, permeada autoritarismos e censura que, em sua essência, visam controlar o pensamento, a cultura, o pluralismo e a liberdade de expressão das sociedades. A recente notícia sobre a restrição do livro “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório, adotada pela Secretaria de Educação de nosso Estado, levanta sérias questões sobre a incompatibilidade com a democracia e direitos humanos que tal ato representa.
Em primeiro lugar, contraria os princípios básicos de liberdade de expressão, pluralismo, diversidade e de acesso à cultura, que são pilares constitucionais. Além disso, a proibição de “O Avesso da Pele” levanta preocupações profundas sobre o cerceamento do debate público e a discussão de questões sociais cruciais abordadas na obra, como o racismo, a discriminação e a busca por identidade.
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A literatura, em sua essência, é uma forma de exploração da condição humana, oferecendo perspectivas diversas que são essenciais para a evolução do pensamento crítico e da empatia na sociedade. Limitar o acesso a obras que provocam reflexão é, portanto, um ato que, além de ser flagrantemente inconstitucional, empobrece cultural e intelectualmente a população.
A decisão de excluir um livro também ignora a importância do diálogo e do confronto de ideias como mecanismos de aprendizado e crescimento. Em uma era marcada pela pluralidade de vozes e pela luta constante contra as formas de opressão, medidas como esta representam um retrocesso alarmante.
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Além dos aspectos legais e morais, a proibição é uma medida ineficaz no que diz respeito ao controle da informação. “O Avesso da Pele” continuará a ser discutido e compartilhado, talvez até com mais vigor, dada a notoriedade que a proibição traz. Este efeito demonstra como tentativas de censura podem, paradoxalmente, ampliar a visibilidade e o impacto da obra censurada; ainda bem! É fundamental discutir racismo numa sociedade profundamente discriminatória como a nossa, o movimento de banimento do livro apenas é diagnóstico do que se afirma!
É momento de reafirmar a importância da literatura como espelho da sociedade, capaz de revelar as diversas camadas da experiência humana e estimular a reflexão crítica. A defesa da literatura e da liberdade de expressão não é apenas uma questão de direito constitucional, mas também um compromisso com a manutenção da democracia, da diversidade cultural e do desenvolvimento inclusivo da nossa sociedade.
Sobre o/a autor/a
Melina Girardi Fachin
Professora Associada dos Cursos de Graduação e Pós Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós doutoramento pela Universidade de Coimbra no Instituto de direitos humanos e democracia (2019/2020). Doutora em Direito Constitucional, com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Visiting researcher da Harvard Law School (2011). Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Autora de diversas obras e artigos na seara do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos. Advogada sócia de Fachin Advogados Associados.