A ideia de ver um filme do Butão soa excêntrica, mas “A felicidade das pequenas coisas” é mais universal do que se pode esperar vindo de um país com pouquíssima tradição cinematográfica. O diretor e roteirista Pawo Choyning Dorji fez valer a sugestão de Tolstói, o autor de “Guerra e paz”, que disse algo sobre ser universal falando da própria aldeia.
Pois Dorji fala da própria aldeia de maneira inspirada e bem-humorada. É impressionante que esse seja apenas seu primeiro filme (indicado ao Oscar 2022). A história fala de um professor jovem designado pelo governo butanês a dar aulas em uma localidade remota do país, um vilarejo chamado Lunana, com uma população de 50 e poucas pessoas.
Ugyen Dorji, o professor, encara a profissão como algo que faz para se sustentar enquanto aguarda o visto para a Austrália. Ele quer dar o fora do Butão e se dedicar à carreira de cantor na terra dos cangurus. A notícia de ir para o fim do mundo dar aulas por alguns meses não é exatamente uma boa notícia.
Fim do mundo
Aqui vale esclarecer o que significa “o fim do mundo” no Butão. O país inteiro tem menos de 800 mil habitantes, o equivalente a menos da metade das 2 milhões de pessoas que vivem em Curitiba. Embora esteja mais próximo (no mapa) da China e da Índia, o Butão sofre mais influência do Tibete, tanto na cultura quanto na religião. Trata-se de um território cravado de montanhas – parte dos Himalaias fica no Butão. Para chegar até Lunana, um vilarejo a quase 5 mil metros de altura, Ugyen precisa de um guia (dois, na verdade) e tem de caminhar seis dias e seis noites a pé, com burricos carregando as bagagens.
Não existe outra forma de se chegar até Lunana. O vilarejo não tem eletricidade, mas conta com painéis solares. Ainda assim, aparelhos eletrônicos funcionam quando querem, sobretudo os telefones.
O curioso é que esse percurso até Lunana descrito na história é exatamente o mesmo percurso feito pela produção do filme. As câmeras precisavam de energia solar para funcionar e, em dias ruins, não havia luz e não havia energia. Por consequência, as filmagens tinham de ser interrompidas.
Contra o cinismo
Por ser jovem e morar em Thimbu, a capital butanesa, o professor Ugyen não disfarça a arrogância e o cinismo com o povo simples que vive nas montanhas. E essa é uma das sacadas de “A felicidade das pequenas coisas”. Essas pessoas podem viver em lugares ermos, longe das metrópoles, mas a compreensão que elas têm da vida e do mundo é mais complexa e bem resolvida do que a visão meio adolescente que anima Ugyen.
É como se uma parte dos butaneses tivesse entendido algo sobre a existência que o resto do mundo ainda não entendeu. Talvez seja a geografia do lugar? Não seria esse o motivo de pessoas pagarem caro por pacotes de turismo para caminhar no Butão?
No fim, adivinhe, a relação do professor com os alunos vai marcar o professor para sempre, assim como a experiência dele será uma influência importante para os alunos. O desfecho do filme pode ser um pouco previsível, mas não é bobo e alegre como será, com certeza, a versão hollywoodiana que os americanos devem fazer em breve (é só uma questão de tempo até que isso aconteça). O diretor Dorji é muito melhor do que isso.
A arrogância e o cinismo de Ugyen com a gente simples das montanhas é também a arrogância e o cinismo dos conectados em relação aos desconectados. E a resposta da gente simples das montanhas não poderia ser melhor: eles são delicados, humildes e respeitosos. Coisas que estão em falta no mundo fora de Lunana.
Cinema
“A felicidade das pequenas coisas” está em cartaz no Cine Passeio, com uma sessão diária às 13h40.
Um filme lindo de uma delicadeza incrível!
Vc fica realmente pensando e repensando a vida!
Excelente filme, fiquei pensativo uns três dias!!! Realmente, mostra que a felicidade está nas pequenas coisas, porém existe um preço a se pagar! Merece ganhar o Oscar!!!