Cemitérios de Curitiba estão preparados para as mortes por covid-19?

Com 3 mil gavetas livres em Curitiba, Prefeitura garante capacidade para enfrentar o cenário da pandemia, mas servidores temem por falta de garantias e profissionais

“Sabemos que a capacidade que temos hoje é passível de absorver o montante de óbitos decorrentes do covid-19”, garante Clarissa Grassi, a pesquisadora cemiterial que dirige o Departamento de Serviços Especiais da Prefeitura de Curitiba.

Segundo ela, os órgãos públicos estão monitorando o cenário, mas até o momento não há motivo para preocupação com o esgotamento do setor. “Há planos de contingência para readequação da estrutura, caso haja piora nos números de óbitos que a Capital vem apresentando. A gente tem uma capacidade boa de suportar, caso essas pessoas não detenham condições financeiras de providenciar o sepultamento”, avalia, defendendo que o município tem quase 1,5 mil gavetas gratuitas disponíveis, sem contar as famílias que já possuem túmulos ou planos de cremação. 

Outro ponto levantado por Grassi é que a média de mortes em Curitiba continua a mesma: de 40 a 45 sepultamentos por dia. Até agora, foram registradas 31 vítimas fatais do coronavírus na Capital. “O que se vê em cidades como Manaus é que o número de contaminados foi muito grande e excedeu a capacidade de sepultamento. Mas também há de se levar em conta o planejamento. Como eram absorvidos esses óbitos? Na média, quantas pessoas a mais faleceram? O problema do coronavírus pode ser algo que se somou a um cenário que já estava degringolado ou perto do esgotamento”, analisa.

A pesquisadora cemiterial Clarissa Grassi. Foto: Edgar Marques/FCC

Para a profissional, o serviço funerário da capital paranaense está respondendo bem porque houve planejamento prévio – as medidas começaram a ser tomadas em fevereiro. “Todos os pontos estão interligados para que não tenhamos problemas de corpos esperando em hospitais, famílias desorientadas ou trabalhadores do setor contaminados. Além disso, o isolamento começou no momento certo. A gente precisa se manter no isolamento para mitigar o contágio o máximo possível.”

Panorama dos cemitérios

Curitiba tem 23 cemitérios: cinco municipais e 18 privados. Dados da Prefeitura apontam que o serviço público soma quase 40 mil túmulos, mas estimar a capacidade de sepultamentos é um desafio, porque além de existirem construções com possibilidades diversas de armazenamento, é o dono quem responde pelo uso do espaço. De acordo com o decreto municipal 1202, depois de três anos é possível exumar a ossada de um falecido, caso a família decida. Assim, o túmulo fica disponível novamente.

Para ter um lote dentro dos cemitérios municipais, é preciso entrar na fila quando há chamamento público. “Se contemplado, o título é perpétuo, desde que a manutenção se mantenha em dia. Se ele cair em ruína, pode ser revertido. Volta pro Município, abrimos chamamento e assim por diante”, diz a diretora. “O cemitério público é como um condomínio: as áreas comuns ficam a cargo do Município; dentro do perímetro do seu lote, é de sua responsabilidade.”

O Plural conversou com todos os cemitérios privados de Curitiba, exceto o Paroquial Santa Felicidade e o Cemitério Muçulmano, que não atenderam à Reportagem. Os nove que forneceram dados somam, pelo menos, 47 mil gavetas. Os cemitérios Israelitas Santa Cândida, Água Verde e Zona Sul; Paroquial Campo Comprido; Vertical; Jardim da Paz e Jardim da Saudade não repassaram números. 

Já os preços têm grande variação. Por exemplo: no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, é possível comprar uma gaveta por R$ 3 mil; no Parque Iguaçu, o preço do túmulo pode chegar a R$ 53 mil.

No Jardim da Saudade, um túmulo custa 25 mil. Foto: Jardim da Saudade

Quanto aos espaços destinados às famílias carentes, são 1.429 gavetas livres nos cemitérios municipais, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria do Meio Ambiente (SMA).

Porém, a informação inicial repassada pelo Departamento de Serviços Especiais foi de que também existiriam outras 1.454 gavetas para carentes no serviço particular. O dado foi contestado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais Curitiba (Sismuc), depois da publicação da reportagem. Procurada pela redação, a SMA fez a correção: as 1.454 gavetas informadas estariam para venda nos cemitérios particulares. O órgão ainda acrescentou que são quase três mil gavetas livres em toda a cidade – a soma considera as 1.429 destinadas aos carentes, no serviço público; e outras e 1.454 para venda, no privado.

“A Prefeitura faz o atendimento gratuito para pessoas de baixa renda, que comprovam que não têm condições de arcar com o sepultamento. O serviço inclui urna, transporte, paramentos, capela e local de sepultamento por três anos, é um empréstimo. Depois a família precisa fazer a exumação da ossada ou dar outro destino pra ela”, esclarece Grassi.

Adaptações ao cenário

“Quando começou a pandemia, nós fizemos uma reunião com a Vigilância Sanitária, o IML e a Epidemiologia; elaboramos um protocolo de atendimento repassado a todas as funerárias e concessionárias da cidade. Tudo no sentido de dar segurança para que os trabalhadores dessa cadeia de serviço tenham conhecimento quando o paciente é suspeito ou confirmado de covid-19”, explica a Clarissa. “Também repassamos material para os particulares, que são fiscalizados pelo Município.”

Servidores públicos com mais de 60 anos e/ou doenças crônicas foram afastados pelo decreto municipal 470. Os cemitérios municipais estão fechados para visitação. “Estamos trabalhando com uma equipe mais enxuta, efetivamente para a questão dos sepultamentos. Uma vez que nós não tivemos aumento no número de óbitos, não demanda um horário especial de atendimento. O fechamento para visitação serve para corroborar com a importância do isolamento social”

No serviço privado, o panorama é outro. Pelo menos dez cemitérios seguem abertos para visitação. Os que continuam fechados são os Paroquiais São Marcos, Santa Cândida e Abranches e os Israelitas. Além disso, nem todos dispensaram os funcionários que fazem parte do grupo de risco. 

Trabalhadores reclamam

O Sismuc visitou os cemitérios municipais e repassou as queixas dos funcionários ao Plural. Eles mencionam cortes de horas extras; escalas de trabalho com uma pessoa só; falta de normativa assegurando o horário de almoço dos funcionários; cemitérios fechados para limpeza antes de feriados e também na própria data, como foi no Dia das Mães.

“No caso da escala com um servidor apenas, se o funcionário tiver que acompanhar uma pessoa pelo cemitério, o atendimento já fica inviável. As pessoas têm agredido verbalmente os trabalhadores”, relata o sindicato.

Sobre o corte de horas extras, eles complementam: “Embora seja um serviço essencial, a verba foi deslocada para outros lugares, que talvez não sejam tão essenciais assim.” 

Em nota, o Departamento de Serviços Especiais reitera que afastou os profissionais que fazem parte do grupo de risco. “A escala de trabalho vem acontecendo apenas aos finais de semana, desde que os cemitérios municipais foram fechados, em 23 de março – o que vem acontecendo em diversas cidades do país. As demandas são, portanto, apenas para sepultamentos e não há restrições em relação ao intervalo de almoço.”

Sobre o fechamento dos cemitérios para o Dia das Mães, o órgão tem justificativa. “Não incentivar a circulação de pessoas para atividades não essenciais durante esse período. A restrição ajuda também no momento em que todo o Paraná sofre com a estiagem e a necessidade de racionamento de água. Portanto, limpezas de túmulo podem esperar que a pandemia seja aplacada e a cidade volte, gradualmente, à sua rotina.”

A respeito do corte de horas extras, não houve posicionamento.

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