Crianças de 0 a 12 anos são reconhecidas pelos órgãos de fiscalização e normatização da atuação médica como seres em fase de crescimento e desenvolvimento, com características próprias. Por isso se preconiza que o atendimento de saúde delas seja feito por profissionais qualificados em pediatria.
Em Curitiba, no entanto, 32% das consultas realizadas na rede municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) de crianças nessa faixa etária são realizadas por clínicos gerais. Outros 27% atendimentos são encaminhamentos para especialistas, como cirurgiões, dermatologistas e oftalmologistas. O atendimento médico por pediatra acontece em 40% dos casos.
O porcentual de crianças que não são atendidas por pediatras é maior ainda nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), dedicadas ao atendimento de urgência e emergência na capital. Nessas, 69,17% das consultas pediátricas são realizadas por clínicos gerais. Os dados são da própria prefeitura, e abrangem o período de 1º de maio a 1º de agosto de 2019.
O detalhamento dos dados obtidos pelo Plural mostram que dos 232 mil atendimentos de crianças feitos no período, 18 mil (8%) foram de urgência com observação de até 24 horas. Ou seja, a criança chegou na unidade em estado grave e foi atendida num momento crítico por um clínico.
“Se a criança chegar em estado grave, os minutos iniciais são fundamentais para a sua sobrevida, não sendo cabível que ainda se tenha que chamar um profissional para prestar esse atendimento já que o médico que iniciou o atendimento está inseguro. Isso é um risco para as nossas crianças”, explica o médico pediatra Victor Horácio de Souza Costa Junior, membro da diretoria da Sociedade Paranaense de Pediatria.
A análise feita nos dados pela reportagem do Plural mostra que a situação é menos grave em caso de bebês de até um ano. Das 42 mil consultas de pacientes no primeiro ano de vida, 13% foram realizadas por clínicos, num total de 5.706 atendimentos. Desses, no entanto, 1.214 foram em situações de urgência.
A falta de pediatras no atendimento do urgência e emergência em Curitiba já havia sido mostrada pelo Plural quando a prefeitura conseguiu aprovar a gestão das UPAs por organizações sociais. Na ocasião, a reportagem do portal apontou que a UPA CIC, que é modelo desse tipo de gestão, tem apenas um médico pediatra.
Na ocasião a Secretaria Municipal de Saúde informou que o atendimento das UPAs não tem como foco as especialidades médicas e que se for necessário um pediatra é acionado.
O pediatra Costa Junior discorda da caracterização da pediatra como especialidade: “A pediatria não é mais vista como uma especialidade de tratamento de sintomas e sim como uma área que permite o diagnóstico precoce de uma seria de doenças orgânicas e psíquicas que a cada dia aumentam nesta faixa etária”. Segundo o profissional, um médico não habilitado pode facilmente não reconhecer sinais em crianças.
E completa: o médico clínico que atende crianças precisa ter, no mínimo, o curso PALS, que é ofertado pela Sociedade de Pediatria.
Para o médico é estranho que os pacientes da rede privada de atendimento tenham acesso a profissionais habilitados e os do SUS, não. “Isso é uma discriminação inconcebível para nós médicos pediatras”, desabafa.