Planos funerários estão irregulares em Curitiba

Prefeitura não tem dados do setor, ainda sem regulamentação municipal. Venda do serviço está suspensa pela Justiça desde 2014 e contratos podem ser anulados

“Tem empresas de luto, essas que vendem o serviço funerário antecipado, que estão tirando proveito das famílias. Por exemplo, quando o falecido é suspeito de coronavírus e o caixão precisa ficar fechado, elas não estão pagando a flor, a preparação do corpo, a ornamentação da urna… Às vezes não tem nem velório. Isso desonera para elas boa parte do que a família está pagando. Fica no bolso de quem?”, questiona Rauli Ivo Sysocki, Presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços Funerários do Estado do Paraná (Sesfepar).

O dirigente acrescenta que atualmente as empresas de luto não oferecem um serviço regularizado na cidade. Portanto, sequer deveriam comercializa-lo. “Não é uma coisa legalizada em Curitiba, é ilícita. Mesmo assim, 80% dos curitibanos têm plano de luto. Sem licitação, autorização, órgão regulamentador, nada.”

A reportagem do Plural procurou o Departamento de Serviços Especiais da Secretaria do Meio Ambiente (SMA), que é responsável pela fiscalização do serviço funerário de Curitiba. O órgão esclareceu que os planos de luto, de fato, não estão regulamentados no Município, diferente das funerárias concessionárias. Por esse motivo, a Prefeitura também não tem dados do setor. 

“Há 25 concessionárias habilitadas (funerárias) a prestar serviços funerários no município. Elas passaram por processo licitatório e obedecem normas e regras estabelecidas em contrato e a legislação municipal. O atendimento do funeral e sepultamento funciona por meio de sorteio por processo eletrônico. Alguns serviços essenciais e obrigatórios estão inclusos no valor da urna – como transporte, paramentos para realização do funeral, assepsia, tamponamento e vestimenta – e têm o preço tabelado via decreto pelo Município”, explica a Secretaria.

“Há ainda os serviços facultativos tabelados e os facultativos que podem ser adquiridos livremente pelos usuários. As formas de liberação e cobrança do serviço obedecem ao que está previsto na Lei Municipal nº 10.595/2002 e no Decreto Municipal nº 699/2009.”

Mas se os planos de luto não poderiam ser comercializados, por que são? Conversamos com o advogado Leonardo Paiva, membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/PR, para entender o caso.

Plural: Qual é a diferença entre as empresas de luto e as funerárias concessionárias?

Paiva: As funerárias concessionárias têm autorização do Município para desempenhar os serviços de enterro e funeral. As empresas de luto atuam com planos funerários. Ou seja, assessoramento. Os planos de luto contratam a funerária concessionária da vez – é um sistema de rodízio. 

Plural: Existe alguma lei que regulamente planos funerários?

Paiva: Existe a Lei Federal nº 13.261/2016. Ocorre que a Constituição é clara ao, no art. 30, V, estabelecer que a competência para dispor sobre serviços funerários é do Município e não da União. Em Curitiba, há a concessão no sistema de rodízio, de modo que haveria a necessidade de uma regulamentação da questão por Lei Municipal e não Federal.

Plural: As empresas irregulares já foram cobradas pelo poder público?

Paiva: Em agosto de 2014, o Ministério Público do Paraná ajuizou Ação Coletiva de Consumo buscando, dentre outros pedido, a nulidade dos contratos realizados por planos funerários contra 21 empresas que prestavam serviços funerários, sob argumentos que: se o serviço fosse um seguro, haveria ilegalidade, posto que as empresas precisariam de autorização e regulamentação da Superintendência de Seguros Privados; se o serviço fosse consórcio, precisariam de autorização e regulamentação do Banco Central, além de descumprirem deveres expostos no Código de Defesa do Consumidor como a prestação de informação adequada aos consumidores; além da ilegalidade da pré-venda (venda antes do falecimento) de tais serviços, que somente poderiam ser contratados após o óbito.

Em dezembro de 2014, o Tribunal de Justiça do Paraná, em decisão liminar em recurso de agravo de instrumento, suspendeu a venda dos planos, diante de insegurança jurídica que eles poderiam causar ao consumidor. 

Plural: As empresas seguiram argumentando na Justiça?

Paiva: Sim. Como resposta, os planos alegam que prestam serviços de assessoria e que os serviços de enterro e funeral, os quais são regulamentados por Lei Municipal, são realizados pela funerária da vez, em um rodízio na atividade de concessão. Ou seja, há apenas algumas funerárias concessionárias, mas várias empresas que prestam o serviço chamado, por eles, de assessoria.

Plural: E qual foi a decisão?

Paiva: A decisão liminar no recurso de agravo de instrumento, de dezembro de 2014, foi ampliada em maio de 2017, quando os desembargadores – reconhecendo a ineficácia da decisão anterior e o reiterado descumprimento pelos planos funerários, que continuaram operando – determinaram a suspensão dos contratos de prestação de serviços e planos funerários, sob pena de multa diária de R$ 500. Houve vários recursos e a decisão só passou a ter efetivo efeito em outubro de 2019.

Plural: Como está essa situação hoje?

Paiva: Atualmente, a decisão, ainda que provisória, está válida e o processo está tramitando, mas ainda sem uma decisão final (sentença), a qual também será passível de vários recursos. Ou seja, a discussão não está tão perto de acabar.

Plural: Algum plano funerário pode ser adquirido com segurança aqui em Curitiba? 

Paiva: Com segurança, neste momento, nenhum. 

Plural: Qual é o ônus ao consumidor que os adquire? 

Paiva: Há risco de os contratos de tais planos serem declarados nulos e, com isso sobrevir uma enxurrada de ações de consumidores contra eles, de modo que podem vir a se tornar insolventes, ou seja, além de não conseguir cumprir com as obrigações contratuais por proibição judicial, ainda não terem recursos para devolver os valores pagos pelos consumidores.

Plural: E no caso das empresas que são concessionárias e também oferecem planos?

Paiva: Algumas concessionárias também têm serviço de plano de luto ou funeral. A desembargadora deixou bem claro que essas estão apenas impedidas de atuar quanto aos planos, mas podem continuar atuando como concessionárias porque têm autorização para isso.

Plural: Entrei em contato com o atendimento da Luto Curitiba, eles seguem oferecendo o serviço. Também não poderiam manter as atividades?

Paiva: A situação mais grave de todas é a da Luto Curitiba. A empresa mencionada está irregular pelo menos desde 14 de maio de 2015, quando a decisão da Ação Civil Pública nº 1.181/2001 transitou em julgado (ou seja, a decisão já não é mais passível de recursos). Assim, foram declarados nulos todos os contratos entre a Luto Curitiba e seus clientes, impedindo-a de continuar operando. 

A continuidade das atividades, portanto, é contrária a uma decisão judicial e pode ser extremamente prejudicial aos consumidores, uma vez que a qualquer momento a empresa pode ser obrigada a fechar as portas sem cumprir com os contratos que os clientes pensam estar ativos, mas que já foram declarados nulos pelo Poder Judiciário.

Plural: Se os serviços já foram contratados e utilizados, mas não foram celebrados em sua totalidade, em decorrência do coronavírus, o consumidor pode pedir reembolso?

Paiva: Os planos objeto da Ação Coletiva de Consumo estão impedidos de celebrar novos contratos, mas devem, com transparência e informação, cumprir com os contratos anteriormente celebrados (neste momento). Se por ocasião da atual pandemia não for possível cumprir com alguma das cláusulas contratuais, devem ressarcir o consumidor proporcionalmente ao serviço não prestado. Caso não o façam, o consumidor pode pedir o abatimento proporcional no preço, a partir de um pedido de revisão contratual.

Repercussão

O Procon-PR reiterou que o consumidor que tiver sido prejudicado ou lesado deve procurar o órgão para formalizar sua reclamação.

A Luto Curitiba enviou uma nota à Redação. Leia na íntegra:

A Luto Curitiba atende integralmente à legislação do setor, definida pela Lei Federal nº 13.261/2016, conhecida como Lei dos Planos Funerários, e também por normas estaduais e municipais.

Todos os contratos da empresa prevêem a prestação da assistência funerária, que compreende assessoria e cobertura financeira dos produtos e serviços destinados ao velório e sepultamento. 

Os contratos anteriores à essa denominação, assinados antes de 2003, e que foram objeto da Ação Civil Pública nº 1.181/2001, que transitou em julgado em 2014, foram atualizados com a preservação de todos os direitos.

Atendendo à recomendação da Abredif  (Associação Brasileira de Empresas e Diretores do Setor Funerário), e por entender que deve assumir uma postura cidadã durante a emergência trazida pela covid-19, a Luto Curitiba não aplica a cláusula de garantia comum a todos os contratos das empresas do setor que prevê a suspensão do serviço em caso de calamidades públicas, como pandemias.

O serviço de assistência funeral está sendo prestado a todos os associados, como previsto em contrato, inclusive para vítimas da covid-19, nesse caso atendendo as orientações das autoridades sobre velórios mais curtos e urnas fechadas. Não há qualquer tipo de cobrança de custos extras decorrentes dos procedimentos excepcionais, como uso de EPIs e demais medidas de segurança para prevenir a contaminação de familiares e agentes que executam a prestação de serviço.

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