Bombeiro militar assume coordenação ambiental no Sul

Em militarização de órgãos ambientais, governo federal substitui coordenação do ICMBio na região. Mudança preocupa servidores e ambientalistas

A troca de civis concursados por militares fez parte de grandes alterações na gestão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2019, primeiro ano do mandato do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Neste ano, o Ministério segue o mesmo conceito no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental do governo brasileiro.

No dia 21 de maio, foi nomeado para a Regional Sul do instituto o bombeiro militar Ronei Alcantara da Fonseca, de Brasília, no ICMBio do Distrito Federal desde o governo Temer. Ele coordenará 41 Unidades de Conservação (UCs) e substitui o policial ambiental Marledo Egídio Costa, no cargo desde junho do ano passado.

O Decreto 10.234/2020, assinado em fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), implanta no ICMBio os Núcleos de Gestão Integrada (NGI). Para que militares pudessem coordenar regionais e chefias de UCs , no modelo NGI, foi alterada a regra de exigência de servidor de carreira. A mudança administrativa permite aos novos coordenadores militares relocarem os então chefes das Unidades para trabalhos burocráticos.

“O decreto reduziu o número de cargos de chefia das Unidades de Conservação (UCs) sob responsabilidade do ICMBio. Entre cargos ligados à área ambiental, 48 foram transferidos para a área econômica”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), Denis Rivas. Para ele, as mudanças retratam um enfraquecimento do Instituto e a militarização das coordenações.

A medida de Bolsonaro também extinguiu seis das 11 coordenações regionais que existiam no Brasil. Elas foram resumidas a cinco, uma em cada região do país. O Paraná já fazia parte de uma mesma regional – ao lado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina – com sede em Florianópolis. Somente nos três Estados do Sul, as 41 UCs representam quase o tamanho da Bélgica.

“É uma forma de diminuir o poder de atuação do ICMBIo com menor presença do órgão. Por isso, vamos recorrer ao Ministério Público Federal para que se investiguem os critérios técnicos e gerenciais que justificariam a criação dos novos Núcleos de Gestão”, assegura Rivas.

De acordo com um servidor do ICMBio, que prefere não se identificar, algumas Unidades de Conservação estão sendo avaliadas para pertencerem a uma mesma chefia. “É importante melhorar a gestão, mas o problema é o motivo de deixarem as equipes o mais longe possível das unidades de conservação para inviabilizar fiscalizações, a verdadeira sacanagem”, diz o funcionário concursado.

Outra fonte ouvida pelo Plural conta que as equipes ainda estão assimilando a mudança. “Estamos defendendo internamente que estas Unidades de Conservação são muito importantes para não terem chefia única ou manutenção de chefes experientes.”

Os servidores também se preocupam pelo modelo de gestão integrada prever o fechamento de bases avançadas de Unidades de Conservação. Estas sedes – como a base avançada em Guaraqueçaba – permitem que os servidores, colaboradores e pesquisadores não precisem voltar para Antonina a cada incursão na Área de Proteção Ambiental (APA).

Descaso

A engenheira florestal Joema Carvalho avalia que a redução do número de chefes que realizam gestão de áreas protegidas, com o consequente acúmulo de demanda, significa descaso com a importância da conservação destas áreas, tornando-as ainda mais vulneráveis aos conflitos já existentes.

“Em eventuais substituições, estes cargos têm sido ocupados por pessoas que não são da área ambiental. A gestão das UCs deve ser desenvolvida com base em conhecimento técnico e científico por profissionais de ciências naturais. É realizada através de gestão integrada que considera o meio biológico, físico e socioeconômico, as fragilidades ambientais, os tipos diferentes de ecossistemas, entre outros fatores, dentro e na região de entorno destas áreas protegidas, o que implica em ações diferenciadas com base neste conjunto de informações”, avalia a engenheira florestal.   

Quanto à presença de militares em postos civis, ela não vê incompatibilidade, diante do tamanho do Brasil, mas ressalta o trabalho integrado e dentro do que as instituições militares prezam como missão.

“Estes cargos também têm sido ocupados pelo exército brasileiro. A sua presença em Unidades de Conservação é de extrema urgência e necessidade, considerando as grandes extensões destas áreas, legalmente instituídas para conservação e ou preservação. Mas desde que exerça a sua missão de ‘contribuir para a garantia da soberania nacional, dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, salvaguardando os interesses nacionais’. Seria fundamental para o monitoramento de ocorrências de crimes ambientais dentro e no entorno de Unidades de Conservação, como incêndio, caça, pesca, desmatamento, agropecuária, mineração ilegais e grilagem”, acrescenta Joema Carvalho.

A reportagem entrou em contato com a coordenação regional do ICMBio no Sul mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem. O Ministério do Meio Ambiente também não respondeu à solicitação sobre as mudanças nas coordenações e chefias do ICMBio.

Sul tem 26 mil km² de Mata Atlântica

Parque Nacional da Guaricana, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Foto: Marcos Rosa Filho

O Sul do Brasil tem 41 Unidades de Conservação (UCs), podendo ser denominadas como: Áreas de Proteção Ambiental; Áreas de Relevante Interesse Ecológico; Estações Ecológicas, Florestas Nacionais, Parques Nacionais e Reservas Biológicas. Juntas, elas formam um corredor biológico marinho e de Mata Atlântica com área de aproximadamente 26.000 km², quase o tamanho de um país europeu como a Bélgica, de 30.510 km².

No Paraná, com 17 UCs, a maior delas é a Área de Proteção Ambiental Ilhas e Várzeas do Rio Paraná – bioma Mata Atlântica de 1.005.188 hectares criada em 1997, em Umuarama. A segunda maior é APA de Guaraqueçaba – bioma Marinho Costeiro de 282.446 hectares criado em 1985, em Antonina.

Estas unidades de conservação geralmente possuem um chefe responsável para cada área, sendo um servidor concursado e com muitos anos de relacionamento com as comunidades.

A chefia de unidade do ICMBIo é responsável pela condução de propostas de preservação da fauna e flora, implantação de programas com a sociedade (que gerem visitação controlada e renda para o órgão), além de articulação com residentes pontuais e definitivos que tenham posse, termos de comodato e autorizações especiais a ribeirinhos, tribos indígenas e quilombolas. Hoje, o ICMBio coordena, no Brasil, 334 unidades de conservação.

Confira aqui no Plural todas as Unidades de Conservação do Sul do Brasil.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima