Copa expõe polêmicas entre islã e homossexualidade

A Copa do Mundo do Catar tem colecionado polêmicas por diversas razões. Uma delas tem sido a maneira como o país lida com homossexuais

O discurso de tolerância apresentado na abertura da copa do mundo 2022 no Catar contrastou com a realidade do país. O embaixador do Catar na copa Khalid Salman disse em entrevista ao canal alemão ZDF que ser gay é proibido e, ainda, que seria um ‘dano mental’. Em abril deste ano, o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari disse que os turistas não deveriam demonstrar apoio às causas LGBTQIA+.

O país muçulmano criminaliza a homossexualidade incluindo prisão de até oito anos ou até mesmo pena de morte para quem manifestar publicamente e praticar sua orientação sexual. Além disso, o Catar prevê até dez anos de reclusão para qualquer indivíduo, muçulmano ou não, que induza outro homem a cometer ‘imoralidades’, em outras palavras, até mesmo as manifestações podem acabar em punição. Protestos em prol da comunidade LGBTQIA+ foram planejados, incluindo a utilização de braçadeiras de capitão das seleções com as cores do arco-íris. Os atos foram proibidos pela FIFA.

Como o Islã vê a homossexualidade

A professora da USP, antropóloga e muçulmana Francirosy Campos Barbosa explica que o ensinamento do Alcorão é claro na proibição em relação a questão da homossexualidade. Ela esclarece que isso também acontece nos textos sagrados do cristianismo ou do judaísmo. No entanto, a exemplo das demais religiões, o islamismo também reconhece o livre arbítrio. “(A decisão) cabe entre a pessoa e Deus e não aos julgamentos alheios”, diz a professora.

As proibições de demonstrações de afeto em público e as regras de comportamento em sociedades muçulmanas também precisam ser compreendidas. “Em países islâmicos, a demonstração de afeto não acontece nem entre casais heterossexuais. Esse tipo de demonstração não faz parte do cotidiano, da cultura. É mais comum você ver dois amigos, pais e filhos abraçados do que ver casais heterossexuais abraçados, se beijando, isso é muito mais do espaço privado”.

Segundo ela, “Há muitos espaços de diálogos e a gente tem que buscar sempre o diálogo e não ficar demonizando o outro porque ele pensa diferente da gente. Não é fácil, porque algumas coisas esbarram em questões que para muitos ocidentais estão resolvidas, mas para os muçulmanos não, já que eles têm a lei sagrada”.

Reações da comunidade LGBTQIA+

O sentimento de medo na comunidade LGBTQIA+ prevalece. Josh Cavallo, australiano e único jogador de primeira divisão a se assumir gay publicamente, revelou em suas redes sociais que não gostaria de jogar a copa do mundo.

Já o médico Nasser Mohamed, que afirma ser o primeiro catari (quem nasce no Catar) a se assumir gay em público disse em entrevista ao ge que tem medo do que poderá acontecer no seu país de origem quando a Copa do Mundo acabar. Nasser, que mora nos Estados Unidos também disse não querer voltar a morar no Catar por discordar das políticas governamentais.

Onã Rudá, fundador do movimento Canarinhos, um coletivo de torcidas LGBTQIA+ de futebol, explica que as consequências desse discurso são inúmeras, passando uma mensagem ruim para o mundo, uma sinalização negativa. E ainda completa que as políticas do Catar jogam na contramão daquilo que a comunidade tem batalhado para conquistar ao longo da história. “Óbvio que a gente tem que ter cuidado para a gente não cometer o discurso islamofóbico, para a gente não cometer um discurso que o ocidente se sobrepõe ao oriente como sendo o norteador dos valores. Mas nós temos que cuidar para criar consensos coletivos, consciência em torno da humanidade, das pessoas, dos diretos coletivos e individuais. Direito ao afeto, ao amor”, defende.

Rudá acredita que a melhor maneira de combater o preconceito é alinhar as políticas públicas e educação. “Não é só o Islã. A gente tem correntes cristãs que são extremamente LGBTfóbicas, preconceituosas e violentas. Mas quando a gente cria pontes que conectam a gente em rede com outras pessoas, a gente desenvolve afeto”.

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