Voluntários relatam experiência de testar a vacina contra Covid-19

Na fase 3 dos testes, a chinesa CoronaVac apresenta reações leves nos profissionais de saúde ouvidos pelo Plural

Uma vacina em fase de testes para uma doença nova e sobre a qual se sabe pouco. Você seria voluntário? O Plural conversou com quatro profissionais da saúde do Hospital de Clínicas de Curitiba que aceitaram e se voluntariaram para a fase 3 dos testes da CoronaVac, a vacina chinesa contra Covid-19. Elas contam os motivos que as levaram a participar da pesquisa e relatam como tem sido este período de aplicação e monitoramento da vacina. 

“Como trabalhadores em assistência direta em unidades Covid-19 recebemos mensagem de divulgação no login do sistema, com um número de Whatsapp para responder algumas questões básicas. Após ser considerada apta, houve novo contato agradecendo e solicitando dados, como local de trabalho e atividade”, conta Claudia Bomfim, 57 anos, fisioterapeuta no HC há 30, e uma das voluntárias.

Ela conta que inicialmente passou por consulta e exames – inclusive para o coronavírus. A primeira aplicação foi em seguida. “É um estudo duplo cego, somos registrados com um número e não sabemos se recebemos a vacina ou o placebo (substância neutra, sem efeito). A aplicação é intramuscular e ficamos em observação por uma hora.”

Todos os profissionais recebem duas aplicações, com intervalo de 14 a 21 dias entre a primeira e a segunda. As consultas posteriores à aplicação também são quinzenais. Os voluntários receberam três números de telefone para relatar qualquer alteração. Após 48 horas da aplicação, recebem mensagem dos responsáveis pela pesquisa, com perguntas sobre possíveis reações. 

Além do contato por telefone e mensagem, os voluntários recebem um kit com um diário, um cartão com a data das próximas visitas e um termômetro. Todos os dias, os profissionais devem medir a temperatura, registrar alterações e responder a várias perguntas objetivas no diário. Até agora, foram três diários, um após a primeira aplicação, um após a segunda e o terceiro após a consulta de acompanhamento feita 15 dias depois da segunda aplicação. 

Os voluntários serão acompanhados por mensagens e consultas até dezembro de 2021, para garantir que estarão saudáveis e que não haverá intercorrências graves.

Kit entregue aos voluntários da pesquisa. Foto: Claudia Bomfim

Reações

Três das quatro entrevistadas pelo Plural tiveram reações à vacina, mas foram leves, passageiras e já eram esperadas. Claudia teve cefaléia (dor de cabeça) intensa por dois dias após a primeira aplicação; comunicou à equipe – por WhatsApp – e foi orientada quanto à medicação. A fisioterapeuta Valéria Neves, de 50 anos, teve a mesma reação após a segunda dose e também recebeu orientação médica remota.

Neliana Mello, 54 anos, fisioterapeuta intensivista do HC, diz que teve “diarreia, cansaço e sensação do corpo pesado pois as articulações estavam travadas. Comuniquei a equipe responsável de eventos e fui prontamente respondida, atendida e orientada. Os médicos entraram em contato e em nenhum momento ficaram alarmados ou sem controle da situação”.

Thayza Broza, 38 anos, também voluntária da vacina e fisioterapeuta do HC, não teve nenhuma reação à vacina, mas segue recebendo as mensagens de monitoramento e preenchendo os diários para acompanhamento da equipe responsável.

Razões

As entrevistadas afirmam que tiveram medo mas que se sentem seguras e orgulhosas por integrar a pesquisa e colaborar com o avanço da ciência e com o combate à pandemia. “Decidi ser voluntária porque me senti muito impotente e na necessidade de poder colaborar com toda a comunidade em relação ao tratamento da pandemia . Muito foi descoberto mas realmente quis colaborar para tentar achar uma solução, a fim de evitar tanta morte e sofrimento. Me senti útil e valorizada pela equipe e realmente me fez muito bem como pessoa e ser humano”, percebe Neliana. 

“Fui convidada para ser voluntária pela comissão que está aplicando o protocolo da pesquisa e fui a segunda pessoa a receber a aplicação no Paraná. Eu achei que, como profissional da saúde e pesquisadora, era quase uma obrigação prestar esse tipo de serviço. Eu vi como uma ajuda à pesquisa”, avalia Valéria.

“Eu me voluntariei porque estava com medo de pegar a doença. Chegou num ponto que o medo de pegar ficou maior que o medo da vacina, então eu decidi tomar. Mas não foi fácil a decisão, não. Muita incerteza, afinal, ainda é um estudo e ninguém tem certeza de nada. Mas eu me sinto feliz por participar ativamente e ser voluntária da vacina pois estou colaborando não só para a minha profissão mas também para população geral e mundial”, ressalta Thayza.

“Algumas pessoas me perguntaram surpresas: ’Por quê?’ Respondi que é por puro egoísmo, por pensar e desejar muito que minhas filhas, meu marido, meus pais, meus sogros e tantas outras pessoas que amo tanto, e muitas outras que nem conheço, não passem pelo que vejo meus pacientes passando, não sofram como os vejo sofrerem, não sintam o medo que adivinho em seus olhos quando o ar não chega e a dor não passa; egoísmo porque não quero ser a voz que pede informações e não pode fazer nada a não ser esperar e rezar”, observa Claudia.

Ela enfatiza que os profissionais de saúde também são humanos. “Não somos heróis, no dia a dia somos seres humanos comuns, sentimos medo diante dos riscos das nossas atividades, tememos pela integridade daqueles que amamos e que convivem conosco e tivemos, sim, receio das consequências deste voluntariado. Mas somos nós os profissionais e voluntários necessários agora e vamos com medo mesmo”, revela. 

Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Questionamentos

Três das quatro entrevistadas relatam que foram questionadas por amigos e familiares ao tomarem a decisão de se voluntariar para a pesquisa. Claudia recebeu apoio, “embora tenham demonstrado temor, mas sempre se teme o desconhecido”. Alguns amigos consideraram “um risco que eu não deveria assumir e questionaram fortemente minha decisão no início. Agora, após três meses do início do processo, eles me apoiam”.

Neliana também enfrentou questionamentos. “A reação foi mais negativa do que positiva. Perguntaram se eu era insana e disseram que nunca deveria ter entrado na pesquisa. Eu tentei explicar a alguns, depois perdi a paciência e segui minha consciência.”

Alguns colegas e amigos da Thaysa acharam legal. “Falaram que também tomariam; outros já perguntaram se eu não tinha medo e disseram que eu era corajosa por estar tomando.” 
Já Valéria diz que teve apoio familiar e que incentivou seus colegas da saúde a participar pois, para ela, é essencial contribuir com a ciência neste momento.

Apesar de terem ficado mais tranquilas após as aplicações, mesmo sem saber se receberam a vacina ou o placebo, todas as profissionais entrevistadas asseguram continuar tomando as precauções necessárias no atendimento aos pacientes, assim como o uso de equipamentos de proteção necessários. 

Colaborou: Maria Clara Braga

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2 comentários em “Voluntários relatam experiência de testar a vacina contra Covid-19”

  1. MARIA CLARA BOMFIM BRAGA

    Bom dia, Thiago. Tudo bem?
    A pesquisa prevê um acompanhamento clínico dos voluntários de pelo menos 12 meses após a aplicação. As voluntárias entrevistadas disseram que a previsão é acompanhamento até dezembro de 2021 mesmo

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