Grammy 2020: o melhor álbum do ano foi feito em casa

Ao falar das crises existenciais e de outras demandas da vida social e emocional adolescente, a cantora dá voz à própria realidade

A festa do Grammy Awards levou ao topo uma artista que carrega a inovação na corrente sanguínea. Billie Eilish, a cantora de apenas 18 anos que venceu em quatro categorias, incluindo a de melhor álbum, é um caso a ser estudado.

Há muitos caminhos possíveis para analisarmos o álbum When We All Fall Asleep, Where Do We Go?, de Billie, porém escolho falar da produção. Chama a atenção o fato de que o trabalho premiado não foi gravado em Abbey Road ou na Capitol Records, mas sim em um home studio, montado por Finneas O’Connell, irmão da cantora. Quando identificamos qualquer coisa utilizando o Inglês, como no caso do Home Studio, é comum que nos venha à mente uma impressão de que estamos falando de algo gourmetizado. Vamos fugir disso e escrever tudo em Português, para que as expressões tenham o peso que precisam ter. O disco foi feito em casa, ou seja, em um “estúdio caseiro”. Existe algum problema nisso? Nenhum. Muito pelo contrário, esse prêmio evidencia que o mercado musical do século XXI está voltado à produção própria, fazendo com que o estúdio seja também um meio de composição a serviço do artista, quase como um instrumento na mão de quem faz música usando o computador pessoal, para depois compartilhar sua obra com o mundo, que passa a ter a canção na palma da mão, literalmente falando.

Contudo, vale ressaltar que o sucesso do trabalho de Billie e Finneas não está no uso do estúdio caseiro, mas sim na alta comunicabilidade que a cantora estabelece com o público. Ao falar das crises existenciais e de outras demandas da vida social e emocional adolescente, a cantora, em certa medida, dá voz à própria realidade. Daí, somando-se uma produção musical eficiente e a força avassaladora da internet, temos um fenômeno de massa genuíno. 

O que é preciso para montar um estúdio caseiro?

O sucesso do disco de Billie levanta essa questão. Não sei exatamente a configuração do estúdio caseiro em que ela gravou, mas isso não muda o fato de que poucos equipamentos ligados a um computador são suficientes para que qualquer pessoa comece a gravar em casa. Se você quiser tentar, basicamente precisará adquirir uma interface de gravação, um microfone e um software DAW (sigla em inglês para Estação de Trabalho em Aúdio Digital). Há versões gratuitas desse tipo de programa para computador que atendem bem às demandas no estúdio caseiro. Depois disso, com uma boa dose de criatividade, sua canção de sucesso pode nascer.

Qualquer cômodo da minha casa pode servir?

Depende. O ideal é que você disponha de um espaço adequado, com pouca entrada de som externo, mas isso é difícil de conseguir e demanda investimentos. Aí reside um aspecto muito importante, que é o entendimento do tipo de som que você deseja captar. Omid Bürgin, que pesquisa a acústica em estúdios caseiros, explica que uma casa pode oferecer uma riqueza enorme em termos de espaços sônicos, que dificilmente seria igualada por um estúdio convencional. Por exemplo, diz ele, que se você deseja gravar um violão e quer um som bastante reverberado, uma solução é gravar no banheiro. Os azulejos vão fazer com que o som tenha uma reverberação natural, que pode ser interessante para o projeto. Mas se você quer exatamente o oposto e busca por um som seco e com pouca ou quase nenhuma reverberação, uma alternativa é gravar dentro de um closet. Os armários, carpetes e cabides com roupas garantirão que o som tenha o mínimo de reverberação. Note, são soluções simples e domésticas.

Mercado musical: ontem e hoje

As músicas gravadas no estúdio caseiro podem ser distribuídas diretamente às plataformas de streaming a um custo bastante acessível, ou até mesmo gratuitamente. Essa nova tendência do mercado, da qual Billie Eilish é uma nativa, mudou o consumo de música. É possível até estabelecermos um parâmetro de comparação com outro fenômeno de massa, mas desta vez no Brasil dos anos 1960. Falo de Chico Buarque. Quando o compositor venceu o II Festival de Música Popular Brasileira com “A Banda”, em 1966, a canção estourou nas rádios, bares, lojas, lares e em todo os lugares onde houvesse um toca-discos.

Reportagens da época contam que, nas semanas seguintes, havia filas de pessoas nas lojas de discos, interessadas em comprar uma cópia do compacto da música, gravada por Nara Leão. O interesse era tanto que as tiragens acabavam em poucas horas. Para amenizar a decepção de quem não conseguira um disquinho, os lojistas deixavam sempre uma última peça fora da prateleira, que ficava rodando numa vitrola. Assim, o cliente pelo menos ouvia a música antes de ir embora. Isso é impensável nos dias de hoje. Se você quiser ouvir qualquer artista, basta acessar uma plataforma digital e pronto: música tocando.

Para ir além

Ouça o álbum When We All Fall Asleep, Where Do We Go?

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