Mudança na Constituição do Paraná dá força a terceirizações em novo mandato de Ratinho

Proposta do governador facilita delegação de atividades ao setor privado e mexe em prerrogativas da Assembleia

Os próximos quatro anos de Ratinho Jr. poderão ter mais mão de obra terceirizada no serviço público, indica Proposta de Emenda Constitucional (PEC) elaborada pelo governador. A matéria em análise na Assembleia Legislativa (Alep) também reduz a participação dos deputados em decisões sobre venda e uso de imóveis do Estado – caberá aos próprios parlamentares, portanto, decidirem se abrem ou não mão de parte de suas prerrogativas.

O paradoxo fez emergir uma breve e passageira polêmica dentro da Casa, mas nada suficiente para cortar o fôlego da iniciativa. Há em curso tratativas de emendas para aliviar o conflito corporativo da PEC 3/2022, que, como os últimos projetos enviados à Alep pelo governador, será votada a toque de caixa. A previsão é de encerrar o trâmite ainda nesta semana.

A proposta modifica trechos distintos da Constituição paranaense. Chamada de “PEC dos Bombeiros”, trata majoritariamente de uma nova formatação administrativa do Corpo de Bombeiros – desmembra-o da Polícia Militar, mas de arremate altera e revoga artigos em um movimento cujas intenções têm sido bastante questionadas pela oposição e deputados independentes.

“Não é PEC dos bombeiros. Se queremos fazer a PEC dos bombeiros, façamos uma só para os bombeiros. Agora não misture com a retirada de prerrogativas da Assembleia Legislativa”, criticou o deputado Tadeu Veneri, do PT, em pronunciamento na semana passada.

Entre as mudanças previstas, a proposta revoga o artigo 39 do texto constitucional do Estado. O item proíbe a contratação de terceirizados para atividades possíveis de serem exercidas por servidores públicos, incluindo a cobrança de débitos. A supressão, justifica o Executivo, cumpre o Princípio da Simetria entre União e unidades federativas e adequa a carta constitucional do Paraná à Constituição Federal, que não dispõe da mesma premissa.

Apesar de ainda ser incerto seu impacto, deputados contrários à iniciativa a leem como uma nova jogada do para ampliar a abertura do serviço público à iniciativa privada. Eles apostam na hipótese de substituição em massa de professores e médicos concursados ou contratados pelo governo por trabalhadores terceirizados e até mesma na transferência do serviço de cobrança de dívidas públicas a bancos. A APP Sindicato, representante dos docentes da rede, prevê a possibilidade do fim dos concursos públicos e dos processos seletivos simplificados do magistério.

As possibilidades ganham força se considerada decisões recentes do governador de privatizar as gestões de escolas da rede estadual – com possibilidade de a empresa privada ajudar a preencher o quadro de professores – e de terceirizar hospitais do interior entregues durante a pandemia da Covid-19.

“Me parece que o governo está usando os bombeiros para enfiar um pacote de ainda mais maldade ao estado. Será que o governador não quer entregar e terceirizar o cargo desse também? Porque pelo jeito ele não quer mais gerir nada”, disse a deputada Mabel Canto (PSDB) em sessão no Plenário na última quarta-feira (30).

Especialistas ouvidos pelo Plural admitem a possibilidade de aumento da substituição de concursados, mas não interpretam a medida como um aceno à terceirização sem limites na máquina estadual.

Na avaliação de Bernardo Guimarães, especialista em Direito Administrativo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o texto da PEC sugere a intenção do governo em delegar mais atividades, mas não implica, necessariamente, na configuração de um modelo de terceirização amplo e irrestrito. “A revogação em si não leva à terceirização, e o modelo federal para servidores públicos é bem engessado”, afirma.

Para o docente, a incorporação da iniciativa privada pelo Estado é uma alternativa viável ao limite de endividamento da máquina pública. Por outro lado, sempre suscita discussão sobre o que deve permanecer nas mãos do governo como uma forma de garantia do serviço público.

“A questão é o que é essencial? Sempre tem essa discussão sobre o que é essencial e o que não é, e aí se põe o grande cabo de guerra”.

O advogado Rodrigo Kanayama, doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professor na mesma instituição, também acredita que a revogação do artigo 39 “pode dar azo à mais terceirização da atividade-fim”, embora dentro limitações já definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ele lembra, por exemplo, DE decisão dos membros da Corte que só permite a delegação de serviços essenciais a entidades em regime de organização social (OSs).

Segundo o professor da UFPR, o mecanismo é uma oportunidade de dar mais liberdade à gestão e aumentar a margem de folga das finanças do Paraná. No entanto, Kanayama pondera que uma terceirização sem parâmetros poderia ser prejudicial se ignorasse a importância dos servidores na garantia da continuidade dos serviços prestados.

“Caso aconteça uma terceirização massiva por meio de Organizações Sociais, com certeza o serviço público sofre. O servidor conhece como o serviço funciona, estão comprometidos com isso”, diz.

Guimarães, da PUCPR, faz a mesma ressalva. Conforme o docente, a relação de trabalho do concursado tem fundamento no conceito de autonomia, que beneficia políticas de Estado, e não de governos, e precisa ser considerada nas decisões de conceder atividades ao setor privado.

“A gente precisa lembrar que a lógica da estabilidade é proteger o interesse do Estado em detrimento da orientação política, dar essa maior garantia para dar independência funcional”, afirma.

Menos Alep

A mesma PEC enviada por Ratinho Jr. também quer menos mediação do Legislativo nas decisões sobre doações e uso de imóveis do Estado.

A mudança intencionada suprime das atribuições do Legislativo o poder de balizar compras e alienação de bens imóveis. Ao mesmo, modifica artigo para possibilitar doações de imóveis a entes da administração pública – inclusive de direito privado, sem exploração de atividade econômica – sem a necessidade de estabelecer, para isso, um projeto de lei.

Os trechos geraram faíscas dentro da Casa. Aos deputados, o presidente da Alep, Ademar Traiano (PSD), disse ter providenciado conversas para entender o alcance da medida e adiantou que não tem a intenção de colaborar com propostas que diminuem as prerrogativas da Assembleia.

O governo defende retirar do Legislativo a função de autorizar compras e alienação de imóveis para auxiliar na simplificação dos processos de aquisição. Na prática, seria uma iniciativa para desamarrar os procedimentos da Companhia de Habitação (Cohapar). Em defesa, o deputado Marcel Micheletto (PL), líder de Ratinho na Alep, tentou botar panos quentes na discussão e disse não ser “vontade do governo tentar diminuir a Casa”.

“Se tem algumas prerrogativas que são de interesse desta Casa que possam ser mexidas, nós jamais vamos deixar de defendê-las. Eu também sou deputado. Mesmo na liderança do governo, precisamos tratar disso de forma muito responsável”. Os atritos de interpretação devem levar a base a apresentar emendas para arrefecer os ânimos e não prejudicar o restante do texto.  

Propostas de Emenda à Constituição precisam ser avaliadas por uma Comissão Especial de Reforma à Constituição, instaurada na última quinta-feira. Para ser aprovada, a PEC precisa de três quintos dos votos em plenário.

A iniciativa foi submetida por Ratinho Jr. em regime de urgência, uma marca do governador para fugir das discussões de projetos polêmicos submetidos nas últimas semanas. Foi assim, por exemplo, no caso do PL de privatização da Copel, aprovada em quatro dias, e da matéria que retirou a autonomia da Biblioteca Pública do Paraná em meio a uma reforma administrativa que criou nove novas secretarias estaduais – a um custo de pelo menos R$ 93 milhões por ano.

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