Pedalar e fotografar são as duas atividades que dão sentido à vida de Doug Lefort. A bicicleta é o que o move, mas é a câmera no peito que o faz sair de casa para documentar o que acontece na cidade desde 2012. Doug, 48, construiu um amplo acervo fotográfico que não só documenta o cotidiano urbano, mas também reflete debates sobre mobilidade e questões sociais. É através da fotografia que ele revela o cicloativismo curitibano.
Ao longo dos anos, desenvolveu um olhar crítico sobre o que acontece ao seu redor, capaz de captar significado nos detalhes, como os contrastes em espaços de conflito, as celebrações dos encontros e as notícias que surgem. Hoje, ele é reconhecido não apenas como ciclista ou fotógrafo, mas também como um cronista visual da vida urbana em Curitiba. Seu trabalho tem inspirado outras pessoas a subirem em uma bicicleta com uma câmera e explorarem seus itinerários de maneira inovadora, incluindo, é claro, o repórter que escreve este texto.
Essas duas paixões, a bike e a foto, são celebradas juntas. O dia 19 de agosto marca tanto o Dia Nacional do Ciclismo quanto o Dia Mundial da Fotografia. Embora possam parecer atividades distintas, esses dois atos têm uma conexão íntima e geram uma necessidade de explorar o espaço urbano. A bicicleta proporciona uma compreensão mais profunda do funcionamento da cidade, dos trajetos e das relações entre as pessoas, os veículos, os monumentos e o clima. Combinada com a oitava arte, essa perspectiva urbana se torna concreta e compartilhada.
Nascido em Curitiba e residente no bairro Jardim das Américas, Doug é formado em Análise de Sistemas. Abriu agências no centro da cidade para trabalhar na área, mas, aos poucos, mudou o rumo de sua carreira até começar a lidar com imagens. A foto profissional entrou em sua vida nos anos 2000, conduzindo trabalhos extras com fotos de produtos e retratos. Cinco anos depois, com o aumento do custo dos equipamentos analógicos e a falta de acesso à tecnologia digital, ele pensou em desistir, mas perseverou.
A conexão entre fotografia e bicicleta começou em 2010, quando conseguiu emprestada sua primeira câmera profissional digital. Dessa forma, ingressou nos passeios ciclísticos em Curitiba e percebeu a relevância da interação entre as pessoas e o espaço público. As ruas, que ele já conhecia, ganharam novas cores e formas através da lente. O que antes era apenas um passeio pela cidade se transformou em uma jornada para captar a essência do cotidiano urbano. A partir de então, pedalar passou a ter propósito renovado, não apenas para se locomover, mas também para explorar e documentar.
Nesse contexto, em 2012, ajudou a criar o cicloativismo.com, um site repleto de imagens sobre o universo das bicicletas, ao lado do ativista Danilo Herek. A ideia da iniciativa é difundir o cicloativismo através de imagens públicas e acessíveis a todos. No portal, é possível encontrar uma vasta gama de registros que englobam eventos culturais, pedais coletivos, o cotidiano e manifestações. O projeto se tornou uma referência não apenas para ciclistas, mas também para aqueles interessados em políticas públicas relacionadas à mobilidade urbana.
“Comecei a pesquisar sobre o ciclismo e um mundo se abriu para mim. Eu não sabia que o universo da bicicleta era tão vasto, com tantas pessoas diferentes e tantos nichos. Não é só esporte e lazer. E isso tomou conta de mim”, comentou sobre seus primeiros registros nos pedais. Foi nessa época que ele estreou como fotógrafo no Pedala Curitiba, um pedal coletivo promovido pela Prefeitura, que já reuniu mais de 500 ciclistas na área central da cidade.
Suas imagens chamaram a atenção dos candidatos à eleição municipal de 2012, a ponto de Rafael Greca e Gustavo Fruet o procurarem. Fruet e sua equipe propuseram pedais técnicos pela cidade para conhecer as necessidades da população, o que de fato ocorreu. Após a vitória do pedetista, foi sugerida a implantação do Pedala Curitiba nas regionais da cidade, com objetivo de descentralizar os encontros e integrar os bairros periféricos. A sugestão foi incorporada e continua em vigor até hoje.
Processos artísticos e a prática nas ruas
Fotografar a rua já é um desafio, mas fazer isso enquanto se pedala é um desafio ao quadrado. A maioria dos pedais acontece à noite, com pouca luz. Para conseguir uma foto ideal, é preciso seguir métricas desafiadoras e contar com um pouco de sorte. Por exemplo, o uso de flash é complicado, devido aos muitos refletores e luzes nas ruas. A lente precisa ter uma boa abertura de luz (F/1.8 até F/2.4), mas reduz a área de foco. O obturador precisa ser rápido (1/150 ou mais), mas pode comprometer a iluminação. O ISO tem que ser alto (1600), porém, gera ruído na imagem.
Doug já teve experiências desastrosas nessas condições, chegando a perder mais de 80% de sua produção. “No primeiro pedal, voltei arrasado para casa. Muito escuro, as coisas acontecem muito rápido. Algumas fotos se salvaram. Não era o que eu esperava, mas consegui encontrar um jeito de salvar o trabalho”, comentou. Compartilho da mesma infelicidade.
Para o fotógrafo, a imagem precisa estar o mais próximo possível do real e da fotometria — o visor que indica os parâmetros de iluminação da imagem. Sem intenção deliberada, ele segue os princípios do fotojornalismo e evita tratamentos excessivos nas imagens. Sua pós-produção consiste apenas na seleção das melhores imagens e no descarte das que não atenderam às suas expectativas. Raramente corrige iluminação e contraste nos programas de edição. A escolha desse método de trabalho se baseia na praticidade e no melhor aproveitamento do tempo.
Movido pela contestação, reconhece ser um fiscal e representante de uma categoria na cidade: “O que me faz ir para a rua fotografar? Percebi que tem muitos ciclistas nas ruas. E uma imagem, dependendo do contexto, pode balançar a opinião pública. Nas minhas fotos, estou dando um recado para a opinião pública”, e complementa: “Sou uma testemunha. Quando saio para fotografar e vejo algo irregular, paro e fotografo sempre pensando numa reportagem, tipo: encontrei tal carro no meio da ciclovia”, disse.
Guiado pela emoção, deixa seu coração decidir o que merece ser fotografado. Faz isso há mais de 12 anos sem obter lucro, e gosta disso. Disponibiliza meios para os interessados contribuírem espontaneamente, mas essa não é sua principal renda. Paga as contas com freelas e Designer. Em suma, pedalar e fotografar é o que lhe dá ânimo, projeta seu futuro e ajuda a evitar a depressão. Em suas palavras: “Sinto que tenho um objetivo: desenvolver um trabalho documental. Nunca encarei a fotografia como um hobby. Na infância, achava uma tolice essa ideia de mudar o mundo. Assim que comecei a fotografar e a me envolver no ativismo, vi que, de certa forma, é possível mudar algumas coisinhas”. Ou seja, hoje, ele pedala e faz fotos para mudar algumas coisinhas.
Foto: Doug Lefort // @cicloativismo
Este texto é parte do Periferia Plurais, projeto em que o Plural convida jovens de Curitiba e região a falar de suas vidas e de suas comunidades. O projeto tem apoio do escritório de advocacia Gasam.
Excelente reportagem do Eric Rodrigues sobre esta bela pauta que é a fotografia do Doug Lefort, um cara que já é uma lenda viva entre os cicloativistas de Curitiba. Ao Doug devemos, por exemplo, a extraordinária documentação dos mutirões de 2014 que resultaram na Praça de Bolso do Ciclista. E muitas imagens mais. Eric trabalha muito bem nos dois grandes eixos que definem a reportagem: o testemunho e a arquitetura da informação.