Ver “Contágio” hoje pode ser uma experiência esclarecedora

Filme de Steven Soderbergh, lançado em 2011, voltou a chamar atenção porque trata de um vírus que se espalha rápido pelo mundo

O filme “Contágio” poderia ser indicado como parte dos procedimentos para se lidar com o coronavírus. “Agora, todo mundo fica em quarentena e vê ‘Contágio’ para entender o que diabos está acontecendo”. Chega a ser assustador como, nesse caso, a ficção parece premonitória. Por causa do atual estado de coisas, o filme de 2011 voltou a figurar entre os mais vistos no iTunes, a loja virtual da Apple, nos Estados Unidos.

Dirigido por Steven Soderbergh, com roteiro de Scott Z. Burns, “Contágio” tem um ritmo de suspense policial, mas o bandido ali é um vírus novo, que ninguém sabe dizer de onde veio. Ao menos não até que alguns cientistas descobrem que ele existe porque, como diz uma pesquisadora, “em algum lugar do mundo, o porco errado encontrou o morcego errado”.

Uma das coisas mais impressionantes do filme (foi uma coisa que me impressionou) é a ausência total de álcool gel. Ninguém nem menciona o dito-cujo e a população não esvazia as prateleiras das farmácias, embora ele já existisse em 2011. Para compensar, as máscaras estão por toda parte.

Sabe-se que Soderbergh gosta de operar câmeras em seus filmes. Ele mesmo pega as traquitanas, põe nos ombros e decide para onde apontar as lentes. Em “Contágio”, ele se preocupa em filmar os lugares por onde as mãos passam. As mãos são um problema, agora todo mundo sabe. A personagem de Kate Winslet, do serviço de inteligência de epidemias – o trabalho dela é rastrear as pessoas que estão com a doença e as outras que tiveram contato com os doentes –, explica que tocamos o rosto de 2 mil a 3 mil vezes por dia.

Soderbergh estende uma cena um pouquinho mais para mostrar a tigela de amendoins em um bar ou o corrimão de um ônibus. Ele mostra a mãe infectada abraçando o filho até então saudável. Ou o bartender que recolhe um copo usado por alguém doente…

O filme, mais a situação atual, vão deixar os paranoicos ainda mais transtornados. Isto é um aviso: ver ou rever “Contágio” talvez não seja nem um pouco divertido. Mas está tudo explicado no filme: a taxa de mortalidade, como os vírus se espalham, como funcionam agências reguladoras como o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (o CDC, na sigla em inglês). Como os cientistas trabalham nos laboratórios, as dificuldades de se criar uma vacina, os percalços burocráticos que precisam ser vencidos, e o desespero e a perplexidade do mundo inteiro.

A certa altura, o dr. Ellis Cheever, personagem de Laurence Fishburne, é questionado sobre as medidas restritivas que está propondo e responde: “Prefiro que digam que reagimos com exagero do que digam que muitos morreram porque não fizemos o suficiente”. Soa familiar.

Um sacada do filme é fazer com que algumas discussões técnicas ocorram só com imagens e música (genial, de Cliff Martinez, que só aumenta a tensão). Não ouvimos o palavrório científico, mas conseguimos entender o que se passa.

As semelhanças com o mundo sob o coronavírus são muitas, mas as diferenças também. Afinal, trata-se de uma ficção e alguns detalhes precisam ser devidamente exagerados.

Assim o vírus fictício tem uma taxa de mortalidade grande, de 20% a princípio, mas depois chega a 30%. O Covid-19, na pior das hipóteses, tem uma taxa de 3,4% (até onde se sabe; como os testes realizados para saber quem tem o vírus não são muitos, essa taxa pode ser menor).

Essa mortalidade elevada é um erro factual do filme: apesar de ser muito letal, matando suas vítimas em um, dois ou três dias, o MEV-1 também consegue se espalhar extremamente rápido para várias partes do mundo. É um erro porque, explicam os cientistas, um vírus que se manifesta de maneira tão violenta permite que as pessoas sejam isoladas e a proliferação, controlada, relativamente rápido. Um dos problemas do coronavírus é justamente o fato de ter um período longo de incubação (14 dias), permitindo que ele se espalhe mais facilmente porque as pessoas que estão transmitindo a doença passam muito tempo assintomáticas.

Outra coincidência: em “ Contágio”, as autoridades japonesas também são acusadas de encobrir a doença (o Japão, no mundo fora do filme, era acusado de maquiar os números do coronavírus dentro do país para não ter de adiar os jogos olímpicos, mas, nesta terça-feira (24), a Olímpiada foi de fato adiada para 2021).

De resto, tudo em “Contágio” acontece com velocidade. Em menos de um mês, o caos toma conta de várias cidades e o desfecho chega em quatro meses. Já a crise do coronavírus começou na China em novembro. Estamos no quarto mês e ainda longe de ver um desfecho para tudo que está acontecendo.

Serviço

“Contágio” pode ser alugado por R$ 7,90 ou comprado por R$ 19,90 nas lojas Apple iTunes e Google Play. No momento, o filme também faz parte do acervo da HBO Go.

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