Hospitais de Curitiba podem ficar sem medicamentos para cirurgias

Há problemas no fornecimento de sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares, usados para emergência e intubação. Fabricantes dizem que demanda quadruplicou com a pandemia

Profissionais da saúde e hospitais de Curitiba relatam dificuldade em repor estoques de medicamentos essenciais para cirurgias e atendimentos emergenciais, nos quais é necessária sedação, como para intubar pacientes. Alguns remédios já estão em falta e as fabricantes têm listas de espera nos pedidos. O preço também aumentou. A causa é a elevação excessiva nos procedimentos para covid-19, especialmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Entre os medicamentos com problemas na distribuição estão fentanila, rocurônio e cisatracúrio. “Não tivemos falta de medicamentos, mas existe uma dificuldade no mercado farmacêutico para o abastecimento, principalmente no grupo de sedativos. Não afetou as cirurgias porque nós suspendemos as eletivas em 80%”, constata a Santa Casa de Curitiba, onde novos protocolos foram instituídos para substituir os remédios em falta e dar continuidade nos atendimentos de urgência.

O hospital Evangélico Mackenzie percebe a falta geral de medicamentos no mercado e assegura que está sendo traçado um “plano de contingenciamento, para buscar medicamentos substitutivos e definir outras maneiras de enfrentar o problema”.

O Grupo Nossa Senhora das Graças também está tendo dificuldade na compra de medicamentos com laboratórios, mas assegura que, pelo plano de contingência da covid-19, aumentou as compras no início da pandemia. “Temos estoque para mais um mês e meio, dois meses, a depender do volume de pacientes. Até o momento não houve falta”, explica.

O número de cirurgias no hospital foi reduzido em 80% e agora chega a 50% do normal. “Estamos realizando somente cirurgias de urgência e emergência, e também cirurgias necessárias para a continuidade do tratamento, como da especialidade de Oncologia.”  

A Fundação Estatal de Atenção à Saúde (Feas) compra medicamentos para o Hospital Municipal do Idoso, Centro Médico Comunitario Bairro Novo, Unidade de Pronto Atendimento Tatuquara e a ala clínica do Hospital Vitória, equipamentos que ela administra. “Há uma quantidade relativamente confortável de rocurônio e cisatracúrio porque foi feito um bom estoque em março. Não temos falta de fentanil, mas o fornecedor já nos informou que os pedidos de reposição não serão entregues. A equipe médica já está avaliando uma medicação substituta do fentanil.”

Alta nos preços

Os hospitais também reclamam de dificuldades em relação aos preços. O sedativo Midazolam 50 mg (ampola de 10 ml), por exemplo, custava R$ 2,86 a unidade antes da pandemia. Hoje, nas novas cotações, já chega a R$ 24,90 a unidade, ou seja, quase dez vezes mais.

A Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) ressalta que desde março “vários processos licitatórios resultaram desertos ou fracassados e muitos fornecedores solicitaram prorrogação do prazo de entrega, realinhamento de preços e cancelamento dos empenhos e registros de preços vigentes”.

Um hospital da Região Metropolitana de Curitiba, que preferiu não se identificar, reforça que a dificuldade vem desde abril, especialmente com a alta nos preços e a diminuição do fornecimento. “Alteramos alguns protocolos e substituímos medicamentos, de acordo com as recomendações médicas e farmacêuticas, para que nenhum paciente ficasse sem medicamento. Não temos falta de nenhum, mas houve dificuldades também no fornecimento de losec (omeprazol), albumina humana (proteína) e heparina (anticoagulante).”

Causas

Dentre os principais fatores pra a falta de medicamentos, relatados por fornecedores e observados pelo Centro de Medicamentos do Paraná (Cemepar), estão o aumento expressivo da demanda nacional, da capacidade produtiva dos laboratórios e dos preços, além da dificuldade de importação de matéria-prima pelos laboratórios fabricantes nacionais.

As readequações nas rotinas de trabalho também impactaram no tempo de produção e logística de entrega dos remédios. “Houve um aumento expressivo no consumo desses itens pelos hospitais que fazem parte das unidades próprias do Estado do Paraná. O Cemepar aumentou a frequência de aquisição desses itens para evitar o desabastecimento, inclusive foi sugerido às unidades priorização do uso nos casos em que não há alternativa terapêutica para otimizar os estoques existentes”, aponta a Secretaria Estadual de Saúde, destacando que os medicamentos ainda não estão em falta.

O Rocurônio é um bloqueador neuromuscular usado para intubação traqueal

Indústria farmacêutica

Uma das grandes indústrias farmacêuticas nacionais, a Cristália, fabricante do Fentanest, sustenta que, “em razão da utilização no tratamento de pacientes internados com covid-19, a demanda de alguns dos nossos produtos quadruplicou. Toda a empresa está empenhada no atendimento das demandas. Temos o compromisso de encerrar junho sem nenhum pedido pendente”.

A Eurofarma, outra importante fabricante brasileira, pontua que segue produzindo regularmente seus anestésicos e relaxantes musculares. “Porém, é de conhecimento público que a pandemia do coronavírus aumentou a demanda desses medicamentos, usados frequentemente no procedimento de intubação de pacientes graves com covid-19, junto às indústrias farmacêuticas mundialmente”, reconhece. A empresa diz que está trabalhando no aumento da produção para suprir a demanda no menor prazo possível.

Custos altos

“O consumo destes medicamentos em UTI é maior. Não sabemos se algum estado comprou mais, não sabemos se é uma falta de saldo, o que exatamente está levando a esta escassez”, enfatiza o presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Fehospar), Rangel da Silva. “Há outros pra substituir, então a orientação é que se mude a padronização dos hospitais para o uso; mas o manejo disso quem vai decidir é cada hospital.”

A entidade tem 350 hospitais particulares associados, sendo 45 em Curitiba. “Por conta da pandemia, tivemos uma redução de 80% a 90% nas cirurgias. A orientação é não fazer, principalmente as eletivas. Mas o momento é bem difícil porque o custo se mantém, mesmo sem as cirurgias, que são o carro-chefe dos hospitais especializados”, pondera Rangel.

Segundo ele, a redução da receita hospitalar chega a 60% em algumas instituições de Saúde. “Elas estão buscando linhas de financiamento com taxa reduzida, isenção de água e energia, maiores carências para empréstimo, redução do ISS municipal, que representa 5% do faturamento. Mas está sendo difícil, está muito moroso. Não sabemos a análise de impacto para deixar de cobrar ou reduzir o percentual. Geralmente a ajuda vem pros filantrópicos, mas clínicas e privados vão sofrer”, avalia o presidente da Fehospar.

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