2020 também não vai ser fácil para as universidades

Reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca diz que apesar do contingenciamento do MEC, universidade conseguiu dar conta de tudo sem parar atividades

Reitor da UFPR há três anos, Ricardo Marcelo Fonseca enfrentou seu maior desafio até agora com a crise de financiamento do ano passado. O MEC, sem maiores avisos, cortou em maio a verba das universidades – chegou um momento em que parecia que a única solução seria fechar as portas. Em setembro, o governo liberou os recursos, permitindo que as universidades chegassem ao fim do ano, ainda que aos trancos e barrancos.

Se 2019 foi difícil, o ano que começa também não parece tão fácil. O orçamento aprovado não compensa a inflação do ano, o que torna o dinheiro ainda mais apertado para manter ensino, pesquisa e extensão funcionando a pleno vapor.

Em entrevista ao Plural, o reitor diz que é importante agora achar um modelo que ajude as universidades a sobreviverem em tempos de vacas magras, inclusive buscando parte de seu financiamento em parcerias com a iniciativa privada, mas sem nunca deixar de ter o governo como principal financiador. Leia a entrevista.

Como foi fechar o ano com o dinheiro chegando em cima da hora?

Não foi simples, mas ao final deu tudo certo. Obviamente que o planejamento institucional – que é feito com base anual, a partir do que foi aprovado na LOA (Lei Orçamentária Anual) – é afetado quando o dinheiro chega somente aos 40 minutos do segundo tempo. O dinheiro retirado em maio retornou a partir do final de setembro, com prazo final para empenhar as despesas em novembro (prazo que depois foi estendido).

Mas nos preparamos para essa possibilidade junto com todos os setores de ensino e pagamos todas as despesas correntes, além de fazermos alguns investimentos estratégicos.

Teve como pagar tudo? A gente sabe que se não gasta o dinheiro, isso serve de parâmetro para mandarem menos verba no ano seguinte. Corre-se esse risco?

Afora alguns valores de programas específicos de unidades que não puderam contar com a imprevisibilidade da vinda do dinheiro (mas foram valores pequenos), gastamos todo o recurso. Pra ser exato, devolvemos ao governo federal alguns centavos. Então se o governo usar o critério do gasto anterior para avaliar o ano seguinte, não perderemos nada.

Como é a situação da UFPR na comparação com as demais federias?

Creio que passamos este ano de 2019 muito melhor do que a grande maioria das universidades. O bom planejamento orçamentário, mesmo numa crise dessa proporção, acabou fazendo a diferença.

Vi muitas instituições federais que dispensaram centenas de trabalhadores de contratos terceirizados como vigilância e limpeza, que cortaram bolsas, diminuíram o cardápio ou aumentaram o preço do restaurante universitário e até, em algumas universidades do Nordeste, que regularam o uso do ar-condicionado para economizarem luz.

Nós não tivemos nada disso: embora tenhamos tido um “passeio com emoção”, nenhuma bolsa ou auxílio foi cortado, nossos contratos e trabalhadores terceirizados foram mantidos e respeitados e nossas atividades essenciais não foram afetadas.

Já sabemos como é o orçamento 2020? Podemos ter os mesmos sustos?

O orçamento das universidades aprovado para 2020 é nominalmente igual ao de 2019. Claro que isso representa um problema, já que a nossa universidade continua em expansão (sobretudo nos campi do interior e litoral e na pós-graduação) e nossos contratos e serviços, como em qualquer orçamento doméstico, reajustam todos os anos. Então se o orçamento é igual, teremos mais dificuldades que no ano anterior, já que estaremos maiores e com despesas reajustadas.

Mas se a previsão orçamentária deste ano for integralmente cumprida, estaremos preparados para chegar até o fim e até mesmo avançando nos resultados e rankings, como aconteceu neste ano que acabou.

A realidade orçamentária brasileira está mudando, independente de governo. As federais precisam se preparar para isso? Como?

Sempre dissemos, e isso não é de agora, que a universidade pública deve incrementar suas pontes com o setor público (como em convênios com municípios, estados, ministérios, etc.) e também com o chamado setor produtivo. Desde que isso seja feito sem afetar nossa racionalidade pública e nossa autonomia, essas pontes não só incrementam a entrada de recursos, mas podem também aperfeiçoar a formação de nossos estudantes em muitas áreas com maior interface com a sociedade e com o mercado.

Devemos avançar nisso. Além disso, estamos trabalhando há tempos na formação de uma grande entidade (nos moldes da bem sucedida Associação de Amigos do Hospital de Clínicas), que seja dirigida pela nossa fundação de apoio, que possa congregar doações privadas e a formação de um fundo patrimonial para a universidade, nos moldes das instituições americanas. É uma iniciativa que dará frutos a muito longo prazo, mas é necessário começar.

Mas devo ainda acrescentar duas coisas: essas iniciativas não são de agora e já fazem parte das demandas históricas das entidades científicas e das universidades. Elas só não avançaram mais nos últimos anos por restrições e entraves legais e burocráticos que devem ser resolvidos pelo próprio âmbito legal, para que não fiquemos à mercê dos órgãos de controle da União.

Quando foi sancionada a lei dos fundos patrimoniais em janeiro de 2019, por exemplo, houve veto aos incentivos fiscais às doações feitas às universidades (de modo contrário ao que acontece nos Estados Unidos, que nisso são tidos como modelo). Outra: até hoje as universidades não podem gastar livremente todos os recursos que ela mesma arrecada, por limitações legais.

Não adianta dizer que as universidades devem buscar outras vias de arrecadação e ao mesmo tempo impedir que gastemos aquilo que arrecadamos. As universidades querem abrir novas vias de financiamento, mas o próprio Estado precisa também ajudar.

E por último, mas não menos importante: qualquer iniciativa (que é bem-vinda e necessária) para a entrada de novos recursos na universidade não pode em nenhum momento significar a diminuição do nosso financiamento público. É um erro grave achar que a o ensino superior de qualidade, a ciência e a tecnologia de um país serão majoritariamente financiados pelo setor privado. Isso não acontece em nenhum lugar do mundo e nunca acontecerá aqui.

Recursos públicos precisam financiar de modo firme e progressivo sobretudo as ciências básicas (para as quais o mercado geralmente não tem interesse imediato e sem as quais sequer existirá ciência aplicada) e também as chamadas artes e humanidades, que hoje se mostram, a meu ver, mais essenciais e estratégicas em nosso mundo cada vez mais instrumental.

Diminuir recursos públicos para as universidades vai significar sucatear as instituições e diminuir as condições de nosso desenvolvimento e de nossa soberania. Vai significar nos colocar no fim da fila da civilização.

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