Estrada do Colono serviu para emboscada e assassinatos durante a ditadura

Cinco militantes foram assassinados pela ditadura no episódio conhecido como Massacre de Medianeira

Numa noite de 1974, cinco homens que lutavam contra a ditadura militar brasileira – quatro brasileiros e um argentino – foram atraídos por dois agentes infiltrados do Exército para uma emboscada dentro da floresta do Parque Nacional do Iguaçu (PNI), na região Oeste do Paraná. Ao toque combinado pelos executores, um clarão se deu em meio à mata e tiros foram disparados. O quinteto morreu no local. Os infiltrados se jogaram ao chão e, como esperado, se safaram. 

Anos mais tarde, um dos militares infiltrados, Otávio Rainolfo da Silva, contou detalhes da operação à Comissão Estadual da Verdade Teresa Urban. De acordo com relatos, os corpos do grupo foram enterrados em uma área acessível através da então Estrada do Colono. Foi ali que o Centro de Informações do Exército – CIE, armou uma armadilha e executou a sangue frio um dos grupos que formaram a Resistência Brasileira à ditadura militar.

Armadilha para a morte

Militantes assassinados no Massacre de Medianeira

Joel José de Carvalho, Daniel Carvalho, José Lavecchia, Vitor Carlos Ramos eram militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), grupo que resistiu ao Golpe de 1964 e estava exilado na Argentina naquele ano de 1974. Lá, juntamente com o argentino Ernesto Ruggia, eles foram atraídos pela armadilha de Alberi Vieira dos Santos, agente infiltrado na resistência, e de Rainolfo, que se fazia passar por motorista.

O depoimento de Rainolfo revela uma trama arquitetada a sangue frio por ele e Alberi. Naquela noite de 13 de julho de 1974, Rainolfo levou o grupo para Foz do Iguaçu em uma Rural Willys supostamente para retomarem o enfrentamento à ditadura. No meio da mata, foram executados e enterrados. 

“Quando deu naquele toco [local combinado para as execuções] já acendeu a luz, parecia um computador, acendeu, e eu também já sabia que era para deitar e eu deitei, os outros se assustaram, no meio de um mato daqueles, ver luz acender. Até eu me assustei, eu que sabia assustei, imagina quem não sabia”, disse Rainolfo à Comissão.

De acordo com o militar, os corpos estão enterrados na área próxima onde os guerrilheiros foram executados. Apesar disso, buscas já feitas no local pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), sediada na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, jamais os localizou.

O Massacre de Medianeira, como ficou conhecido o desfecho da missão da qual Rainolfo participou, ainda viria a vitimar um sexto integrante do grupo. Onofre Pinto acabou assassinado naquele mesmo ano e também em Foz do Iguaçu. Para a CNV, “há fortes indícios de que os fatos que se relacionam a esse caso e às ações da ditadura militar se conectam à colaboração entre os países do Cone Sul na repressão, cujo conjunto de ações foi denominado Operação Condor 8”.

46 anos depois do massacre, estrada pode ser reaberta

Quase cinquenta anos depois da emboscada que causou a morte dos militantes, a Estrada do Colono, onde aconteceram os assassinatos, pode ser reaberta por iniciativa do deputado Vermelho (PSD-PR) que tramita na Câmara Federal. A proposta é abrir um rasgo na floresta onde antes existia a Estrada do Colono, fechada em 1986 por decisão judicial já transitada em julgado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) desde 2001. Ou seja, que não cabe mais recursos e a reabertura é totalmente ilegal. 

Operação para fechamento da Estrada do Colono – Acervo Prefeitura de Serranópolis do Iguaçu

Trata-se de uma faixa de mata fechada com aproximadamente 18 km de extensão por seis metros de largura, no trecho mais importante para preservação do Parque Nacional do Iguaçu.  “Ela foi fechada porque diferentes autoridades do poder público entenderam que essa estrada foi propulsora de atividades de caça predatória, extração ilegal de madeira e palmito no interior da Unidade de Conservação (UC), e também incêndios florestais, isolamento geográfico da fauna em cada lado da estrada e risco à segurança fronteiriça”, alertou Angela Kuczach, bióloga da ONG Rede Pro UC.

O parecer do Ministério Público Federal apontou que a abertura de uma estrada no local poderia devastar, pelo menos, 20 hectares de Mata Atlântica e provocar diversos danos ambientais, além da criação de uma nova rota de contrabando.

O PL 984/2019, pode ser entendido como mais uma de tantas “boiadas”, que infelizmente estão sendo aprovadas por este governo. O Parque Nacional do Iguaçu é a última grande área de Mata Atlântica de interior que ainda existe no sul do Brasil e Patrimônio Natural da Humanidade. Mas a Unesco já alertou o país que pode tirar o título, com uma nova estrada no local. 

Outra perda possível ICMS-Ecológico, por ser bastante chamativo: o Parque foi responsável pelo valor total de R$ 19.776.007,12 para os municípios de seu entorno, apenas em 2020, conforme dados do IAT. Esse total seria prejudicado em caso da construção da rodovia.

Estrada Parque ou Estrada da Morte?

A “estrada-parque” pretendida por Vermelho e apoiada por Jair Bolsonaro é uma figura inexistente na legislação brasileira. O conceito de estrada-parque, desenvolvido nos Estados Unidos, não tem a ver com abrir uma rodovia em unidade de conservação já existente. As estradas-parque são, na verdade, parques lineares, criados justamente ao longo de uma estrada, com objetivo de conservar a paisagem às margens. 

Em geral, nesse tipo de caminho não é permitido o trânsito de veículos comerciais e pesados — contrariando o discurso de que isso atrairia desenvolvimento econômico. E a velocidade é rigidamente controlada. São parques com valor educativo, cultural, recreativo ou panorâmico. São concebidos principalmente para proporcionar a contemplação de paisagens, conservando-se as vistas panorâmicas existentes às margens, que podem ser antigas fazendas, vilas, construções históricas.

As estradas-parque não são concebidas para conservar a natureza, como são os parques nacionais, como o Iguaçu. São ideias contraditórias. A iniciativa da estrada parque, além de totalmente ilegal – pois já há sentença transitada em julgado no sentido contrário -, pode  favorecer o deputado proponente do projeto, ele próprio dono de uma fábrica de asfalto na região.

Mas quem é Vermelho?

O deputado Vermelho, da base de apoio do governador Ratinho Jr. e de Bolsonaro, foi denunciado pela Operação Pecúlio, que investiga a existência de um mensalinho em Foz do Iguaçu. A família é proprietária da Construtora Coguetto Maria que atua na região no ramo da mineração, concreto, pavimentação e construção pesada. 

Ele e o filho, foram denunciados pelo Ministério Público Federal por supostos pagamentos a servidores e políticos na gestão do então prefeito de Foz do Iguaçu, Reni Pereira. Em 2017, o juiz federal Pedro Carvalho Aguirre Filho, da 3ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, absolveu a dupla alegando “provas insuficientes”. Mas o MPF recorreu da sentença ao TRF4 em 2018, mas ainda não há nova decisão. 

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1 comentário em “Estrada do Colono serviu para emboscada e assassinatos durante a ditadura”

  1. Observador do Observatório

    O debate é válido, mas deve ser efetuado partindo-se de premissas válidas. Há pelo menos um erro no texto, quando afirma “Ou seja, que não cabe mais recursos e a reabertura é totalmente ilegal “. A parte de não caber mais recursos é verdadeira, já a frase “a reabertura é totalmente ilegal” é falsa. A estrada foi fechada apenas porque não estava prevista no plano de manejo do parque. Se o plano de manejo autorizasse (como de fato autoriza uma rodovia federal até as Cataratas), a estrada não poderia ser fechada pelo Judiciário. Por sua vez, o plano de manejo somente tem essa autoridade porque o legislador deu essa autoridade para a administração do parque. Se o legislativo delegou essa autoridade, esse mesmo legislativo pode revogar essa autoridade, impondo a existência da estrada, desde que o faça por instrumento legislativo de mesma hierarquia, ou seja, por outra lei federal.

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