“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” dá três piscadinhas para o público

Filme pega a ideia de multiverso e, ao contrário do que acontece com os filmes da Marvel, faz algo interessante com ela

Tem gente afirmando que “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, filme dos diretores Dan Kwan e Daniel Scheinert, é um dos melhores, senão o melhor, filme sobre multiverso. E, a despeito de a história toda se passar em um vai-e-vem de linhas temporais e de versões dos personagens principais, essa é uma maneira simplista de entender o filme – ou de não entender o filme.

Sabe como um filme, qualquer filme, se passa em algum lugar? Em Paris, em Tóquio, em Nárnia ou na Terra Média? Pois “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” se passa no multiverso. É isso. O multiverso é apenas o cenário onde os personagens transitam.

Tanto é que, se você parar para prestar atenção, o multiverso de Kwan e Scheinert é algo meio anos 1980, é bem-humorado e irônico. Repare: desde a estética da tecnologia que torna o multiverso transitável até a maneira como os personagens-alfa (as versões primeiras, originais dos personagens) “saltam” de uma linha temporal para outra, fazendo qualquer coisa nonsense como comer um batom ou fazer xixi na calça – nada ali se pretende sério, nada ali é sobre o fim dos tempos ou sobre ameaças à humanidade (na verdade, a ameaça aqui vem na forma de um donut gigante – alô, alô, Marvel…).

“Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”

O multiverso de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” é na verdade uma belíssima metáfora para a vida e essa coisa muito louca chamada relacionamentos.

Cada linha temporal – em que cada personagem é uma versão diferente de si mesmo, mais ou menos bem-sucedido, rico ou pobre, feliz ou infeliz seja lá com quais escolhas fez na vida – é o equivalente ao enorme punhado de “SEs” que todo mundo carrega consigo. E se eu tivesse feito Zootecnia em vez de Engenharia Civil? E se eu tivesse casado e tido filhos? E se eu não tivesse ido embora?

No filme, Evelyn Wang (interpretada por Michelle Yeoh) se considera uma perdedora. Vive às voltas com meia dúzia de negócios mal sucedidos enquanto faz manobras para evitar a Receita Federal americana. Não está particularmente satisfeita com seu marido Waymond Wang (vivido por Ke Huy Quan, um dos menininhos de “Goonies”), a pessoa por quem migrou da China para os Estados Unidos. E definitivamente não está satisfeita com a filha gay. 

(Atenção: daqui em diante, este texto terá spoilers. Mas talvez você já saiba de tudo isso em outra linha temporal.)

Multiverso

Quando descobre que o multiverso não só existe como em outras linhas temporais ela é uma grande estrela do cinema ou uma cientista fantástica, Evelyn faz o que qualquer um faria: quer ficar com a versão melhor de si mesma, não quer ser a perdedora. E aí está a primeira piscadinha do filme: fazer as duas versões existirem ao mesmo tempo. No filme, por causa do multiverso; na vida real, porque nós não somos uma coisa só e a vida prática e concreta não é linear. A gente escolhe o tempo todo, às vezes bem, às vezes mal.

Para além de todas as versões possíveis de cada um de nós, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” fala sobre um tempo em que nós somos constantemente seduzidos e frustrados (não ao mesmo tempo, mas olha, quase) pelas aparentemente infinitas possibilidades de vida, de trabalho, de viagens, de refeições, de rolês, de ser? As redes sociais nos colocam em contato com algumas versões das mesmas pessoas e, com frequência, a pessoa que a gente vê no Instagram não é a mesma que aparece no Linkedin e, menos ainda, a pessoa que frequenta o grupo de zap da família.

Não é legal

Então descobrimos que a grande vilã do filme é a filha adolescente de Evelyn, Joy Wang (Stephanie Hsu) e que ela só virou essa vilã porque a mãe a pressionou demais (pois então). A consequência disso é que Joy agora consegue estar presente em todas as linhas temporais possíveis simultaneamente e sentir tudo, saber tudo e fazer tudo ao mesmo tempo.

E adivinha? Não é legal (essa é a piscadinha número dois). E é por isso que a adolescente dá uma surtada e ameaça acabar com o multiverso todinho.

No fim, ficamos sabendo que a filha não é uma vilã de verdade e, no fundo, quer apenas “mostrar para a mãe o que ela vê”.

Por que às vezes quando você está muito confuso e cansado da vida, tudo o que quer é alguém perto que pode até não entender o que você está passando, mas pelo menos está ali, testemunhando o mesmo que você. (E essa é a piscadinha número três.)

Onde assistir

Em Curitiba, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” está em cartaz no Cine Passeio.

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