A Noite do Fogo trata de violência e machismo

A cineasta Tatiana Huezo estreia na ficção de longa-metragem com uma obra poderosa e bela acerca das violências a que mulheres e crianças são submetidas no México profundo

A Noite do Fogo é um filme sobre mulheres – jovens e adultas – que sobrevivem imersas em perigo em uma pequena aldeia nas montanhas mexicanas, com suas vidas espremidas entre o cartel e as forças armadas; entre a miséria e o trabalho ilegal em plantações de papoulas. Já em seus primeiros minutos, somos defrontados por duas sequências que darão o tom da obra: em uma, crianças checam as cores de uma cobra que serpenteia na direção delas. “É venenosa”, atestam; na outra, uma mãe manda sua filha se deitar em um buraco no chão. Parece uma cova.

O longa-metragem se foca no olhar de três crianças acerca do mundo em que vivem. E as tais cenas iniciais são um modo eficaz que a diretora e roteirista Tatiana Huezo encontrou de colocar o espectador no mesmo lugar das protagonistas, um lugar permeado por medo e poucas certezas. As três amigas vão crescer e se tornar adolescentes. Aos poucos vão entender o que lhes cerca, à medida que nós também vamos compreendendo aquele universo.

De início vamos entendendo que ali há uma comunidade de tudo desprovida, praticamente esquecida pelo Estado e pelo tempo. Carros com homens armados atravessam o lugarejo e assustam os moradores; às vezes há tiroteios com as forças do estado; às vezes essas forças abusam de violência com a população; meninas desaparecem e nós não sabemos bem por quê. Assim como as crianças, apenas imaginamos. Esses desaparecimentos são um motor da narrativa. As meninas, ainda tão jovens, são forçadas pelas mães a cortarem os cabelos bem curtos, ficam parecidas com meninos e não chamam a atenção. Mas um dia elas vão crescer. Eis a certeza que A Noite do Fogo nos dá: um dia haverá uma tragédia. Espectadores e personagens atravessam os 110 minutos se preparando para o momento fatal.

Toda essa pulsão de morte que habita o filme serve também de reflexo para a situação das mulheres de um determinado extrato social no México. Assim como acontece largamente no Brasil, trata-se de uma comunidade gerenciada e mantida praticamente por mulheres, pois os homens dali não estão presentes. Sem respostas, ficamos com as perguntas: Eles fugiram? Foram presos? Mortos? Entraram no cartel ou nas Forças Armadas?

Quase sem exceções, os homens que passam por aquele lugarejo o fazem exercendo poder. Eles empunham armas e subjugam a população. É tentador fazer uma leitura simbólica, ver a violência empregada na fita como simplesmente uma resposta às questões identitárias presentes nas discussões políticas atuais. É isso também, mas também é fato de que há um surto de sequestro de mulheres no México, a sua grande maioria adolescentes. Masculinizá-las, como no filme, é uma estratégia de sobrevivência.

Apesar de tanta violência, Tatiana Huezo consegue construir um filme de muita delicadeza, uma obra que é focada no crescimento dessas personagens e nas suas descobertas. Ver tudo o que acontece a partir dos olhos das protagonistas, ou ao menos tão perto delas, é arrebatador.

Disponível para assinantes na Netflix.

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