Monica Rischbieter questionou uso de verba da Lei Aldir Blanc antes de ser exonerada

Em entrevista exclusiva, ex-diretora do Guaíra fala sobre as possíveis causas de sua demissão; Superintendência de Cultura nega que o dinheiro tivesse de ser devolvido para Brasília

Monica Rischbieter ainda era diretora do Teatro Guaíra e estava para começar uma reunião sobre um novo espetáculo de balé quando recebeu a mensagem de um amigo. Ele dizia que estava triste por ela. Era o dia 1º de fevereiro, uma terça-feira. “Por que, criatura?”, ela respondeu, sem saber de nada. “O Diário Oficial diz que você foi exonerada”, ele disse. Já eram três da tarde e ninguém acima dela na hierarquia tinha se lembrado de avisá-la. Um fim melancólico para um trabalho elogiado que durou 11 anos.

A demissão foi surpresa não só para Monica – muita gente nas redes sociais começou a perguntar o que tinha acontecido. Filha do falecido ministro Karlos Rischbieter e da engenheira Franchette Rischbieter, que dá nome ao Jardim Botânico da cidade, Monica é uma espécie de unanimidade na classe artística. No governo Jaime Lerner, chegou a ser Secretária de Cultura. Depois foi chamada para dirigir o Guaíra por Beto Richa, sendo mantida por Cida Borghetti e por Ratinho. Quer dizer, até virar o mês de fevereiro.

Desde o primeiro dia, ela recusou entrevistas, dizendo que não conseguia falar do assunto sem chorar. Na segunda-feira (7), falou com exclusividade para o Plural, aventando possíveis causas para sua exoneração e para o modo como ela aconteceu.

Lei Aldir Blanc

Na versão de Monica, o ponto decisivo para sua demissão foi uma divergência sobre o uso do dinheiro da Lei Aldir Blanc. A diretora do Guaíra foi informada de que deveria fazer um edital com a verba para beneficiar bandas e fanfarras do Paraná, e diz ter achado tudo muito estranho.

“A Lei Aldir Blanc tinha prazo para acabar, em 31 de dezembro. E o que não tivesse sido usado precisava ser devolvido em 10 de janeiro, que já passou”, diz ela. Para ter certeza da legalidade do ato, Monica encaminhou o edital para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) com uma pergunta sobre a possibilidade de uso da verba da Aldir Blanc em 2022.

Monica diz que não recebeu o parecer da PGE, mas que adivinha seu conteúdo. “Se fosse favorável, eu não tinha sido demitida, certo?” Embora o parecer ainda não seja público, o Plural apurou que de fato a procuradoria recomendou que a verba não fosse utilizada em 2022. O edital de bandas e fanfarras, por essas e outras, ainda não saiu.

A superintendente de Cultura do governo do estado, Luciana Casagrande Pereira, diz que tem segurança absoluta quanto ao uso do recurso da Aldir Blanc, e nega que tenha sido esse o motivo da exoneração de Monica. “Houve várias divergências, e isso é comum. Claro que, com o acúmulo de discordâncias, às vezes o trabalho pode ficar mais difícil”, disse em entrevista ao Plural nesta quarta-feira (8). “Mas o motivo da troca foi outro. É bom ter uma oxigenação, novos olhares. A Monica fez um trabalho fantástico, mas já estava ali fazia 12 anos.”

Segundo Luciana Casagrande, o novo diretor do Guaíra, Cleverson Cavalheiro, está empolgadíssimo e deve trazer renovação para o teatro. Cavalheiro era diretor artístico já na gestão de Monica Rischbieter. E de acordo com a superintendente, o edital de bandas e fanfarras vai sair.

Interpretações

“A lei sempre permite várias interpretações, e nós acreditamos que o governo deve adotar a interpretação que é melhor para a vida das pessoas”, diz ela. Segundo Luciana Casagrande Pereira, o que a Lei Aldir Blanc determinava é que o saldo fosse devolvido, mas não havia mais saldo porque o dinheiro havia sido encaminhado para outras instituições.

A solução encontrada pelo governo para o problema do prazo foi o repasse do recurso para órgãos que estão sendo chamados de “instâncias intermediárias”. Além do Guaíra, instituições como a Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e a Fundação da Universidade Estadual de Londrina (UEL) receberam a verba com instruções para fazer editais. Assim, o dinheiro não estava mais na conta da Superintendência de Cultura – e portanto, em tese, não precisava ser devolvido.

O Paraná recebeu cerca de R$ 72 milhões da Aldir Blanc, uma lei criada para dar renda a pessoas da classe artística durante a pandemia. O dinheiro servia para auxílio-emergencial, bolsas e também para editais de fomento. No Paraná, R$ 36 milhões foram usados na Bolsa Qualificação, que ensinou artistas a fazerem projetos para leis de incentivo.

A Superintendência de Cultura (não existe mais Secretaria de Cultura no Paraná), subordinada à Secretaria de Comunicação, disse que percebia que o dinheiro não estava sendo acessado em parte porque as pessoas não sabiam como participar de editais. Por isso, a ideia da qualificação.

Luciana Pereira diz também que o repasse para outras instituições na virada de 2021 para 2022 não foi uma chicana jurídica para evitar a devolução do dinheiro. “Chegamos à conclusão de que primeiro precisávamos terminar a qualificação, para só depois lançar os editais”, diz.

Quanto à ideia de lançar um edital para bandas e fanfarras, que normalmente não são compostas por artistas remunerados, Luciana diz que nem por isso o edital foge do espectro da Lei Aldir Blanc – e afirma que há, sim, bandas e fanfarras com músicos profissionais remunerados.

Atritos

Dentre outros atritos citados por Monica Rischbieter que teriam levado a um desgaste entre as partes, estaria também a renovação dos quadros do Palco Paraná – organização social criada para remunerar músicos da Orquestra Sinfônica e bailarinos do Guaíra. As pessoas colocadas nas funções por Monica, que criou a organização, foram paulatinamente sendo substituídas no governo Ratinho.

“Toda vez que tiravam uma pessoa, eu chorava, me jogava no chão, brigava. Acho que isso também causou desgaste”, diz Monica.

Luciana diz que não vê isso como motivo de atrito. “É normal na administração pública você querer renovar os quadros”, afirma. “E também era normal que ela quisesse defender a equipe que ajudou a montar.”

O Plural apurou que dois outros pedidos teriam irritado Monica Rischbieter desde o início do governo. Um deles, para que a orquestra passasse a tocar um repertório mais popular, incluindo sertanejo, numa tentativa de aproximação com o governador Ratinho Jr. O outro, para que a orquestra tocasse em aniversários de cidades comandadas por aliados políticos do governo.

Quando questionada sobre isso, porém, Monica Rischbieter desconversa e diz que não houve nada importante nesses casos. O pedido para tocar um repertório estranho à orquestra teria sido feito informalmente por um ex-secretário. E, segundo ela, não há problema em tocar no interior, desde que as prefeituras cubram custos de deslocamento.

Sem despedida

O que Luciana concorda é que a forma da demissão não foi ideal. A superintendente diz que imaginava que a publicação em Diário Oficial sairia em outra data, e que preferia ter informado Monica pessoalmente da decisão. “Foi um erro, não era para ser assim”, diz ela.

Monica Rischbieter diz que quando soube da exoneração tentou falar com o secretário de Comunicação, João Evaristo Debiasi, que no governo Ratinho responde pela Cultura. “Ele não respondeu minha mensagem. Liguei e expliquei a situação para a secretária, disse que tinha sido exonerada e que queria falar com ele. Ela só me informou que o secretário não ia falar comigo.”

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1 comentário em “Monica Rischbieter questionou uso de verba da Lei Aldir Blanc antes de ser exonerada”

  1. Não sou da área, mas acho que com a saída da Monica Rischbieter, quem perde é a cultura do Paraná e do Brasil, e quem ganha são os amigos do Mouse, pois agora a orquestra terá que tocar as músicas do Teodoro & Sampaio para os amigos e apoiadores do Mouse. É a política da “terra arrasada”.

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