A costa do noroeste

A península olímpica não estava no roteiro inicial, mas foi um dos lugares mais especiais da viagem

Depois da Califórnia, continuamos dirigindo rumo ao norte. A ideia inicial era conhecer Seattle, mas não conseguimos reservar um camping próximo da cidade, todos estavam lotados. Aparentemente, um show da Taylor Swift deixou a cidade inacessível para uma visita sem reservas antecipadas. Cheguei até a ver a cotação de hotéis, mas estavam caríssimos, provavelmente também por conta da escassez de oferta.

Então mudamos o roteiro. A rota agora iria pelo litoral do Oregon, subindo para o estado de Washington e, com uma balsa, entraríamos no Canadá. Para o planejamento, temos usado bastante o guia da Lonely Planet “best road trips”. É um guia diferente dos guias tradicionais da Lonely Planet: é mais simplificado e voltado exclusivamente para quem viaja de carro. Gosto bastante dos guias da Lonely Planet – eles ainda preservam um espírito meio alternativo, de viagem de mochileiro. Sempre há sugestões de passeios fora dos lugares mais procurados.

Canon Beach. A praia tem uma neblina constante. Foto André Tezza
Cannon Beach. Foto: Francis Haisi

No litoral do Oregon, chegamos em Canon Beach. É uma praia com rochedos, ao lado da encosta das montanhas. Canon Beach estava com uma névoa – nunca tínhamos visto nada parecido, é como se alguém houvesse jogado gelo seco na praia. Fizemos uma caminhada longa e aproveitei para tirar fotos de longa exposição, explorando a névoa. Na sequência, pedimos um fish and chips, peixe frito com batata frita, no Mo’s, um restaurante à beira-mar, que estava ótimo. É interessante como certos países têm tradições com certas comidas. Na Argentina, por exemplo, nunca comemos uma carne ruim, mesmo quando estávamos em cidadezinhas minúsculas de beira de estrada. No Brasil, quase sempre o feijão é bem-feito, mesmo no quilo mais sem-vergonha. Nos EUA, chegamos à conclusão de que o equivalente disso é a batata frita. Eles levam muito a sério a batata frita. Sempre está excelente.

Rumo ao norte, pelo litoral, entramos no estado de Washington por uma linda ponte, já bem no finzinho da tarde. É o nosso quinto estado – passamos antes pelo Arizona, Utah, Nevada e Califórnia. O Paçoca dormiu em uma área de descanso da estrada. Estas áreas de descanso equivalem ao SAU (Serviço de Apoio ao Usuário) das rodovias pedagiadas no Brasil – tem lugar para estacionar e banheiros. Normalmente, o pessoal do motorhome fica nestes lugares para pernoitar. O sono não foi dos mais tranquilos, porque estávamos ao lado da rodovia.

Ruby Beach, praia com troncos da era glacial

A Península Olímpica foi uma gratíssima surpresa. Não estava programada, mas foi seguramente um dos pontos mais altos da viagem até então. Há um grande parque nacional, o Parque Nacional Olímpico, que rodeia o Monte Olímpico. Nossa primeira parada foi às margens do Lago Quinault. Originalmente, iríamos dormir em uma terra pública, em camping selvagem, mas havia um camping pago tão especial ao lado do lago que não pudemos resistir. Ali não dava para economizar. Além do camping, a propriedade tinha pousada e restaurante. Passamos duas noites maravilhosas, fazendo as trilhas ao lado do lago, e comemos um salmão excelente do restaurante do camping. O salmão deles é bem diferente do salmão chileno que chega no Brasil – muito mais suave. Já li uma porção de histórias complicadas sobre o salmão chileno, que é um salmão de cativeiro e supostamente criado com muito antibiótico. Nunca dei muita bola para isso, mas experimentando o salmão daqui, é visível a diferença de sabor.

No lago Quinault, fizemos duas trilhas. Estou bem surpreendido com a disposição da Fran para fazer as trilhas. Ela nunca foi do mato. Mas eu entendo. Gostar do mato no Brasil é realmente difícil – muito perrengue. É saber que você vai voltar imundo e se arriscar em algum canto sem qualquer estrutura. As trilhas são para atletas e não para a população em geral. Tudo é muito diferente por aqui, como já escrevi em textos anteriores.

O lago Quinault, na Península Olímpica. Foto: André Tezza

Um detalhe que ainda não comentei: a trilha é bem-feita. Ela é plana, sem pedras. Quando há algum desnível grande, os rangers ou colocam uma escada ou então há um zigue e zague suave. Por isso, caminhar é menos cansativo e muito mais seguro. Antes eu achava que as trilhas eram melhores aqui porque as florestas são menos densas e, portanto, é mais simples para deixar plano. Mas na Península Olímpica as florestas são densas e com bastante umidade. Não há desculpa, falta investimento e planejamento para deixar os parques brasileiros mais acessíveis. Eu faço trilhas há 35 anos. Sei como é a realidade das atividades outdoor em quatro continentes diferentes – tanto em países pobres quanto em países ricos. Desconheço outro lugar do mundo que tenha tanto descaso e omissão com os parques naturais quanto o Brasil.

Nas trilhas do lago Quinault, descobrimos outras árvores gigantes da costa do noroeste do Pacífico. Uma delas é a Sitka Pruce. A maior do mundo ficava a alguns metros de onde o Paçoca estava estacionado. Partimos então para o coração do Parque Nacional Olímpico, próximo de Port Angeles, já na divisa com o Canadá. A estrada até Port Angeles foi mais uma vez deslumbrante, passando por praias sensacionais e lagos com cores surreais. Em uma das praias, Ruby Beach, precisamos parar, porque era realmente rara. Havia milhares de troncos de árvores na praia – são resquícios da era glacial. Além disso, novamente os rochedos estavam presentes. As praias da costa noroeste têm um conceito diferente de praia. Não é um lugar para tomar banho, até porque a água é um gelo. Ou para a paquera dos corpos. É um lugar de contemplação, de introspecção.

Fran e a maior Sitka Spruce do mundo. Foto: André Tezza

Dormimos dentro de um camping público do Parque Olímpico, o Heart of the Hills. A estrutura era toda self-service, inclusive o pagamento. Você escolhe um lugar para deixar o carro ou motorhome – se houver vagas – e usa um QR Code para fazer o pagamento. Sai por U$24 – o camping mais barato em que ficamos e um dos mais especiais.

No dia seguinte, partimos para Victoria, na Ilha de Vancouver, e chegamos no Canadá.

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