Empurrando o céu: uma nova perspectiva para os Direitos Humanos em tempos de catástrofes

A concepção tradicional de direitos humanos, enraizada na visão ocidental, muitas vezes ignora a interconexão entre os seres humanos e o meio ambiente

Nosso planeta está enfrentando crises sem precedentes. Catástrofes ambientais, como o desmatamento desenfreado, a poluição e as mudanças climáticas, se entrelaçam com crises humanitárias, incluindo desigualdade social extrema, violação de direitos humanos e pandemias globais. Neste cenário, é imperativo repensar não só os nossos direitos como também os nossos deveres em face desta realidade, questionando as estruturas antropocêntricas que guiaram nossa sociedade até aqui.

Ailton Krenak, imortal pensador indígena brasileiro, nos oferece uma metáfora poderosa: “empurrar o céu”. Para Krenak, essa expressão simboliza a resistência e a capacidade de imaginar e criar novas possibilidades de existência, desafiando a visão limitada de que os seres humanos são o centro do universo. Essa metáfora nos convida a considerar uma nova ética de interdependência, onde os direitos humanos são intrinsecamente conectados aos direitos da natureza e ao bem-estar de todas as formas de vida.

A concepção tradicional de direitos humanos, enraizada na visão ocidental, muitas vezes ignora a interconexão entre os seres humanos e o meio ambiente. No entanto, as catástrofes ambientais demonstram claramente que a degradação do planeta afeta diretamente a qualidade de vida e os direitos fundamentais das pessoas. A poluição do ar, a escassez de água potável e a perda de biodiversidade resultam em violações diretas dos direitos à saúde, à vida e ao desenvolvimento sustentável.

Para enfrentar os desafios contemporâneos, é necessário “empurrar o céu” e expandir nossa compreensão dos direitos humanos, incorporando a perspectiva de Krenak sobre a interdependência. Isso significa reconhecer que a proteção do meio ambiente é inseparável da proteção dos direitos humanos. Reconhecer juridicamente que a natureza, seus rios, florestas e outros ecossistemas têm direitos próprios, protegendo-os da exploração e destruição desenfreadas.Promover modelos econômicos que priorizem a regeneração ambiental e a justiça social, em vez do crescimento materialista e linear que caracteriza o assim chamado capitaloceno. Inspirado nas cosmovisões indígenas, adotar o conceito de “bem viver”, que valoriza a harmonia com a natureza e o bem-estar coletivo, desafiando a noção de progresso materialista.

Além disso, a inclusão de direitos econômicos, sociais e culturais como parte integral dos direitos humanos é crucial. Isso implica assegurar que todos tenham acesso igualitário à educação, saúde, moradia digna, trabalho decente e cultura. Em um mundo pós-pandêmico, onde as desigualdades foram exacerbadas, essa visão ampliada dos direitos humanos é mais urgente do que nunca. Até porque nas crises e catástrofes do nosso tempo os mais vulneráveis são aqueles mais afetados.

A reflexão sobre os direitos humanos deve nos levar a uma transformação profunda de nossas práticas e atitudes. É necessário um compromisso renovado com a justiça, a igualdade e a sustentabilidade. Precisamos desafiar as disparidades econômicas, a exclusão social e a marginalização, adotando uma ética de interdependência que respeite e proteja todas as formas de vida.

Em última análise, “empurrar o céu” significa lutar por um futuro em que as pessoas possam viver com dignidade, em harmonia com a natureza. Esta é a nossa responsabilidade como guardiões deste mundo, e é a única maneira de garantir um legado justo e sustentável para as futuras gerações.

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