De quem é culpa pela falta de livros nas escolas de Curitiba?

Há quase quatro meses alunos de mais da metade das escolas municipais estudam sem o material didático apropriado

Os dados do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que compra e envia livros didáticos para a rede municipal de ensino de Curitiba, mostram que a cidade recebeu mais livros do que o necessário para o público estimado de estudantes. Mesmo assim, mais da metade das escolas municipais registraram falta de livros.

O problema, os dados indicam, pode ter duas causas: um aumento acima da expectativa no número de alunos matriculados nos anos iniciais das escolas municipais de Curitiba e mudanças na composição das turmas por conta de um aumento na reprovação de estudantes. A reportagem do Plural solicitou à Secretaria Municipal de Educação uma entrevista para discutir o problema, mas recebeu como resposta apenas uma nota atribuindo ao Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) a responsabilidade pelo problema.

Sem nenhuma ação efetiva da Secretaria Municipal da Educação (SME) para resolver o problema, em algumas escolas pais de alunos cogitam se reunir para fotocopiar os livros com melhor qualidade, garantindo assim o direito das crianças ao livro didático. Isso porque já se passaram quatro meses de aula sem solução.

Mas afinal, porque os livros não chegaram às escolas e qual o tamanho real do problema?

Dados obtidos pelo Plural junto ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) mostram que a rede municipal recebeu um total de 442 mil livros para os anos iniciais do Ensino Fundamental no início de 2023. A quantidade é compatível com o total de alunos matriculados informados pela Prefeitura de Curitiba ao Ministério da Educação no Censo Escolar de 2022, dado mais atual disponível.

Apesar disso, em março e abril cerca de 116 escolas das 185 da rede municipal solicitaram mais de 54 mil livros extras à Reserva Técnica do PNLD. Desses, 39989 livros tiveram o envio autorizado e confirmado pelo MEC. Outros 224 livros foram obtidos pelas escolas através de remanejamento.

O PNLD também não registrou nenhum roubo ou perda de materiais enviados para Curitiba. E de todos os livros encaminhados à cidade, segundo a assessoria de imprensa do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação – do qual o PNLD faz parte – apenas 657 livros ainda estão em rota de entrega.

Aumento nas matrículas?

Os dados fornecidos pelo PNLD mostram que Curitiba recebeu mais livros que o necessário para o total de matrículas nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental tanto em relação aos dados do Censo Escolar de 2021 quanto de 2022. Na projeção relativa ao total de matrículas em 2022, Curitiba teria uma demanda de 429 mil livros e recebeu 442 mil livros. Considerando os livros obtidos depois do lote inicial, a cidade recebeu outros 40,2 mil obras.

No total foram destinados à capital 482 mil livros do PNLD para Curitiba, o suficiente para 80 mil estudantes. Segundo o Censo de 2022, a rede municipal tem 71 mil estudantes. Ou seja, Curitiba teria que ter ganho um aumento de mais de 10 mil estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental para que a quantidade de livros enviadas pelo PNLD fosse insuficiente.

Desde 2007 o número de matrículas no Ensino Fundamental da rede municipal de Curitiba registra queda. Mas em 2023 dois fatores podem ter contribuído para o aumento no número de matrículas: a promessa de implantação do ensino em período integral nas escolas municipais e a crise econômica que vive o país. Só entre 2020 e 2022, as escolas privadas de Curitiba perderam 2,5 mil matrículas, 7,3% do total de 33 mil estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental.

A compra de livros do PNLD para Curitiba levou em consideração os dados do Censo de 2021, porque o processo de definição e compra das obras acontece mais de um ano antes do início do ano letivo. Segundo a assessoria de imprensa do FNDE, a aquisição foi realizada no segundo semestre de 2022 e os livros enviados em dezembro daquele ano. Toda logística de envio é feita pelos Correios.

Ainda segundo o FNDE, escolas de Curitiba ofertaram 3.592 livros didáticos no remanejamento técnico do PNLD destinado a outras cidades. Essas obras estavam “sobrando” nas escolas em que foram recebidas, o que pode ser um sinal de que houve uma mudança no padrão de evolução dos alunos de 2022 para 2023. Ou seja, menos alunos evoluíram de um ano para outro, deixando a turma anterior maior que o previsto e a posterior, menor.

Em Curitiba, em 2022 1,7 de cada 100 alunos tinha dois ou mais anos de atraso escolar, segundo o Inep. Já a taxa de aprovação é de 98%, segundo o Ideb 2021. Esses resultados – muito bons para a rede – ainda não refletem as dificuldades encontradas no aprendizado pós-pandemia, quando as escolas públicas foram mantidas fechadas enquanto as particulares estavam abertas.

Como em algumas escolas a falta de material foi identificada em algumas turmas, isso pode ser um sinal de que mais alunos foram mantidos no ano que cursavam em 2022, deturpando a previsão de matrículas por ano em 2023. Em uma escola, o Plural apurou, a unidade abriu uma turma extra do primeiro ano e teve que dividir os livros que recebeu: a turma A ficou com as obras de três disciplinas enquanto a B usa as demais três.

O que pode ser feito?

O grande problema com os livros do PNLD é que a compra deles é exclusividade do Ministério da Educação para evitar o desvio de finalidade. Dessa forma, as editoras não podem vender as obras diretamente para os municípios nem para os pais de alunos. O que a SME poderia ter feito era ter se antecipado ao problema e trabalhado para garantir a compra de livros adicionais para a rede via Ministério da Educação.

Outra possibilidade é a requisição de livros no formato eletrônico para alunos de baixa visão, cegueira ou dislexia ou abrir uma solicitação especial para que as escolas usem a versão eletrônica das obras mesmo no caso de alunos sem problemas de acessibilidade. No fim de 2022 o MEC anunciou que irá fornecer livros digitais para todas as escolas, mas só para obras do PNLD que chegarão às escolas em 2024.

O uso de obras digitais dependeria da aquisição de tablets ou computadores. Em 2022, as escolas municipais já haviam recebido tais equipamentos, muito embora poucas tenham itens suficientes para todos os estudantes. A prefeitura de Curitiba poderia investir na compra de mais aparelhos para dar conta do problema atual.

Por fim, em pelo menos uma escola acompanhada pelo Plural, os pais de alunos planejam reproduzir os livros usando cópias xerografadas coloridas. A reprodução de obra sem autorização é crime contra a lei de direitos autorais (razão pela qual não citaremos aqui o nome da escola), no entanto, sem respostas da prefeitura, as famílias sentem que não têm muitas alternativas. Os próprios professores vêm fazendo cópias xerografadas em várias escolas para dar conta do conteúdo programático das disciplinas.

Sobre o/a autor/a

2 comentários em “De quem é culpa pela falta de livros nas escolas de Curitiba?”

  1. Tânia Maria Martins

    Brincadeira! Prever problemas futuros, principalmente no caso do COVID, da situação financeira em caos no país, é gerenciar problemas. Mesmo avaliando estes problemas, quem administra não resolve. O povo abaixo da pirâmide social que se resolva sozinho!

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