Irmãos são separados no acolhimento, segundo Conselho Tutelar; prefeitura nega

O desmembramento de grupos de irmãos no momento do acolhimento familiar ou institucional de crianças e adolescentes é proibido por Lei

Conselheiros tutelares de Curitiba estão denunciando a separação de irmãos no momento do acolhimento institucional realizado pela Fundação de Ação Social (FAS), ligada à prefeitura. Apesar de não existir um banco de dados que dimensione o cenário, os profissionais afirmam que o número de desmembramentos de grupos de irmãos – proibido pelo artigo 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – vem aumentando na cidade. Procurada pelo Plural, a FAS negou que irmãos estejam sendo apartados.

Conselheiro tutelar da regional Matriz, Michel Urania afirma que é um sentimento comum entre os profissionais de que a situação tem sido cada vez mais recorrente na cidade. Para ele, uma das principais dificuldades é a ausência de políticas públicas e falta de organização por parte da prefeitura. 

“A prefeitura vem ignorando essa regra [de irmãos ficarem juntos]. As casas de acolhimento normalmente são separadas para meninos e meninas, mas ultimamente isso vem acontecendo até com irmãos do mesmo sexo. Talvez uma pessoa só não chegue a uma conclusão do que pode ser feito. É preciso da competência dos gestores, investimento e também trabalho de raciocínio para que se tenha um planejamento e a situação seja resolvida”, diz.

Um dos casos de separação é acompanhado por Michel desde 2021. Inicialmente, três irmãs (uma adolescente e duas crianças menores de cinco anos) foram acolhidas em um mesmo abrigo, mas, meses depois a mais velha fugiu do local.

“Depois disso, ela foi, de certa forma, expulsa daquela casa. Foi uma atitude muito dura da casa de acolhimento que foi primordial para que a menina tivesse mais dificuldade para se recuperar desse momento traumático e difícil que foi o acolhimento para ela. A rebeldia dela só foi piorando por não conseguir ficar perto das irmãs.” 

Apesar de ofícios e denúncias feitas pelo conselheiro em audiências judiciais, as irmãs ainda estão separadas.  

Outro caso, de quatro irmãos que foram separados em dois abrigos distintos, é atendido por uma conselheira tutelar da Vila Torres e integrante da Comissão de Acolhimento do Conselho Tutelar de Curitiba, que prefere não ser identificada. O mais velho dos irmãos, de seis anos, era quem cuidava dos outros. Eles foram acolhidos no início de 2022 por conta de negligência e uso abusivo de drogas por parte da família, segundo a profissional.

“Todo o colegiado – que envolve os conselhos tutelares das 10 regionais – reclama dessa questão do acolhimento institucional. Teve um tempo que a prefeitura não fazia isso. Mas hoje, quando a gente questiona, o que é falado é que às vezes as casas não recebem crianças de tais idades, ou por sexo.” 

Acolhimento de crianças e adolescentes 

De acordo com a FAS, o Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes é um serviço de caráter provisório e excepcional que cumpre uma função protetiva e de restabelecimento de direitos. O objetivo é fortalecer vínculos familiares e comunitários que foram rompidos ou fragilizados.

Crianças e adolescentes podem precisar de acolhimento por terem direitos violados ou ameaçados em casos de abandono, maus tratos e negligência, por exemplo. A Fundação é acionada sempre que há uma determinação judicial expedida pelo Poder Judiciário ou por requisição do Conselho Tutelar.

Há hoje, em Curitiba, três tipos de acolhimento para o público infanto-juvenil, a fim de responder de forma mais adequada às demandas dessa população:

  • Abrigo Institucional – Serviço que oferece acolhimento provisório para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, por meio de medida protetiva, para atendimento de no máximo 20 crianças ou adolescentes;
  • Casa Lar – Serviço de acolhimento provisório oferecido em unidades residenciais, para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, para atendimento de no máximo 10 crianças e adolescentes;
  • Família Acolhedora – Serviço que organiza o acolhimento, em residências de famílias cadastradas, de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva, cada família poderá acolher 01 criança ou adolescente por vez, exceto quando se tratar de grupo de irmãos.

“A partir da análise pelo órgão competente da situação familiar, do perfil de cada criança ou adolescente e de seu processo de desenvolvimento, deve-se indicar qual serviço poderá responder de forma mais efetiva às suas necessidades, sendo assim, há de se considerar, sua idade, sexo, histórico de vida, aspectos sócios culturais e principalmente os motivos que levou ao acolhimento”, disse, em nota.

A FAS afirmou que não há separação de grupos de irmãos na hora do acolhimento, seja por gênero ou idade, mas que existem situações excepcionais em que eles precisam ser colocados em instituições diferentes, mediante autorização judicial. Isso acontece, por exemplo, quando há um pedido do adolescente para que não permaneça na mesma instituição ou quando há risco da manutenção juntos.

Nestes casos, devem ser realizadas atividades entre os irmãos, de modo a manter e fortalecer os vínculos. “Por esse motivo, é importante que os serviços de acolhimento estejam organizados de modo a possibilitar o convívio entre estes, com objetivo de fortalecer os vínculos existentes, preservação da história de vida e referência familiar.”

Atualmente, são 23 unidades que atendem o serviço de acolhimento, sendo 16 parceiras e sete unidades próprias. A rede oferece 607 vagas e destas, 560 estão ocupadas.

Denúncia

Uma das conselheiras que conversou com o Plural afirmou que a Comissão de Acolhimento do Conselho Tutelar pretende marcar uma reunião com os promotores públicos para discutir o assunto. Porém, ainda não há previsão de data. 

Ao Plural, a  2ª Promotoria de Justiça da Criança e do Adolescente de Curitiba informou que recebe ocorrências de separação de grupos de irmãos acolhidos durante o plantão, mas que isso não se trata de uma “decisão” da FAS e sim da “falta de aceite e atendimento por parte das equipes das unidades de acolhimento não governamentais que não disponibilizavam atendimento 24h”.

Além de uma Recomendação Administrativa (RA nº 04/2022), recomendando atendimento ininterrupto, a Promotoria expediu ofícios para todas as unidades não governamentais solicitando o nome completo e número de telefone dos responsáveis pelo atendimento no plantão. 

Assim que recebidos, os dados foram encaminhados à FAS e, segundo o Ministério Público do Paraná, desde então não foram recebidas novas denúncias sobre a separação de irmãos.

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3 comentários em “Irmãos são separados no acolhimento, segundo Conselho Tutelar; prefeitura nega”

  1. Os conselheiros tutelares devem parar de fazer política e realizar o verdadeiro papel deles, que é a proteção da infância através de ações continuas e acompanhamentos. Não iriam separar se não houvesse razão.

  2. Muiitissimo bom o texto pra quem tem interesse no assunto! Na minha cidade só tem um abrigo! Então esse tipo de coisa não acontece, mas muito bom ficar por dentro do que acontece por aí!

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